Protagonismo dos consumidores
O acelerado avanço das tecnologias da informação e de comunicação, com a proliferação das mídias sociais e plataformas digitais, está modificando radicalmente as relações entre empresas produtoras de alimentos e os consumidores. Maior acesso a computadores e celulares, internet de baixo custo e Wi-Fi estão propiciando aos consumidores grande acesso à informação e compartilhamento de experiências e avaliações de produtos e marcas, que ampliam seu poder na tomada de decisão no momento da compra.
A transformação operada nas relações entre produtores e consumidores tem sido de tal magnitude que não só influi na qualidade e intensidade da produção e dá origem a novos negócios e oportunidades, como também cria novos desafios produtivos e organizacionais para empresas e normativos para os governos.
Qual o poder de influência dos consumidores?
Analista da Embrapa e pesquisador na área de comportamento do consumidor, Gustavo Porpino fala sobre o protagonismo dos consumidores.
A influência dos consumidores cresce e modifica a produção
Segundo estudos, o poder dos consumidores de influenciar as decisões da cadeia produtiva agroalimentar deriva de mudanças nos seus hábitos de consumo, que são resultantes de complexos movimentos econômicos, sociais, culturais e políticos. Fatores como crescimento da população, nível de urbanização, taxa de escolaridade e educação em geral, nível de informação, estrutura etária, sobretudo grau de envelhecimento, e familiar das comunidades e níveis de renda são determinantes para mudanças nesses padrões de consumo.
Não obstante, apesar de o Brasil ainda ser um país de baixa escolaridade (51% concluiu apenas o ensino fundamental e há elevado índice de analfabetismo funcional), percebe-se que o ativismo dos consumidores deve crescer nas próximas décadas em razão de seu maior acesso a informações por meio das mídias sociais: 61% dos produtores já usam smartphones e o whatsapp já é o principal meio de comunicação na zona rural, utilizado por 96% dos produtores que têm acesso à internet.
Em mercados heterogêneos, com diferenças acentuadas entre as classes sociais como o brasileiro, o protagonismo dos consumidores tende a ser liderado pelas classes com maior poder de compra. Ainda assim, análises mostram que consumidores brasileiros de classe média baixa também valorizam características dos alimentos que vão além do preço, tais como sabor e qualidade nutricional.
Os estudos mostram que as cadeias de suprimento de alimentos no Brasil, assim como em todo o mundo, estão sendo moldadas por três fenômenos inter-relacionados:
- Urbanização e concentração da agricultura.
- Aumento do comércio globalizado.
- Transição, segmentação e mudança das dietas.
No Brasil, as mudanças indicadas pelos consumidores estipulam que a produção de alimentos precisa atender a distintos atributos: sensorialidade e prazer, saudabilidade e bem estar, conveniência e praticidade, confiabilidade e qualidade e sustentabilidade e ética.
Sensoriabilidade e prazer é demanda que se estabelece a partir do crescimento do grupo de consumidores que valorizam as artes culinárias e as experiências gastronômicas, denominados fooddies, que exigem matérias-primas e ingredientes sofisticados como os produtos gourmet e premium, como azeites ou farinhas especiais, receitas artesanais, como chocolate com maior teor de cacau, e receitas familiares.
Saudabilidade e bem-estar decorre da evolução da ciência que vincula determinadas dietas à boa saúde ou doenças, como a obesidade, atreladas ao estilo de vida das grandes cidades e ao envelhecimento e indicam alimentos funcionais, produtos para dietas específicas tais como redução de nutrientes calóricos ou alergênicos, isentos de lactose e glúten, ou a eliminação de aditivos químicos e até mesmo produtos cosméticos.
Enquanto, nos últimos cinco anos, as vendas de alimentos e bebidas tradicionais cresceram 67%, as vendas de produtos saudáveis aumentaram 98%. Em 2016, no Brasil, esse mercado faturou R$ 93,6 bilhões, colocando o país na posição de quinto maior consumidor de produtos saudáveis.
O ritmo de vida acelerado nos espaços urbanos e as mudanças na estrutura das famílias impõem a busca por conveniência e praticidade nas rotinas de alimentação, o que pressiona pela oferta de alimentos semi-prontos para o preparo das refeições, em pequenas porções (snacking e fingerfood) ou doses individuais e prontos para entrega expedita (delivery). Essa tendência converge para saudabilidade e bem-estar, aumentando a demanda por sucos naturais, iogurtes e snacks de vegetais, entre outros, e atende a 34% dos consumidores brasileiros das classes A, B e C.
Consumidores melhor informados e mais atentos valorizam confiabilidade e qualidade, demandando produtos seguros e de qualidade atestada. Por isso, buscam produtos que ofereçam garantia de origem, selos de qualidade, tipicidade, rastreabilidade e certificação nos processos de produção.
Essa atenção dos consumidores à qualidade dos processos de produção desagua em preocupações com sustentabilidade e ética, no que diz respeito ao meio ambiente e às relações sociais e de trabalho. Muitos consumidores valorizam aspectos tais como menor “pegada” hídrica ou de carbono, menor impacto ambiental em geral, embalagens recicláveis, bem como processos de produção em que se usam energias mais limpas ou se evitam maus tratos a animais, e se busca o comércio justo e responsabilidade social.
Muitos consumidores valorizam aspectos tais como menor “pegada” hídrica ou de carbono, menor impacto ambiental em geral, embalagens recicláveis, bem como processos de produção em que se usam energias mais limpas ou se evitam maus tratos a animais, e se busca o comércio justo e responsabilidade social
A crescente liberdade de escolha dos consumidores ajuda a estabelecer tendências opostas. Enquanto a busca por alimentos percebidos como sustentáveis esteja consolidada como tendência, em países como o Brasil um amplo segmento da população, recém-chegado ao mercado, tende a abandonar dietas baseadas em alimentos frescos e a consumir produtos mais processados.
Igualmente, embora se verifique uma tendência nova para aquisição de produtos no comércio local, como ocorre na Europa, observa-se maior liberdade do consumidor, empoderado com o uso de ferramentas online, para buscar e comparar produtos, marcas e fornecedores em escala global. A disponibilidade dessas ferramentas possibilita, nos EUA e Europa, as vendas diretas do produtor rural para os consumidores (farmer markets), bem como a emergência do consumidor ominchannel, que usa canais on e offline para descobrir o produto na loja virtual, eventualmente avaliá-lo na loja física e posteriormente comprá-lo na loja virtual. Sempre como melhor lhe convier.
Obs.: as informações apresentadas nesta página estão devidamente referenciadas no documento completo Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira (PDF).
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