O fio que nos une à África
Num continente onde a ajuda internacional historicamente tem faltado na resolução de problemas como a miséria e a insegurança alimentar, uma parceria tem sinalizado perspectivas diferentes. Em vez de mero aporte de recursos e tecnologias, troca de conhecimento e valorização do saber local têm sido a fórmula do projeto “Fortalecimento tecnológico e difusão de boas práticas agrícolas para o algodão nos países do C-4 e Togo”, ou, resumidamente, Cotton-4 + Togo. Desenvolvido pelo Brasil em conjunto com Benim, Burquina Faso, Chade, Mali e Togo, o projeto tem por objetivo apoiar os cinco países africanos no desenvolvimento do setor cotonícola, aumentando a produtividade, diversidade genética e qualidade do produto cultivado.
O algodão é uma das principais atividades econômicas no oeste africano, onde estão localizados os países que participam do projeto. Mais de dez milhões de pessoas dependem diretamente da cultura nessa região. A sobrevivência dos agricultores está atrelada ao que é produzido em pequenas propriedades, com tamanho em média de um a três hectares, e com dificuldade de acesso a novas tecnologias.
Em 2009, esse cenário começou a mudar com o início do projeto Cotton-4 (C-4). Promovido pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e contando com a parceria da Embrapa, o projeto vem, mais do que oferecer soluções tecnológicas, favorecer diálogos e intercâmbio de experiências e saberes para proporcionar a adaptação de tecnologias de acordo com as condições e as demandas locais, permitindo, assim, elevar a produtividade do algodão em mais de 100% em campos experimentais do projeto.
“Existe um modelo mental de produção no Brasil e um na África. Nós fizemos a composição dessas experiências”, afirma José Geraldo Di Stefano, coordenador técnico do projeto e analista da Embrapa Algodão. “O Brasil não apresentou um modelo pronto. Desenvolveu um de acordo com as necessidades de cada país, região e local, proporcionando uma verdadeira reflexão sobre os diferentes sistemas de produção e possíveis soluções”, reforça o coordenador.
A atitude brasileira de buscar o conhecimento local foi o diferencial, acredita o pesquisador Sebastião Barbosa, atual chefe-geral da Embrapa Algodão, já que, segundo ele, outros países haviam tentado uma ação parecida na mesma região, sem êxito em termos de adoção e continuidade. Por isso, muitas pessoas duvidaram, inicialmente, que a experiência brasileira seria bem-sucedida.
Histórias compartilhadas
O caminho até esse ponto de equilíbrio não foi curto. Começou em 2006, quando a primeira missão com pesquisadores brasileiros da Embrapa e especialistas da ABC chegou ao Mali para fazer um diagnóstico da cotonicultura regional e indicar prioridades para um projeto de cooperação técnica. A missão resultou num projeto estruturante de longo prazo, sob liderança de Sebastião Barbosa, que incluía em seu escopo a construção de infraestruturas, como prédios e laboratórios, e a promoção de treinamentos de pesquisadores e técnicos africanos, para adoção e continuidade das soluções tecnológicas apresentadas.
Nova missão foi ao Mali para discussão da proposta. Em março de 2009, com o projeto definido quanto a tecnologias e metodologias, iniciava-se oficialmente a cooperação internacional entre Brasil, Benin, Burquina Faso, Chade e Mali – o Togo só entraria no projeto em 2015.
Do lado brasileiro, a Embrapa assumiu a responsabilidade técnica do C-4, ou seja, de sua execução por meio da troca e adaptação de tecnologias. Por atuar diretamente com o tema, a Embrapa Algodão assumiu a liderança técnica. Ao longo desses cinco anos, a iniciativa contou ainda com o envolvimento de pesquisadores de diferentes centros de pesquisa da Empresa, especializados nas tecnologias levadas ao continente africano.
Pelo lado africano, a parceria foi mediada por uma instituição de pesquisa de cada país: Instituto de Economia Rural do Mali (IER), Instituto Ambiental e de Pesquisas Agrícolas de Burkina Faso (Inera), Instituto Togolês de Pesquisa Agronômica (ITRA), Instituto Nacional de Pesquisas Agrícolas de Benin (Inrab) e Instituto de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento do Chade (ITRAD).
O pioneirismo da proposta obteve o reconhecimento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com a concessão, em 2016, do prêmio S3 Award de Cooperação Sul-Sul para o Desenvolvimento Sustentável, organizado pelo escritório regional do PNUD para a América Latina e o Caribe (RBLAC), com apoio do Escritório de Apoio a Políticas e Programas/Cooperação Sul-Sul (BPPS/SSC), de Nova Iorque. O projeto brasileiro foi um dos quatro ganhadores, concorrendo com 33 programas de 19 países da América Latina. »
Pesquisa adaptativa
O Cotton-4 +Togo baseou-se na adaptação sustentável de tecnologias e conhecimentos brasileiros às condições de clima, solo e saberes do oeste africano. Segundo Sebastião Barbosa, a primeira missão ao Mali resultou no relatório que indicou as prioridades para o projeto, estruturadas, então, em três eixos tecnológicos que orientaram as atividades: melhoramento genético, manejo integrado de pragas (MIP) e sistema de plantio direto.
Entre as prioridades, destacou-se a conservação de solos. Com solos pobres em nutrientes e deficientes em água, pequenos produtores da região plantavam somente o algodão durante todo o ano. Num costume repassado de geração a geração, eles preparavam a terra para o plantio aguardando as chuvas, mas com o mínimo sinal de deterioração, procuravam novas áreas.
Não havia iniciativas para recuperação, apenas uma degradação cada vez maior. Em meio a esse cenário, a experiência brasileira e a longa história de sucesso baseada na adoção do plantio direto indicavam, como alternativa, a adaptação dessa tecnologia às condições locais.
Outra técnica adotada foi a rotação de culturas no mesmo terreno. Alternaram-se algodão e grãos, como milho, sorgo, feijão-caupi ou outra cultura que fizesse parte da tradição alimentar do país. Além de tornar o solo mais rico, pois cada cultura plantada deixa, ali, nutrientes importantes para as culturas que virão, e não desgastar esse recurso, e sim recuperá-lo, o plantio direto proporciona ganhos também quando se trata do melhor aproveitamento da água.
“Na África, toda a água que cai tem que ser disponibilizada para produção de alimentos e de algodão”, defende Di Stefano. Dessa forma, os produtores podem aproveitar a água especificamente para o desenvolvimento de plantas, em vez de desperdiçá-la com o preparo do solo e com o aumento de sua fertilidade. Isso pode ocorrer a partir da introdução do sistema Integração Lavoura-Pecuária (ILP) com uso de plantas de cobertura protetoras do solo e introdução de culturas alimentares.
Aliado aos protocolos de plantio instalados, com o entendimento e a concordância dos agricultores, a cada ano, o Brasil forneceu aos países participantes dez variedades de algodão, sendo nove de fibra branca e uma colorida, com diferentes características morfológicas e com potencial para adoção na região. A intenção foi investir no melhoramento genético a partir de testes e estudos comparativos com as variedades locais realizados nos campos experimentais das instituições parceiras.
As variedades mais bem adaptadas foram a BRS 286 e a BRS 293, não só por sua produtividade, mas, principalmente, pela coloração de fibra muito branca. Seu uso proporcionou um aumento da produtividade nos experimentos feitos, ordenadamente, em Mali, Burquina Faso e Chade e depois em Benim. Segundo Di Stefano, a variedade BRS 293 chegou a apresentar produtividade de 700 quilos a mais do que as variedades locais.
Na estação de Sotuba, no Mali, totalmente revitalizada pelo projeto, com a construção de prédios, salas de treinamentos e laboratórios, a produtividade atual chega a seis toneladas de algodão e seis toneladas de milho. Antes do início do projeto, os registros eram de 800 quilos e de 1,5 a 2,5 toneladas, respectivamente. Nas propriedades de agricultores familiares, também no Mali, a produtividade média saltou de 800 quilos de algodão por hectare para 2,2 toneladas. A de milho chega a quatro toneladas.
Di Stefano ressalta a importância da estrutura construída e outras melhorias que devem ser propiciadas pelo projeto para a continuidade das ações pelas instituições de pesquisa dos países do Cotton-4 + Togo: “A revitalização dos laboratórios possibilitará amenizar as principais dificuldades dos sistemas de produção e ampliar oportunidades de elaboração de projetos de pesquisa pelas instituições desses países.”
Por fim, o terceiro eixo tecnológico foi o manejo integrado de pragas, com foco principal na adoção de técnicas de controle biológico, considerado o maior problema da região, abrangendo lagartas como a Helicoverpa armigera, com potencial de destruição de diferentes culturas nesses países.
“Assim como o plantio direto, o Manejo Integrado de Pragas (MIP) também não foi levado como modelo pronto do Brasil. Aquele que foi implantado nas culturas africanas foi construído de acordo com as experiências locais”, explica o coordenador. Com a adoção do plantio direto e o melhoramento genético das variedades, o MIP fechou a proposta de melhoria dos sistemas de produção do oeste africano.
Ainda com foco no manejo integrado, foi instalado um laboratório de entomologia na estação de Sotuba para produção do inimigo natural da lagarta, o Trichograma, nas ações de controle biológico. Em 2014 foi confirmada a espécie local – o Trichogramma lutea e ainda identificada uma nova espécie no Mali pelos pesquisadores Ranyse Querino, da Embrapa Meio-Norte, e Mamotou Togola, do IER.
Cada um desses eixos contou com ações de capacitações e treinamentos promovidos pelo Cotton-4 +Togo, com atividades nos campos da África, além da participação de pesquisadores, técnicos e produtores desses países em missões a diferentes regiões produtoras do Brasil. Assim, conhecendo os sistemas produtivos brasileiros e comparando com os deles, foi possível chegar de modo mais eficiente aos protocolos instalados nas chamadas Unidades Comunitárias de Aprendizagem, construídas nas estações de pesquisa na África.
Tecnologia avançada
Em 2015, com início da segunda fase do Cotton-4, que então passou a ser chamado Cotton-4 + Togo, com a entrada desse último país, os desafios se voltaram para ações que permitam a consolidação das soluções tecnológicas avançadas, garantindo que, num país onde 70% da população é analfabeta, a informação com qualidade seja facilmente compreendida pelos produtores.
A filosofia de trabalho, segundo adianta o coordenador técnico, é investir no diálogo. “O programa Diálogo: Pensar +1 está sendo proposto como estratégia para o desenvolvimento da segunda fase do C-4, para despertar internamente um novo olhar para sua missão e estudar novas maneiras de interação entre pessoas e processos, num verdadeiro exercício de aprendizagem organizacional”, prevê Di Stefano. »
C-4 + Togo pela ótica africana
O produtor Abdoulaye Traore do distrito de Sanankoroba e cidade de mesmo nome, no Mali, possui uma fazenda de 25 hectares, dos quais cinco são destinados ao algodão, 15, ao milho e cinco, ao arroz. Para ele, o algodão ocupa um lugar importante no sustento da família de 25 pessoas, incluindo cuidados com saúde, vestuário, uma nova construção, entre outras necessidades financeiras.
Até a chegada do C-4, o cultivo era feito da forma tradicional, com semeadura manual após a aração do solo. Com o projeto, a família Traore aprendeu a semear diretamente sobre resíduos de milho e de plantas de cobertura, sem qualquer forma de preparo do solo, mesmo quando há baixa quantidade de chuva. Outros produtores ficam à espera de um volume significativo de chuva para começar a lavoura. “No início eu estava hesitante. Alguns anos depois, comecei a ver as vantagens da tecnologia que o projeto trazia. Mudei minha maneira de cultivar e isso tem contribuído para a melhoria dos meus campos de produção, o que me permitiu autossuficiência”, conta Traore.
Segundo o produtor, antes de adotar as práticas recomendadas pelo projeto a produtividade do algodão variava de 600 a 900 quilos de algodão por hectares e cerca de 2 mil quilos de milho. “Agora o meu retorno é de 1,5 mil a 2,1 mil quilos de algodão e 3 a 4 mil quilos de milho por hectare”, compara.
A propriedade se tornou referência para os demais produtores da região, e ele, um multiplicador da filosofia do projeto e defensor do plantio direto.
Valor inestimável
Na avaliação do chefe do programa de Algodão do Instituto de Economia Rural do Mali (IER), Amadou Yattara, as capacitações e o investimento na infraestrutura de pesquisa dos países serão de “valor inestimável” para muitos estudos agronômicos a serem desenvolvidos pelas instituições locais.
Ele diz que, por enquanto, não se pode falar de uma mudança no sistema de produção do algodão no país, mas acredita que o plantio direto pode trazer uma melhoria significativa nos rendimentos dos produtores se for amplamente adotado. “As ações ainda são muito fragmentadas. No entanto, alguns agricultores-piloto já estão desfrutando dos benefícios do sistema de plantio direto, especialmente o ganho do tempo dedicado à aração e a capacidade de plantar mais cedo, sem falar no impacto de uma fertilidade melhorada visível em parcelas nas quais foi utilizada a técnica”, observa.
Abdoullaye Hamadoun, diretor da Estação de Pesquisa de Sotuba do IER, no Mali, onde foram desenvolvidos os primeiros trabalhos do C-4 + Togo, diz que o sucesso do projeto se deve, entre outros fatores, ao fato de “os participantes do projeto terem visitado o Brasil, visto como o País faz sua agricultura e conhecido diferentes sistemas de produção.”
Multiplicação do conhecimento no Mali
O técnico agrícola do IER Sidiki Diarra trabalha no C-4 desde a sua implantação. Ele lembra que no início o projeto foi recebido com desconfiança pelos produtores. “O sistema de plantio direto ia contra uma prática que vem sendo adotada há décadas pelos nossos produtores, que é arar a terra antes do plantio”, relata.
Entre as estratégias adotadas para vencer essa resistência inicial, ele destaca os agentes multiplicadores bem treinados e motivados para convencer os produtores, apresentando os benefícios por intermédio da realidade local, visível nas 19 Unidades Comunitárias de Aprendizagem. Na segunda etapa do projeto, foram treinados 35 extensionistas e 70 produtores de cada país por meio de capacitações e dias de campo, quando puderam observar in loco os benefícios do plantio direto.
No futuro, ele espera que o C-4 possa chegar a todas as áreas produtoras do Mali e trazer uma grande contribuição para o país. “Espero que todos possam experimentar a tecnologia transmitida pelo projeto para melhorar seu conhecimento, sua produtividade e proporcionar lucros, e ainda contribuir para garantir a renda dos produtores, segurança alimentar e, portanto, para estabelecer a paz social no Mali”, conclui.
"Mudei minha maneira de cultivar e isso tem contribuído para a melhoria dos meus campos de produção"
Abdoulaye Traore, produtor do Mali
"(...) alguns agricultores-piloto já estão desfrutando dos benefícios do sistema de plantio direto (...)"
Amadou Yattara, chefe do programa de Algodão do Instituto de Economia Rural do Mali (IER)
"Espero que todos possam experimentar a tecnologia transmitida pelo projeto para melhorar seu conhecimento, sua produtividade e proporcionar lucros (...)"
Sidiki Diarra, técnico agrícola do IER
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Matéria do site da ONU: Brasil ajuda países africanos a modernizar produção de algodão
Cristiane Vasconcelos
Secretaria de Comunicação - Secom
Edna dos Santos
Embrapa Algodão
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/