24/09/24 |   Agroindústria  Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação  Segurança alimentar, nutrição e saúde

Metodologia possibilita que pequenos estabelecimentos classifiquem a qualidade de cafés

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Foto: Fabiano Bastos

Fabiano Bastos - Metodologia proporciona análise simplificada com resultados mais rápidos do que os métodos sensoriais descritivos utilizados hoje nas provas de café

Metodologia proporciona análise simplificada com resultados mais rápidos do que os métodos sensoriais descritivos utilizados hoje nas provas de café

  • Método simplifica avaliação e a torna acessível a pequenos produtores.
  • Avaliação proposta não necessita de especialistas e pode incluir consumidores e funcionários na equipe de provadores.
  • Técnica pode ser empregada para avaliar amostras para concursos ou separação de lotes especiais.
  • Proposta deve suprir a demanda de diferentes instituições, como fazendas produtoras do grão, cooperativas, universidades e centros de pesquisa.
  • Avanço foi motivado por dificuldades na época da pandemia, que inviabilizaram uso de métodos de avaliação tradicionais e mais demorados para o café.

 

Pesquisadores deixaram acessível a pequenos produtores e empresários o processo de avaliação da qualidade do café. Para isso, eles adaptaram, pela primeira vez para o produto, a metodologia chamada Perfil Descritivo Otimizado (PDO). O objetivo foi proporcionar uma opção de análise simplificada com resultados mais rápidos do que os métodos sensoriais descritivos utilizados hoje nas provas de café. Com a adaptação, a metodologia pode ser adotada por pequenos estabelecimentos comerciais, cooperativas de produtores e instituições de pesquisa.

Um dos principais diferenciais está relacionado à equipe, que pode ser composta por funcionários e consumidores de café, em vez de especialistas, com um treinamento mais simples. “As metodologias oficiais exigem diversas instâncias de avaliação, todas feitas por especialistas. Com essa alternativa, tornamos os testes mais simples e qualquer pessoa, com paladar e olfato apurados, pode participar”, informa Sônia Celestino, pesquisadora da Embrapa Cerrados (DF) e uma das responsáveis pela pesquisa.

A cientista explica que a proposta deve suprir a demanda de diferentes instituições, como fazendas produtoras do grão, cooperativas, universidades e centros de pesquisa. “As cooperativas, por exemplo, podem montar sua própria equipe de provadores para analisar seus cafés. Assim, eles terão uma avaliação que forneça informações sobre um determinado grão, para saber se vale a pena inscrevê-lo em um concurso, por exemplo”, explica.

Foto: Fabiano Bastos

União de conhecimentos em nutrição e agronomia

Todas as etapas da metodologia adaptada pela Embrapa e pela Universidade de Brasília (UnB) está descrita no Manual de Análise Sensorial Descritiva de Café, no qual consta o detalhamento de cada fase, desde o recrutamento e seleção dos provadores, passando pela descrição dos materiais necessários, preparo das amostras e consolidação das notas dos grãos avaliados. A publicação foi desenvolvida a partir da dissertação de mestrado de Manuella Nascimento, no Departamento de Nutrição da UnB, sob orientação da professora Lívia de Oliveira e de Sônia Celestino.

Nascimento avaliou cafés do Cerrado adubados com diferentes fontes de potássio. “Algumas pesquisas relatam que o cloreto de potássio prejudica a qualidade do grão do café e aumenta o amargor da bebida. Então analisamos essa e outras fontes de potássio em um estudo mais profundo. Fizemos avaliações químicas e sensoriais para certificar ou refutar os resultados das pesquisas anteriores”, informa. 

A então mestranda precisava de uma metodologia para realizar a análise sensorial. Com as orientadoras, decidiu utilizar a metodologia Análise Descritiva Quantitativa (ADQ), considerada o padrão-ouro entre os métodos sensoriais descritivos. No entanto, a pandemia da Covid-19 interrompeu o treinamento dos futuros avaliadores. “Com o pouco prazo que nos restava, optamos por adaptar a metodologia Perfil Descritivo Otimizado para o café, o que não existia até o momento”, relembra Oliveira.

Celestino explica que a principal diferença entre as metodologias ADQ e PDO se refere ao treinamento das equipes: “A primeira requer um treinamento mais longo e constante. Já a segunda pode ser feita com uma equipe semitreinada, composta por pessoas que fazem parte da própria empresa ou consumidores que estão acostumados com a bebida, o que facilita sua aplicação.” Essa alternativa tem se mostrado apropriada para obtenção mais rápida de resultados e manutenção da qualidade dos dados.

Para compensar essa diferença quanto ao treinamento, é necessário ter um número maior de avaliadores. Além disso, em cada encontro, reduz-se a quantidade de atributos e de amostras a serem analisadas. “Recomendamos, pelo menos, 16 avaliadores. Mas se todos estiverem bem treinados e alinhados com os parâmetros de avaliação, pode-se reduzir para dez avaliadores. Em cada reunião, apenas um atributo é analisado”, ressalta.

O PDO tem o potencial de relatar quantitativamente atributos sensoriais, reduzindo o tempo e o custo dos testes sensoriais. Já a ADQ proporciona uma descrição completa das propriedades sensoriais de um produto. Os resultados de ambos podem ser úteis para o controle de qualidade eficiente, para formular ou aperfeiçoar produtos e para avaliar potenciais oportunidades de mercado.

Toda a metodologia foi descrita no manual publicado pela Embrapa. “A ideia do manual foi sistematizar o nosso trabalho e oferecer algo para ajudar as pessoas que trabalham no setor”, conta Nascimento. Com Oliveira, ela apresentou a publicação no Coffee Brasília, em 2023, evento conhecido e movimentado que acontece periodicamente na cidade.

A autora relembra: “Demos uma palestra, apresentamos o manual e contamos como chegamos à metodologia. O pessoal da Abic [Associação Brasileira da Indústria de Café] gostou bastante, pessoas leigas também, porque trazemos tudo de forma bem didática, sem usar linguagem técnica, já que o material não é voltado para a academia”.

Foto: Manuella Nascimento

Subsídio para avaliação de cafés especiais

Para ser classificado como “especial”, o café deve atingir uma pontuação mínima de 80 pontos (em uma escala de até 100 pontos) pela metodologia proposta pela Specialty Coffee Association (SCA). A metodologia da SCA é utilizada internacionalmente e é aplicada exclusivamente por avaliadores especialistas, credenciados como juízes para avaliação de cafés. 

São analisados diversos atributos, como aroma, doçura, acidez, sabor, ausência de defeitos, entre outros. Para Celestino, uma das funções da metodologia desenvolvida pela Embrapa e pela UnB é fornecer uma análise inicial dos grãos de interesse. “Como essa avaliação [da SCA] é paga, nossa metodologia facilita o conhecimento do potencial dos nossos cafés, já que as equipes internas conseguem discriminar as melhores bebidas”, declara. No caso de cooperativas e universidades, elas podem identificar seus melhores grãos antes de encaminhá-los para uma avaliação oficial.

“No caso da nova metodologia, é utilizada uma escala de 50 pontos capaz de identificar cafés ruins, bons e ótimos. Nesses casos, ela é uma facilitadora, já que traz informações sobre os atributos considerados nas avaliações da SCA”, completa a pesquisadora.

Outra vantagem é que a metodologia PDO permite que os resultados das provas de café sejam alcançados mais rapidamente. “A metodologia nos dá uma resposta rápida. Posso reunir a equipe e avaliar só um atributo, para saber qual é a bebida que tem maior acidez ou menor amargor, por exemplo”, explica.

 

O que faz um café especial

Para atingir a classificação de café especial, o produto tem que atender a uma série de exigências, que consideram aspectos produtivos na lavoura, no processamento pós-colheita e na industrialização. Essa classificação só pode ser conferida pela SCA, após o grão passar por uma avaliação.

A qualidade sensorial da bebida de café está relacionada a várias características observadas nos grãos crus e decorrentes de sabor e aromas formados durante a torrefação. Na prática, a principal característica de um café especial é a excelente qualidade de bebida percebida pelo consumidor. Trata-se de uma “bebida mole”, ou seja, adocicada, de sabor agradável e sem qualquer tipo de adstringência (sem excesso de taninos).

Foto: Fabiano Bastos

 

Seleção e formação da equipe

Na metodologia PDO, é necessária uma equipe composta por 16 avaliadores. Para a seleção dos componentes, o candidato deve passar por alguns testes de sensibilidade e discriminação sensorial. O objetivo é verificar se eles conseguem identificar gostos básicos em diferentes intensidades e aromas.

Foto: Fabiano Bastos

No teste de sabores, eles precisam identificar os principais gostos sentidos pelo paladar humano – doce, ácido, amargo, salgado e umami, e sua intensidade, entre fraco e forte. No de aromas, podem ser usados 36 aromas comuns encontrados no café, incluindo alguns agradáveis, como floral, frutado e de especiarias, e outros desagradáveis, como de papel mofado e produtos químicos, presentes em cafés de baixa qualidade.

Na terceira etapa, são apresentadas amostras de bebidas de café, estando algumas com um atributo diferenciado, como, por exemplo, uma diferença de acidez ou amargor. Esses atributos são normalmente encontrados em diferentes intensidades em amostras comerciais de café e o avaliador tem que ser capaz de percebê-los.

Para o desenvolvimento da metodologia, a mestranda Manuella Nascimento e a pesquisadora Sônia Celestino selecionaram e treinaram uma equipe de avaliadores na Embrapa Cerrados. Uma das participantes do treinamento, Fabíola Araújo, sempre se percebeu com um paladar mais apurado para o café. “Eu não entendia porque alguns cafés me desagradavam, enquanto pareciam ser bem aceitos pelos colegas. Com o treinamento, consegui entender como se percebe a doçura, o amargor e outros atributos do café a partir de referências e isso apurou meus sentidos. Agora, antes de experimentar qualquer café, só pelo aroma, já sei se vou gostar ou não da bebida”, garante a analista.

Treinamento da equipe e avaliações

Com a equipe selecionada, é recomendado que seja feita uma familiarização prévia com o método, para apresentar aos avaliadores os principais atributos do café: aroma, doçura, acidez, corpo, amargor, adstringência e amargor residual. Os cinco primeiros são desejáveis na bebida, já os dois últimos são considerados defeitos. “É importante ter amostras selecionadas que servirão de referência para cada atributo do café. Assim, a equipe terá bem claro ao que se refere cada um deles”, informa Celestino.

A estrutura do teste, com amostras apresentadas simultaneamente e a presença de materiais de referência, permite que os avaliadores classifiquem os produtos de forma consistente e apresentem informações quantitativas e descritivas das amostras.

Foto: Fabiano Bastos

Em cada encontro, a equipe avalia um atributo em, no máximo, seis amostras. Cada avaliador atribui uma nota para aquele atributo. Ao término de todas as sessões, é calculada uma nota final para o atributo, resultado da média das notas dos avaliadores.

Já a nota global da amostra é calculada pela soma das notas finais de todos os atributos, considerando que os desejáveis (aroma, doçura, acidez e corpo) somam notas positivas e a adstringência e o amargor residual, que são atributos indesejáveis e considerados defeitos, reduzem a nota. 

Esse valor, que pode chegar a 50 pontos, conforme metodologia proposta, refere-se à qualidade do grão comercializado e a nota dos atributos pode constar na embalagem, como uma descrição do perfil sensorial da bebida. Os atributos são classificados pela intensidade: baixa, média baixa, média, média alta e alta. 

“Essa é uma classificação qualitativa e pode ajudar o consumidor a escolher o tipo de bebida que ele quer consumir. Ele pode ver na embalagem os principais aromas, como notas de chocolate ou cítricas, se o aroma é frutado, por exemplo, e o valor dado à acidez, à doçura e ao corpo e verificar se estão adequados ao seu gosto”, reforça Celestino.

Foto: Fabiano Bastos

A pesquisadora lembra ainda que, a partir dessa avaliação, o produtor pode rever as etapas do processo de produção – cultivo e colheita –, e os estabelecimentos podem monitorar a torrefação e o preparo do café para assim obterem bebidas com maior qualidade. “Como resultado da aplicação da metodologia, as instituições adquirem conhecimento mais aprofundado quanto à qualidade de seus grãos e podem monitorar constantemente esses atributos”, conclui.

Celestino adianta que a metodologia desenvolvida na pesquisa de Nascimento será utilizada para avaliação do perfil sensorial de cafés em futuros projetos.

 

Análise sensorial x métodos oficiais

A análise sensorial é uma das técnicas mais relevantes para a avaliação da qualidade sensorial do café. Ela engloba métodos distintos que podem ser utilizados por diferentes tipos de avaliadores (especialistas ou consumidores).

Os Métodos Oficiais de Classificação da Qualidade de Café (MOCQC) utilizam procedimentos padrão para o preparo da bebida e a avaliação de seus atributos, como aroma e sabor, aplicados exclusivamente por avaliadores especializados. Alguns são utilizados internacionalmente, como o da Classificação Oficial Brasileira (COB), o Cup of Excellence (CoE) e o da Specialty Coffee Association (SCA).

Nos métodos oficiais, apenas um ou dois avaliadores são responsáveis pela classificação de muitas amostras de café, podendo provar até 200 xícaras por dia. Já a análise sensorial descritiva é feita por uma equipe de avaliadores (o tamanho da equipe varia de acordo com a metodologia adotada) e utiliza uma ampla gama de testes. As análises podem ser feitas por avaliadores treinados, semitreinados e consumidores.

Outra diferença é que, nos métodos oficiais, a degustação não é feita às cegas, ou seja, os especialistas podem ter informações sobre o fornecedor e a variedade de café que estão avaliando. Nos métodos sensoriais descritivos, as amostras, não identificadas, são servidas de maneira aleatória, para evitar a indução de respostas entre os provadores.

 

Juliana Miura (MTb 4.563/DF)
Embrapa Cerrados

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