Antecedentes

O USO DAS TERRAS AGRÍCOLAS ANTES DO ADVENTO DO CAR

Até pouco tempo, no Brasil, era praticamente impossível conhecer - em termos numéricos e cartográficos - o papel do mundo rural na preservação do meio ambiente. E por diversas razões.

Em primeiro lugar, isso implicaria num desafio enorme de mapear, no detalhe, o uso das terras no interior de cerca de cinco milhões de imóveis rurais em todo o país. A cada 10 anos, o Censo do IBGE faz um levantamento exaustivo do uso das terras nos estabelecimentos agropecuários brasileiros, mas são informações declaratórias, registradas num questionário, sem base cartográfica precisa.

Em segundo lugar, dada a dinâmica espacial, temporal e tecnológica da agricultura brasileira, parte desses dados fica rapidamente desatualizada.

 

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Crédito: Evaristo de Miranda.

A agricultura brasileira é plural. Ela é constituída de muitas atividades agropecuárias, diferenciadas entre si por processos históricos, localização geográfica, sistemas de produção, condições socioeconômicas e agrárias, origens e tradições dos produtores rurais. Ela não admite generalizações. Seus sistemas de produção são cada vez mais integrados, verticalizados, amigos da biodiversidade, sustentáveis, eficientes e diversificados. E apresentam uma grande dinâmica tecnológica, refletida no uso das terras. Como conhecer de forma circunstanciada o uso das terras no interior dos imóveis rurais?

A agricultura é a principal fonte de prosperidade em amplas áreas do Brasil. Ela emprega mais de 32 milhões de trabalhadores, mais de 33% dos empregados no país, e apresenta os menores índices de desemprego. Ao contrário de outros setores da economia, a agricultura brasileira mantém crescimento sustentado.  As exportações de soja, sozinhas, superam em valor as de petróleo e derivados e de minério de ferro. O Brasil tem participação relevante no mercado internacional e lidera a produção e a exportação de uma dezena de produtos agropecuários (MIRANDA, 2013).

Nos últimos 15 a 20 anos, o chamado "mundo rural", incluindo suas populações, os agentes econômicos ou a ação governamental (portanto, também a pesquisa agrícola) sofreu transformações radicais. Vive-se um novo período da história rural. Por ser essencialmente diferente do passado, a situação atual requer um esforço de compreensão inédito de seus processos e dimensões. Novos e inéditos processos sociais, econômicos, culturais e políticos no mundo rural revestem-se de uma grande dinâmica espacial e temporal no complexo território nacional. A gestão dos imóveis rurais e a informatização dos sistemas de produção deram grandes saltos qualitativos. 

 

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Crédito: Lucíola Magalhães

Para a pesquisa agropecuária e seu planejamento estratégico é fundamental, além da tentativa de compreender essa dinâmica territorial, identificar as principais tendências em curso, antevendo no curto e médio prazo cenários diferenciados e futuros possíveis para a agropecuária nacional e para os agentes sociais, econômicos e políticos a ela associados (BUAINAIN et al., 2014).  

A inteligência e a gestão territorial são abordagens inovadoras e complementares na tentativa de compreensão da dinâmica espaço-temporal do desenvolvimento rural, agropecuário e territorial. Elas empregam conceitos e métodos próprios para superar vários limites das análises e estudos, historicamente baseados em cadeias produtivas (soja, milho, mandioca...) ou em categorias de agricultores (pequenos, empresariais, cooperados), e que já não bastam para atender os desafios do atual desenvolvimento agropecuário. A Embrapa Territorial emprega essas abordagens para obter a quantificação e a cartografia da atribuição, da ocupação e do uso das terras em todo o território nacional, com ênfase na atividade agropecuária. Um salto qualitativo enorme nessas pesquisas foi possível graças ao advento do Cadastro Ambiental Rural.

 

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Crédito: Durval Lourenço

 

O USO DAS TERRAS AGRÍCOLAS APÓS O ADVENTO DO CAR

A possibilidade do conhecimento atualizado das áreas efetivamente utilizadas e preservadas pela agricultura nos imóveis rurais teve um avanço significativo com o advento do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é um dos frutos mais relevantes do novo Código Florestal, a Lei 12.651, de 25 de maio de 2012. Sua criação estava prevista no capítulo VI, art. 29, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA.

Trata-se de um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”. Até 31 de janeiro de 2018, 4.845.204 de imóveis rurais, totalizando 436.841.622 hectares, estavam inscritos no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural, o SICAR, sob a responsabilidade do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

A Embrapa Territorial integrou, ao seu Sistema de Inteligência Territorial Estratégica (SITE), os dados geocodificados completos e disponíveis do Cadastro Ambiental Rural no SICAR até 31 de janeiro de 2018. O prazo final de cadastramento no SICAR é 31 de dezembro de 2018. 

O banco de dados geocodificados do SICAR permitiu, pela primeira vez, a perspectiva de uma qualificação e quantificação das áreas destinadas à preservação da vegetação nos imóveis rurais com base em mapas, eles mesmos delimitados sobre imagens de satélite com 5 m de resolução espacial. E não apenas em declarações de produtores transcritas em questionários, como ocorre nos Censos do IBGE. Em cada um dos registros do CAR, além do perímetro do imóvel, o agricultor delimitou cartograficamente “a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal”, conforme determina o Código Florestal (art. 29 § 1° III).

O big data estruturado na Embrapa Territorial a partir dos dados do SICAR tornou possível a quantificação da contribuição do mundo rural brasileiro na preservação da vegetação nativa. Isso porque, o número de imóveis cadastrados em 31 de janeiro de 2018 já representava cerca de 94% do número de estabelecimentos agropecuários levantados no Censo do IBGE de 2006. Ou seja, um número já bastante próximo do universo total visado pelo CAR. Por outro lado, a área cadastrada no CAR em hectares até 31 de janeiro de 2018 superava em 31% a área total dos 5.175.636  estabelecimentos agropecuários registrados no Censo do IBGE de 2006.

 

OS TRÊS DESAFIOS

O download dos dados de mais de 4 milhões de agricultores, repartidos em 5.570 municípios, resultou num arquivo de mais de 40 GBytes compactados e de estrutura bastante complexa. Descompactados, esses arquivos chegam a 180 GBytes. Como já foi evocado, o CAR de cada propriedade rural reúne informações como o perímetro do imóvel e, no seu interior, o mapeamento de: áreas ocupadas e consolidadas, de preservação permanente (APP), reserva legal, servidões, construções, áreas de interesse social, de utilidade pública etc. São 18 categorias de uso e ocupação das terras geocodificadas em cada imóvel rural. E para cada categoria há, em geral, mais de um polígono por imóvel. Esse enorme e complexo conjunto de dados geocodificados (big data) colocou três desafios inéditos para a equipe da Embrapa Territorial.

O primeiro desafio foi de ordem metodológica. Nunca dados dessa natureza estiveram disponíveis e não existiam métodos e procedimentos de tratamento de informação consagrados e validados a serem aplicados neste caso. Coube então à equipe desenvolver, testar, validar e aplicar um procedimento inédito de tratamento de dados, apoiado em técnicas de geoprocessamento e tecnologias da informação. Neste sentido, um dos principais resultados obtidos são os métodos desenvolvidos e validados e que são objeto de um longo e detalhado capítulo neste site.

O segundo desafio era o de produzir resultados numéricos e cartográficos, os mais precisos possíveis, sobre as áreas destinadas à preservação da vegetação nos imóveis rurais cadastrados no CAR. Isso implicava em eliminar diversos erros, sobreposições, duplicações e imprecisões associadas aos dados, por procedimentos de geoprocessamento aplicáveis a centenas de milhões de polígonos. Para chegar a esse resultado final, um dimensionamento numérico e cartográfico, com a qualificação dos arquivos existentes nos CAR dos estados e no SICAR nacional, era uma etapa inicial, condicionante do resto dos procedimentos.

Finalmente, o terceiro desafio estava na comunicação, publicação e disponibilização à sociedade dos métodos e resultados inéditos obtidos nesta pesquisa da Embrapa que, dada a sua natureza, dimensão territorial e complexidade, não pode ser esgotada numa simples publicação e exige a estruturação de um website, passível de ser atualizado regularmente com a progressão e evolução do cadastramento de imóveis no CAR e com o desenvolvimento de novas análises do CAR pela Embrapa Territorial e seus parceiros, dentro e fora da Embrapa.

Para enfrentar esses três desafios simultaneamente, foram definidos objetivos e metas, hipóteses a serem validadas, meios e materiais a serem empregados e, sobretudo, um conjunto de procedimentos e métodos inéditos de tratamento de dados, apoiado em técnicas de geoprocessamento e tecnologias da informação. Previram-se também diversos eventos e reuniões técnicas para discussão dos resultados intermediários obtidos e aperfeiçoamentos metodológicos. Toda essa abordagem técnico-científica é apresentada a seguir. Também são discutidos aspectos ligados à pertinência dos procedimentos utilizados no cadastramento dos imóveis em face da diversidade de situações existentes na agricultura brasileira, bem como o significado dos resultados sobre as áreas destinadas à preservação da vegetação em milhões de imóveis rurais.

Embrapa Monitoramento por Satélite
Crédito: Embrapa/CNPM

Este website é dinâmico e atualizações regulares acontecem, sobretudo com a disponibilização de novos bancos de dados no SICAR ou com a conclusão de novas análises sobre as dimensões territoriais, econômicas, sociais e ambientais das áreas dedicadas pelo mundo rural à preservação da vegetação nativa. Aqui são apresentados os principais métodos empregados e os surpreendentes resultados obtidos pela abordagem de inteligência e gestão territorial para identificar, qualificar, quantificar, cartografar e monitorar o uso das terras no país e, principalmente, o papel da agricultura na preservação da vegetação nativa brasileira.