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06/01/15 |   Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Cientistas criam filmes comestíveis para embalagens

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Foto: Flavio Ubiali

Flavio Ubiali -
Imagine colocar uma pizza no forno sem precisar retirar a embalagem plástica. A película que a envolve é composta por tomate e, ao ser aquecida, vai se incorporar à pizza e fazer parte da refeição. Esse material já existe e foi desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP) que fizeram películas comestíveis de diferentes alimentos como espinafre, mamão, goiaba, tomate e pode utilizar muitos outros como matéria-prima. O trabalho de pesquisa foi desenvolvido no âmbito da Rede de Nanotecnologia Aplicada ao Agronegócio (AgroNano) e recebeu investimentos da ordem de R$200 mil.
 
"Podemos utilizar rejeitos da indústria alimentícia para fabricar o material, isso garante duas características de sustentabilidade: o aproveitamento de rejeitos de alimentos e a substituição de uma embalagem sintética que seria descartada", afirma o chefe-geral da Embrapa Instrumentação, pesquisador Luiz Henrique Capparelli Mattoso, que coordenou a pesquisa, ressaltando que o trabalho de desenvolver filmes a partir de frutas tropicais é pioneiro no mundo. 
 
O material tem características físicas semelhantes aos plásticos convencionais, como resistência e textura, e tem igual capacidade de proteger alimentos. Porém, o fato de poder ser ingerido abre um imenso campo a ser explorado pela indústria de embalagens. Aves envoltas em sacos que contêm o tempero em sua composição, sachês de sopas que podem se dissolver com seu conteúdo  em água fervente e muitas outras possibilidades.
 
A diferença está na matéria-prima. O plástico comestível é feito basicamente de alimento desidratado misturado a um nanomaterial que tem a função de dar liga ao conjunto. "O maior desafio dessa pesquisa foi encontrar a formulação ideal, a receita de ingredientes e proporções para que o material tivesse as características de que precisávamos", conta o engenheiro de materiais José Manoel Marconcini, pesquisador da Embrapa que participou do trabalho.
 
Ele explica que os alimentos usados como matéria-prima passam pelo processo de liofilização. Trata-se um tipo de desidratação na qual, após o congelamento do alimento, toda a água contida nele se transforma do estado sólido diretamente ao gasoso, sem passar pela fase líquida. O resultado é um alimento completamente desidratado com a vantagem de manter suas propriedades nutritivas. Ela pode ser aplicada aos mais diferentes alimentos como frutas, verduras, legumes e até alguns tipos de temperos, o que explica a grande diversidade de matérias-primas comestíveis, o que imprime o sabor e a cor da embalagem.
 
Mattoso acredita que o plástico comestível também poderá contribuir para reduzir outro problema: o desperdício de alimentos. Além de resíduos em condições de uso que a indústria alimentícia não utiliza, há muitos vegetais que deixam de ser comercializados por não apresentar bom aspecto visual mesmo estando em condições de consumo. "Esses vegetais que iriam estragar na prateleira podem ser matéria-prima para a embalagem comestível", acredita o especialista que já vislumbra parceiros entre as empresas do ramo para que os resultados alcançados em laboratório seja desenvolvido como produto comercial. 
 
Para ele, a nova embalagem também pode receber matéria-prima de um mercado em franca expansão, o de alimentos prontos. Mattoso conta que esse é um ramo que produz muitos resíduos como cascas e pequenos pedaços. Ele dá como exemplo as chamadas cenouretes que são esculpidas em pequenos pedaços de cenoura. Para o especialista, as sobras desse processo poderiam virar matéria-prima para um plástico com a leguminosa.
 
Trabalho de 20 anos
 
O desenvolvimento do material foi fruto de um trabalho de duas décadas, quando começaram os estudos em ciência dos materiais na Embrapa Instrumentação. "No começo, a preocupação era utilizar materiais de fontes renováveis estudando alternativas aos polímeros sintéticos derivados do petróleo," lembra Mattoso. Para isso, o grupo começou a adicionar fibras naturais a plásticos sintéticos gerando compósitos com os dois tipos de matéria-prima. "As fibras naturais têm componentes como celulose e lignina, chamados de polímeros naturais, pois suas macromoléculas são semelhantes aos polímeros sintéticos", explica o pesquisador.
 
Sisal, algodão, juta, fibra de coco e bagaço de cana foram algumas fibras naturais testadas que entraram na composição desses materiais. Os compósitos resultantes apresentaram propriedades mecânicas várias vezes superiores aos plásticos sintéticos. Mattoso conta que, em ensaios de laboratório, eles se mostraram mais resistentes à tração e impactos, além de serem até três vezes mais rígidos que os polímeros 100% sintéticos.
 
Outra descoberta nessa pesquisa abriu uma oportunidade para o aproveitamento das sobras das indústrias de processamento de fibras naturais. "Para  nossa surpresa, os resíduos coletados nas indústrias de processamento, como o pó das fibras naturais, possuíam as mesmas características que a fibra inteira," diz o pesquisador. Isso significa que, para a formulação de compósitos, as sobras da indústria têm a mesma qualidade que a fibra natural inteira. Mattoso acredita que isso pode gerar um novo mercado a partir do aproveitamento de resíduos industriais do processamento do sisal, juta, coco, algodão e cana-de-açúcar.
 
A segunda etapa da pesquisa procurou elaborar um material feito totalmente de fontes renováveis, sem adição dos plásticos feitos de petróleo. Foram testados amido, polissacarídeos, derivados de celulose e proteínas para gerar novos materiais. 
 
Antes de chegar ao plástico comestível, a equipe de pesquisa ainda desenvolveu polímeros biodegradáveis. Motivados pela demanda por embalagens que fossem absorvidas pelo ambiente em curto espaço de tempo, os pesquisadores conseguiram obter plásticos de materiais naturais com essa característica. Por fim, chegou a vez dos comestíveis, o que exigiu a incorporação de padrões mais elevados de segurança e higiene no processo de fabricação. 
 
Os pesquisadores realizaram testes adicionando quitosana, polissacarídeo formador da carapaça de caranguejos. Essa molécula natural tem propriedades bactericidas o que pode aumentar o tempo de prateleira dos alimentos.
 
Goiabadas vendidas em plásticos feitos de goiaba, sushis envolvidos com filmes comestíveis no lugar das tradicionais algas, perus vendidos em sacos feitos de laranja que vão direto ao forno e geleias em formato de ursinhos só que elaboradas com frutas naturais. Essas são algumas possibilidades imaginadas pela equipe de Mattoso para as aplicações da nova tecnologia.
 
Destaques científicos
 
O meio científico tem reconhecido a importância da pesquisa. O artigo "Mamão e canela, ingredientes de filmes antimicrobianos para embalar alimentos", gerado no âmbito do projeto recebeu a distinção Artigo em destaque pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat), no mês de junho de 2014. A SBPMat escolhe mensalmente um artigo da área de materiais publicado recentemente em periódico com alto fator de impacto.
 
Outro paper do projeto intitulado "Antimicrobial and physical-mechanical properties of pectin/papaya puree/cinnamaldehyde nanoemulsion edible composite films", o qual trata do desenvolvimento do filme de mamão, está entre os mais baixados no site da revista Food Hydrocolloids.  "Esses destaques mostram que a comunidade científica também está de olho nessa área e acredita em seu potencial", avalia o pesquisador; acrescentando a importância de parcerias científicas nacionais, como com a "Universidade Estadual Paullista Júlio de Mesquita Filho" (Unesp) e internacionais, entre as quais destacou o trabalho conjunto com o Agricultural Research Service (ARS), dos Estados Unidos. Ele ressaltou também a participação dos profissionais da Embrapa Agroindústria Tropical (CE).
 

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