Intensificação e sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas
Há pouco terreno para o crescimento horizontal da agricultura no mundo. Em outras palavras, existem fortes razões para que o aumento da produção agrícola, para atender à demanda, ocorra por meio da intensificação dos sistemas de produção e não pelo aumento da área utilizada para cultivo de plantas e criação de animais.
Por um lado, o crescimento populacional e o aumento da renda estimados para os próximos anos demandará maior produção de alimentos, fibras e biocombustíveis. Por outro lado, o aumento no preço das terras, a escassez de mão de obra rural e a necessidade de preservação de áreas naturais, solos e água limitam a expansão da fronteira agrícola no Brasil. É necessário produzir mais em cada hectare rural do país. E essa produção precisa ser sustentável.
A modernização recente da agricultura brasileira já é uma experiência bem sucedida de intensificação da produção agrícola. O principal indicador é a produtividade. Em cada hectare se produz hoje três vezes mais grãos do que em 1975.
A intensificação ajudou o Brasil a ter, atualmente, 66% de suas terras cobertas por vegetação nativa. Isto inclui terras indígenas, unidades de conservação, áreas em propriedades privadas separadas em função da legislação ambiental - como Reserva Legal e áreas de proteção - , e vegetação nativa em terras não cadastradas. As lavouras e florestas plantadas ocupam 9% do território nacional. Pastagens plantadas cobrem 13% e as pastagens nativas correspondem a 8% da área total do país. Agricultura e pecuária ocupam, somadas, 30% do Brasil.
Área de Florestas
Cores indicam o percentual de florestas em relação à área total de cada país. Brasil figura entre os países com maior percentual de cobertura de florestas nativas. Fonte: Banco Mundial
Entre as potências mundiais produtoras de alimentos, fibras e biocombustíveis, o Brasil é um dos poucos países que concilia a possibilidade de expandir suas fronteiras agrícolas com a salvaguarda dos remanescentes naturais, cuja proteção está prevista no Código Florestal. Isso será possível com a incorporação de áreas degradadas, abandonadas ou subutilizadas, com aumento de produtividade e com integrações de produção vegetal e animal.
A sociedade e sua crescente preocupação ambiental têm demandado dos cientistas, do setor produtivo e do setor público o desenvolvimento de sistemas de produção mais sistêmicos, resilientes, sustentáveis e de baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE). Essas perspectivas consolidam a megatendência de intensificação e sustentabilidade da produção agropecuária.
Obs.: as informações apresentadas nesta página estão devidamente referenciadas no documento completo Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira (PDF).
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Compromissos internacionais
O Brasil participa de diversos acordos internacionais e está comprometido com agendas de sustentabilidade. Em 2015, na conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 21), o Brasil se comprometeu a reduzir em 43% as emissões de GEE até 2030. Foi estabelecida como meta a redução em 80% as taxas de desmatamento na Amazônia e em 40% no Cerrado. As ações propostas abrangem o reflorestamento de 12 milhões de hectares e o alcance de participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética brasileira.
Outro compromisso importante é com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma ampla agenda global com 17 objetivos integrados que mesclam as três dimensões da sustentabilidade: a econômica, a social e a ambiental. No Brasil, é grande a importância da agricultura para o alcance desses objetivos, considerando a extensão da área agrícola, a quantidade de produtores e trabalhadores envolvidos e a relevância do setor para o desenvolvimento econômico e a melhoria do bem-estar social da população.
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Para a pesquisa agrícola brasileira, o cenário é de oportunidades e desafios. O campo demanda inovações para aumento da eficiência dos sistemas de produção e o governo brasileiro depende de métricas de sustentabilidade compatíveis com agricultura tropical para atuar nos fóruns internacionais.
Um olhar cuidadoso para a água
Em termos globais, o setor agrícola é o principal usuário de terra e água. A demanda mundial de água deverá aumentar 40% até 2030 e 55% até 2050 – ano no qual se estima que mais de 40% da população mundial viva em áreas de grave estresse hídrico.
A demanda por água para a agricultura irrigada no mundo aumentará de 2.600 km3 em 2005 para 2.900 km3 em 2050. Cada km3 equivale a um trilhão de litros. Para efeito de comparação, o Lago Paranoá, em Brasília, tem 0,5 km3.
O uso da água no meio rural representa 83% da demanda de captação de água total brasileira, dos quais 72% são destinados à irrigação. A irrigação está em franca expansão no Brasil. Passou de 462 mil hectares em 1960 para 6,1 milhões de hectares em 2014, em especial por meio de pivôs centrais.
Uma das necessidades para o presente e o futuro é tornar mais eficiente a prática da irrigação. Estima-se hoje uma perda da ordem de 40% por conta de sistemas inadequados de irrigação ou vazamentos nas tubulações.
Outra preocupação é com a qualidade da água, uma vez que é no espaço rural que nascem os grandes mananciais de abastecimento. Apesar de a poluição urbana ser a principal fonte de degradação, a poluição difusa de origem rural causada pela elevada utilização de fertilizantes e pesticidas e pela perda de solos por processos erosivos pode ser fortemente impactante.
Apesar de ter grandes reservas de água doce, incluindo o Aquífero Guarani, o maior do mundo, o Brasil está sujeito a uma distribuição não homogênea de água entre suas Regiões:
- Norte – 68,5%
- Centro-Oeste – 15,7%
- Sul – 6,5%
- Sudeste – 6,0%
- Nordeste – 3,3%
O desequilíbrio ocorre não apenas no espaço, mas também no tempo. Algumas regiões têm regime de chuvas concentrado em poucos meses, seguidos de longos períodos de estiagem e rios intermitentes. A distribuição das reservas não acompanha a concentração populacional nem a demanda hídrica das diferentes partes do País.
Média histórica de precipitação mensal em alguns pontos do Brasil
Na capital federal, as chuvas ocorrem principalmente entre outubro e março, para em seguida surgir um período praticamente sem chuvas. Em Natal, as chuvas acontecem entre os meses de março a julho, enquanto em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, as chuvas são regulares ao longo do ano. Em termos de quantidade de chuva, em Petrolina (PE), por exemplo, durante o período úmido, ocorrem totais de chuvas semelhantes às do período seco em Manaus. Nota-se que os totais anuais de chuva em Manaus são nove vezes superiores aos totais observados em Petrolina. Fonte: ANA
Neste contexto, o uso adequado de recursos hídricos no meio rural envolve aperfeiçoamento da irrigação, uso de métodos específicos para cada tipo de solo e cultura, manejo a partir do monitoramento preciso da evapotranspiração e sistemas mais eficientes e adaptados às condições locais, evitando o desperdício de água e energia. Em regiões onde a disponibilidade hídrica é muito variável, reservatórios de pequeno porte, barragens subterrâneas, reuso e captação de chuvas em propriedades agrícolas podem melhorar a disponibilidade hídrica, reduzindo a vulnerabilidade em relação à variabilidade hidrológica.
Solo: recurso fundamental
O uso da terra para a produção de alimentos é a atividade humana que mais demanda espaço. A agricultura é responsável pela ocupação de 12% da superfície terrestre. A pecuária ocupa cerca de 26% do total de terras do mundo. Diante das limitações para expansão da área agrícola, conservar os solos já utilizados e potencializar seu uso é imprescindível.
Ocupação da superfície terreste no Brasil e no Mundo
Uma das propriedades fundamentais dos solos para o incremento da produtividade agrícola é a fertilidade. Boa parte do solos tropicais são naturalmente ácidos e de baixa fertilidade, o que exige correção e reposição sistemática de nutrientes para garantir a produção vegetal sustentável. Entre 2000 e 2015, o uso de fertilizantes no país cresceu 87%, contribuindo para o significativo aumento de 150% na produção de grãos no período.
A produção nacional de fertilizantes é historicamente muito inferior à demanda interna e não apresentou crescimento similar ao da demanda. A dependência em relação às importações vem aumentando ano após ano. Em 2015, cerca de 70% do consumo total foi suprido por importações. Para reduzir a dependência externa, políticas de incentivo à produção nacional e investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação serão fundamentais. Novas tecnologias adequadas à agricultura tropical podem aumentar a eficiência no uso dos fertilizantes, diminuir sua participação nos custos de produção e minimizar impactos ambientais, sobretudo nas emissões de GEE.
Outro importante desafio será a redução de perdas por erosão hídrica de solo e água. Tem sido observada uma intensificação dos processos erosivos em sistemas de monocultura, como soja-pousio-soja, e também em sucessões simples, como soja-milho safrinha, mesmo em sistema de plantio direto.
Em grande parte, isto pode ser atribuído a uma simplificação do conjunto de procedimentos do sistema plantio direto. Cultivo continuado de monoculturas sobre cobertura formada por espécies espontâneas, eliminação de terraços e semeadura em linha reta morro acima e morro abaixo são exemplos de manejos inadequados.
Manejo adequado impacta positivamente na infiltração de água no solo.
Simulação mostra a dinâmica da água da chuva em cultivo morro abaixo e com plantio em nível.
Este processo tem induzido perdas contínuas da biodiversidade, aumento de incidência e do custo de controle de pragas e doenças, concentração do sistema radicular nas camadas superficiais, além de eutrofização (alta concentração de nitrogênio e de fósforo) e assoreamento de lagos, represas e rios. O problema vem se ampliando nos últimos anos e sugere a necessidade de políticas que valorizem a adoção de técnicas conservacionistas. Não devem ser priorizados resultados econômicos imediatos em detrimento de princípios basilares do sistema plantio direto e da agricultura conservacionista.
As perdas anuais de solos no Brasil são da ordem de 500 milhões de toneladas pela erosão. Além do impacto na terra, este fenômeno prejudica a água, uma vez que uma parte do solo se acumula no fundo de reservatórios e rios (assoreamento). O problema leva a uma redução anual média de 0,5% na capacidade de armazenamento dos reservatórios brasileiros.
Estima-se que há entre 60 e 100 milhões de hectares de solos em diferentes níveis de degradação no Brasil. Essas áreas poderão ser inseridas novamente ao processo produtivo com emprego de tecnologias de recuperação, conservação e manejo de solo e das pastagens. Esse é um grande desafio quando se considera que, apesar dos inegáveis avanços em direção à sustentabilidade, o país continua incorporando cerca de 1 milhão de hectares de áreas de vegetação nativa ao sistema de produção agropecuária a cada ano.
É possível perceber que há estreita relação entre as funções e os serviços ecossistêmicos do solo e da água no meio rural, pois é através das relações solo-água que ocorrem os processos de infiltração e recarga de aquíferos, a transferência de água para as plantas, a evapotranspiração, a manutenção da umidade e biodiversidade dos solos, o transporte de nutrientes e o estoque de carbono, entre outros. O contexto exige a adoção de sistemas agrícolas sustentáveis.
Sistemas agrícolas sustentáveis
O desenvolvimento agrícola sustentável pode ser entendido como o manejo e a conservação dos recursos naturais e a orientação das mudanças tecnológicas para atender as necessidades humanas do presente e das futuras gerações. A agricultura sustentável compreende sistemas integrados de práticas que, ao longo do tempo, garantem qualidade ambiental, preservam os recursos naturais, promovem uso eficiente de recursos e melhoram a qualidade de vida dos produtores e da sociedade, com viabilidade econômica dos processos agrícolas.
O Brasil já conta com uma série de sistemas e tecnologias sustentáveis amplamente adotados:
Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF): É uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Gera benefícios ambientais e econômicos. Favorece a recuperação de pastagens degradadas, a intensificação e a diversificação da produção. ILPF está presente em 11,5 milhões de hectares no Brasil e a perspectiva é de crescimento da adoção. Saiba mais.
Sistemas Agroflorestais: Incorporam grande diversidade vegetal com espécies agrícolas, frutíferas e florestais e ocupam milhares de hectares em todos os biomas brasileiros. Novos nichos de mercados estão valorizando ainda mais a biodiversidade das espécies nativas, de forma que sistemas agroflorestais deverão ter relevância crescente no processo de intensificação sustentável da agricultura brasileira nas próximas décadas. Saiba mais.
Agricultura orgânica: Sistema de produção que considera aspectos ambientais, sociais, culturais e econômicos, com foco na sustentabilidade. A agricultura orgânica não utiliza agrotóxicos, adubos químicos, antibióticos ou transgênicos. Em decorrência das mudanças de hábitos, maior informação e poder aquisitivo de segmentos de consumidores, a tendência é de crescimento desse mercado. Saiba mais.
Sistema Plantio Direto: Sistema conservacionista presente em ampla área agrícola brasileira. Proporciona o acúmulo de carbono no solo, promovendo melhorias biológicas no solo e diminuindo o processo de erosão e assoreamento dos recursos hídricos. O sistema plantio direto foi fundamental para a ampliação da área de segunda safra, também conhecida como safrinha, ao reduzir o tempo utilizado no preparo do solo. Saiba mais.
Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN): Processo que converte o nitrogênio do ar em formas que podem ser utilizadas pelas plantas. Principal fonte de nitrogênio da agricultura brasileira, a FBN tem melhorado propriedades do solo, resultando em maior produtividade, menor impacto ambiental e maior economia. Há tendência de intensificação do uso de FBN para recuperação de áreas degradadas, redução da emissão de GEE, e diminuição de riscos de contaminação. Saiba mais.
Manejo integrado e controle biológico de pragas e doenças: São métodos de controle racional para reduzir impactos ambientais e minimizar os atuais níveis de utilização de agrotóxicos e de resíduos nos alimentos. Visa melhora da qualidade de vida do produtor rural e do consumidor. Esse conjunto de práticas e processos inovadores terá relevância crescente na transição dos sistemas de produção atuais para uma agricultura mais sustentável no Brasil. Saiba mais.
Plantios florestais: Os plantios florestais com espécies nativas e exóticas do Brasil contribuem anualmente com 17% de toda a madeira colhida mundialmente, com uma área equivalente a 3% da área mundial de florestas plantadas. Há tendência de ocupação de áreas de pastagens degradadas para crescimento da silvicultura no Brasil nos próximos anos, o que tende a reduzir a pressão por desmatamentos de áreas nativas. Saiba mais.
Extrativismo: Tem tido destaque o uso da biodiversidade brasileira no extrativismo vegetal. Apenas em 2016 foram registrados mais de 30 produtos extrativos não madeireiros sendo explorados comercialmente. Essas atividades geraram praticamente R$ 1,9 bilhão, derivados de mais de 1 milhão de toneladas de produto não madeireiro, como açaí e castanha-do-brasil. A grande variedade de espécies nativas no Brasil favorece este tipo de atividade. Saiba mais.
Ações para estimular ampla e adequada adoção destas tecnologias é fundamental para a sustentabilidade da agricultura brasileira. O aperfeiçoamento das tecnologias já existentes e a geração de inovações em sistemas sustentáveis são tendências para os próximos anos.
Outra frente importante é a recuperação ambiental das propriedades rurais. Para atender à legislação ambiental, em especial ao Código Florestal, estima-se que é necessário recuperar 21 milhões de hectares de Reserva Legal, a área de mata que deve ser preservada em cada propriedade, e de Áreas de Preservação Permanente, como margens de rios e topos de morros. Saiba mais sobre o Código Florestal e acesse informações sobre estratégias de recuperação.
A restauração da paisagem florestal e a adequação ambiental das propriedades rurais são forças motrizes para a ampliação da adoção de técnicas e sistemas que elevem a produtividade vegetal e animal, reduzam a perda de solos e nutrientes por erosão e restabeleçam serviços ambientais relacionados à proteção da biodiversidade e ao aumento da segurança hídrica. Esses fatores tendem a reduzir riscos de perdas e a aumentar a resiliência das paisagens diante dos impactos da mudança do clima.
Intensificação e eficiência de sistemas agrícolas
O Brasil se destaca pelo cultivo de múltiplas safras, o que contribui para uma maior produção por unidade de área. No caso do milho, por exemplo, a segunda safra, especialmente no Cerrado, tornou-se mais importante que a primeira safra e corresponde a quase 70% da produção total.
Embora tenha havido expressivos ganhos de produtividade, há ainda muito potencial de expansão das produtividades médias no país. Vastas áreas de produção apresentam baixos rendimentos físicos por unidade de área (ou unidades de lotação, no caso das atividades pecuárias). Aumentar o potencial genético de produtividade das culturas, bem como otimizar as técnicas de manejo são caminhos para o aumento da produtividade.
Para intensificar basta utilizar as tecnologias já existentes ou é preciso novas soluções?
Pesquisador da Embrapa, Judson Valentim fala sobre o desafio da intensificação sustentável dos sistemas agrícolas.
Outro importante fator que tem contribuído para a intensificação produtiva são os sistemas de cultivo em ambientes protegidos e irrigados. A produção agrícola em ambiente protegido tem experimentado grande crescimento no mundo, com destaque para a China, com mais de 3 milhões de hectares e 90% das estufas utilizadas no mundo. Uma tendência é a utilização de lâmpadas LED, o que está fazendo com que aumente rapidamente o número de unidades produtivas agrícolas “urbanas” e “indoor”. A pequena produção em áreas urbanas, em formato de “fábrica agrícola”, é algo que vai se descortinando como perspectivas crescentes.