Embrapa Agrobiologia
Busca de Notícias
Fábricas biológicas
Plantas e animais são meios eficientes para produção de moléculas de alto valor agregado
Com a evolução da engenharia genética ao longo das três últimas décadas, muitas moléculas de alto valor agregado têm sido identificadas por cientistas ao redor do globo. Essas moléculas têm potencial de aplicação para diversos setores da economia, tais como saúde, energia, agricultura e o setor industrial.
Mas, em meio a tantas descobertas, uma pergunta incomodava os cientistas. Como produzir essas moléculas em larga escala e de forma economicamente viável? A resposta para esse questionamento está nos organismos vivos: plantas, animais e microrganismos podem ser utilizados como biofábricas ou fábricas biológicas para produção de moléculas de alto valor agregado em larga escala e com baixo custo.
Quando se fala em ciência e, principalmente, em seres vivos, tudo é muito peculiar e, na maioria das vezes, não existem generalizações. Isso significa que para cada molécula identificada é necessário estudar a melhor biofábrica para produzi-la em larga escala e com custos que tornem o processo atraente para ser acolhido pelo mercado.
Foi exatamente o que aconteceu no caso da cianovirina, uma proteína extraída da alga marinha azul-verde (Nostoc ellipsosporum) com capacidade natural de se ligar a açúcares impedindo a multiplicação do vírus HIV no corpo humano. Os efeitos positivos da cianovirina contra a Aids já estavam comprovados desde 2008 a partir de testes realizados com macacas pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês). Entretanto, faltava encontrar um meio viável de produzir a proteína em larga escala.
Depois de testes com bactérias, leveduras e plantas de tabaco, a equipe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, coordenada pelo pesquisador Elíbio Rech, conseguiu comprovar que sementes de soja geneticamente modificadas constituem uma biofábrica eficiente e viável para a produção em larga escala da cianovirina.
Segundo ele, os estudos vêm sendo feitos com a soja em razão do grande conhecimento que a comunidade científica já tem sobre a espécie, mas as pesquisas podem ser feitas com outras espécies vegetais. "As plantas, de um modo geral, agem como incubadoras de moléculas que futuramente serão biofábricas de fármacos." Ainda de acordo com Rech, a vantagem do uso da soja transgênica na produção de fármacos é, principalmente, econômica. "Essa economia, em comparação com os experimentos feitos em animais, é 40 vezes maior. Além disso, a Embrapa tem patentes para modificação genética da soja em níveis mundiais, o que permite aos cientistas uma liberdade maior para manipular a cultura".
Resultado inédito
O resultado inédito, que contou com a parceria do Instituto norte-americano e da Universidade de Londres, foi publicado na seção Editors choice da revista norte-americana Science (veja em navegue no final desta matéria). Essa revista científica, publicada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, sigla em inglês), é uma das mais prestigiadas de sua categoria, com tiragem semanal de 130 mil exemplares, além das consultas online, o que eleva o número estimado de leitores a um milhão em todo o mundo.
A pesquisa começou a ser desenvolvida em 2005 e se baseia na introdução da cianovirina em sementes de soja geneticamente modificadas para produção em larga escala.
Rech, um dos autores do artigo, conta que foram realizados testes com outras biofábricas, como plantas de tabaco (N. tabacum e N. benthamiana), bactéria (E. coli) e levedura (S. cerevisiae). Entretanto, a única biofábrica que mostrou ser uma opção viável para a produção de cianovirina foi a semente de soja transgênica porque permite que a proteína seja largamente escalonada até a quantidade adequada. Aliado a esse fato, está o benefício do baixo custo do investimento requerido na produção da matéria-prima para extração da molécula.
Para se ter uma ideia do bom potencial da soja como biofábrica, ou fábrica biológica, para produção da cianovirina, no resumo do artigo publicado na Science, os cientistas responsáveis pelo artigo afirmam que "grosso modo, se a soja GM for plantada em uma estufa menor do que um campo de beisebol (97,54 metros), é possível fornecer cianovirina suficiente para proteger uma mulher 365 dias por ano durante 90 anos".
O próximo passo é a produção de sementes de soja em larga escala para isolar a cianovirina e iniciar a fase de estudos pós-clínicos. Rech faz questão de ressaltar que as sementes geneticamente modificadas não serão plantadas no campo. Elas serão cultivadas em condições controladas de contenção dentro de casas de vegetação ou estufas.
Durante as próximas fases de desenvolvimento, os cientistas contarão também com a colaboração de cientistas do Conselho de Pesquisa Científica e Industrial da África do Sul (CSIR, sigla em inglês).
Acesso livre à tecnologia
Além de inovadora, a pesquisa tem um forte componente humanitário e, por isso, países em desenvolvimento com altos índices de infestação da Aids, como alguns da África, por exemplo, terão licença de produção e uso interno, livre do pagamento de royalties. O continente continua sendo o mais afetado pela doença, com 1,1 milhão de mortos em 2013, 1,5 milhão de novas infecções e 24,7 milhões de africanos contaminados. África do Sul e Nigéria encabeçam a lista dos países mais afetados. Na América Latina, com 1,6 milhão de soropositivos em 2014 (60% deles, homens), o país mais preocupante é o Brasil, onde o índice de novos infectados pelo vírus subiu 11% entre 2005 e 2013, tendência contrária aos números globais, que apresentaram queda no mesmo período. Na Ásia, os países que apresentam maior contaminação são Índia e Indonésia, onde as infecções aumentaram 48% desde 2005.
Produção de medicamentos
Os biofármacos, ou medicamentos biológicos, como também são chamados, são obtidos por fontes ou processos biológicos, a partir do emprego industrial de microrganismos ou células modificadas geneticamente. |
A utilização de plantas, animais e microrganismos geneticamente modificados para produção de medicamentos faz parte de uma plataforma tecnológica com a qual Elíbio Rech vem trabalhando desde a década de 1990. E os estudos, coordenados pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e que envolvem outras Unidades de pesquisa da Empresa, instituições de pesquisa e universidades do Brasil e do exterior para produção de biofármacos, avançam.
Além da cianovirina, a equipe coordenada por Rech trabalha também com antígenos como o NY-ES01 e o Hormad1, importantes no diagnóstico de câncer, e com hormônio de crescimento, entre outras. As pesquisas em estágio mais avançado consistem no desenvolvimento de plantas transgênicas de soja com anticorpo contra o câncer de mama e de plantas e animais transgênicos contendo uma proteína denominada fator IX para beneficiar hemofílicos.
"As biofábricas ou fábricas biológicas, justamente por serem capazes de expressar moléculas de alto valor agregado com custos baixos, são opções viáveis para produção de insumos, como medicamentos e fibras de interesse da indústria, entre outros", afirma o pesquisador.
Hoje, diversas substâncias, como a insulina, são sintetizadas por processos tradicionais, que usam as bactérias ou células animais modificadas em cultura. Mas Rech ressalta que o processo apresenta limitações, como o tamanho máximo e a quantidade restrita das moléculas produzidas. A intenção do grupo da Embrapa é desenvolver, a partir de plantas já domesticadas, uma plataforma tecnológica diversificada para fabricar uma variedade maior de moléculas de interesse industrial e farmacêutico, com baixo custo, maior eficiência e de forma sustentável.
O processo funciona da seguinte maneira: as células vegetais são geneticamente alteradas para receber os genes específicos e passam a atuar como biorreatores para produção da substância de interesse. O processo de transformação da planta começa com a introdução do gene por um meio líquido, dentro da semente. Depois de germinada, é feita a avaliação e seleção das plantas que estão produzindo a substância de acordo com o que foi proposto pela pesquisa.
"As sementes são transgênicos estáveis, se perpetuam em gerações, e têm a vantagem de serem fáceis de estocar e de conterem milhões de células para servir de biofábricas", avalia Rech. "Já as folhas são temporárias: produzem proteínas durante um período de até sete dias."
Na Unidade de pesquisa, as plantas são cultivadas em casas de vegetação ou estufas, nas quais as temperaturas são rigidamente controladas, há abundância de água e luz e sistemas de segurança que permitem apenas a entrada de pessoas autorizadas. São variedades de tabaco e soja transgênica com anticorpos anticâncer, hormônios do crescimento e moléculas anti-HIV inseridos em seu DNA.
"Essas plantas não são medicinais nem podem ser consumidas com fins terapêuticos, elas agem como incubadoras para a produção das moléculas", explica o cientista. E complementa: "As plantas são utilizadas somente para produzir determinado medicamento. A molécula é inserida e, como ela se multiplica por sementes ou por propagação vegetativa, é obtida uma quantidade significativa, que em seguida é purificada. As plantas não vão para a cadeia alimentar em hipótese alguma."
Rech destaca que a intenção agora é levar as pesquisas para fora do laboratório – e para isso a parceria com o setor privado é fundamental. "Mostramos que o conceito funciona, mas precisamos aliar o trabalho dos biólogos moleculares com o dos engenheiros, atrair a iniciativa privada para escalonar o processo e levá-lo adiante, transformar recurso tecnológico em inovação de fato, o que não é simples no Brasil", pontua. "Essa é uma demanda da sociedade, uma área potencialmente lucrativa que pode atrair o interesse das empresas para aplicar, na prática, nossos resultados."
Indústria farmacêutica
O Brasil é o quinto consumidor mundial de medicamentos e os brasileiros gastam nada mais nada menos do que dez bilhões de dólares por ano em remédios. Número bastante alto em relação à indústria mundial, que movimenta cerca de 350 bilhões de dólares anualmente. A biotecnologia surge como importante aliada nesse cenário. A utilização de plantas e animais geneticamente modificados como biofábricas para produção de medicamentos seguros é uma luz para que eles se tornem mais acessíveis à população.
O faturamento da biotecnologia na indústria farmacêutica mundial cresceu muito nas últimas décadas e hoje alcança aproximadamente dez bilhões de dólares por ano. Os produtos biotecnológicos estão em franco desenvolvimento e hoje alcançam dez por cento dos novos produtos atualmente no mercado. Rech acredita que o cenário brasileiro daqui a dez anos será totalmente influenciado pela biogenética.
A expectativa da Embrapa ao investir em pesquisas com biofármacos, como explica Rech, é fazer com que esses medicamentos cheguem ao mercado farmacêutico com menor custo, já que são produzidos diretamente em plantas, bactérias ou no leite dos animais. Existem evidências de que a utilização de biofábricas pode reduzir os custos de produção de proteínas recombinantes em até 50 vezes.
O pesquisador explica que as plantas produzem proteínas geneticamente modificadas, idênticas às originais, com pouco investimento de capital, resultando em produtos seguros para o consumidor. Além disso, representam um meio mais barato para a produção de medicamentos em larga escala, pois como não estão sujeitas à contaminação, evitam gastos com purificação de organismos que são potenciais causadores de doenças em humanos. Sem falar na facilidade de estocagem e transporte.
Prevenção do câncer de mama
O câncer de mama é um dos males que mais aflige a população feminina em todo o mundo. A cada ano, 182 mil mulheres são diagnosticadas com câncer de mama e, dessas, 43 mil morrem. Apesar de ser uma enfermidade com grandes chances de cura, quando detectada no início, ainda é a pior ameaça para as mulheres brasileiras, pois é o tumor maligno feminino de maior incidência e mortalidade no País. Nos últimos 20 anos, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), a mortalidade por câncer de mama cresceu cerca de 60%. A taxa de incidência desse câncer no Brasil foi estimada em 40,7 casos para cada 100 mil mulheres e a de mortalidade em 10,3 para o mesmo número de mulheres.
A engenharia genética pode ser um caminho promissor para a prevenção e a cura dessa enfermidade e, por isso, a Embrapa, a Universidade de Campinas (Unicamp); e a Universidade de Brasília (UnB) se uniram para desenvolver variedades de soja transgênica com anticorpos contra o câncer de mama. Essas variedades serão utilizadas para a produção de fármacos que atuarão na prevenção e diagnóstico da doença e terão também potencial terapêutico, mesmo com o câncer em estágio avançado.
Fator IX
A pesquisa que visa desenvolver plantas e animais transgênicos capazes de produzir o fator IX, uma proteína responsável pela coagulação do sangue, é uma parceria entre a Embrapa, a Universidade de Brasília (UnB), a Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) e o Hospital de Apoio de Brasília. Os hemofílicos não produzem essa proteína e, por isso, quando se machucam, têm velocidade de coagulação muito mais lenta e são muito mais suscetíveis a hemorragias.
A pesquisa também está sendo desenvolvida sob a coordenação do pesquisador Elíbio Rech e tem como objetivo utilizar plantas de soja e animais como biofábricas para produção do fator IX em larga escala e custo mais reduzido. Atualmente, os hemofílicos controlam a ausência do fator IX com medicamentos.
Vantagens das biofábricas
- Produzem proteínas geneticamente modificadas, idênticas às originais, com pouco investimento de capital, resultando em produtos seguros para o consumidor;
- Facilidade de estocagem e transporte;
- Medicamentos mais baratos e produção em larga escala;
- Auxiliam no estudo de funções de moléculas vindas da biodiversidade brasileira;
- Maior agregação de valor aos produtos agropecuários;
- Favorecem a união entre o agronegócio e o setor farmacêutico.
Biotecnologia e biodiversidade
Além de se constituir em um importante instrumento para a produção de fármacos, a tecnologia de biofábricas pode contribuir também para o estudo de funções de moléculas oriundas da biodiversidade brasileira.
A Embrapa desenvolve um trabalho sistemático de coleta de genes da biodiversidade brasileira e muitos desses genes possuem bom potencial de utilização nas áreas de agricultura e saúde, por exemplo, por suas propriedades medicinais, entre outras. A tecnologia permitirá descobrir as funções desses genes com maior rapidez e eficiência.
As biofábricas para produção de fármacos valorizam ainda mais o agronegócio brasileiro, já que permitem a agregação de valor a plantas, animais e microrganismos.
Cientistas reproduzem molécula antiaids em arroz
Na mesma linha da pesquisa relacionada à cianovirina, os pesquisadores Teresa Capell e Paul Christou da Universidade de Lleida, na Espanha, obtiveram um meio viável para produzir o anticorpo 2G12, proteína que neutraliza o vírus da Aids. Eles desenvolveram um arroz transgênico que contém a molécula anti-HIV em seu DNA e, desse modo, a reproduz em larga escala e de maneira economicamente viável. Isso faz desse arroz uma possível biofábrica da molécula e já despertou interesse da indústria farmacêutica.
O trabalho de pesquisa foi divulgado em abril na revista Plant Biotechnology Journal . "Trata-se da mais importante publicação científica da área de Biologia após as revistas Science e Nature," afirma o pesquisador Elíbio Rech, que participou da pesquisa.
De acordo com Rech, os trabalhos foram coordenados pelos pesquisadores da Universidade espanhola, e a participação brasileira consistiu na análise do arroz modificado e na mensuração da quantidade da proteína 2G12 presente nele. "É sinal da qualidade da pesquisa brasileira, uma vez que os resultados do trabalho foram analisados somente pela equipe da Embrapa", orgulha-se Rech. Esses trabalhos analíticos foram realizados por meio de métodos de espectrometria de massa executados pelo pesquisador André Melro Murad, da mesma Unidade da Embrapa.
"Utilizamos espectrômetros de massa de última geração para avaliar a composição do arroz," conta Murad. Além da quantidade da molécula, ele também avaliou a estrutura proteica do arroz geneticamente modificado em comparação ao arroz convencional. O pesquisador da Embrapa encontrou teores do anticorpo 2G12 entre 1,8% e 2,4%. Elíbio Rech explica que são valores positivos. "Acima de 1% podemos considerar a potencial viabilidade econômica da produção dessa molécula," diz.
O método
Para utilizar o arroz como biofábrica da proteína, os pesquisadores utilizaram como vetor a bactéria patogênica Agrobacterium tumefaciens. Nesse método, a bactéria é trabalhada geneticamente, dela é extraído um gene nocivo e em seu lugar é colocada a molécula que se deseja reproduzir. Depois de multiplicada em laboratório, a bactéria é cultivada em conjunto com os tecidos da planta. Durante o processo, a bactéria insere seu DNA na planta, com a molécula desejada. A partir desse tecido, são geradas novas plantas que irão conter a molécula.
A equipe liderada por Rech, ao reproduzir a proteína cianovirina, também usada no combate à Aids, utilizou outro método para introduzir a molécula no DNA da planta, chamado biobalística. O processo consiste na utilização de microprojéteis de ouro ou tungstênio acelerados a altas velocidades − superiores a 1.500 km/h − para introduzir, via bombardeamento, o DNA de interesse em células e tecidos in vivo.
Navegue
Para saber sobre Biofábricas, acesse:
http://bit.ly/biofabricas1
http://bit.ly/biofabricas2
Fernanda Diniz
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
Irene Santana
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
Fabio Reynol
Secretaria de Comunicação da Embrapa - Secom
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/