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05/03/21 |   Agricultura familiar  Agroecologia e produção orgânica

Campos de multiplicação de sementes: a experiência do Projeto Agrobiodiversidade no Semiárido

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Foto: Ilustração Priscila Helena Machado

Ilustração Priscila Helena Machado - Publicação da Embrapa reforça protagonismo das comunidades

Publicação da Embrapa reforça protagonismo das comunidades

*Texto publicado originalmente por Gabriel Fernandes no portal da AS-PTA - Agricultura Familiar e Agroecologia

Os campos comunitários de multiplicação de sementes vêm ganhando força no semiárido brasileiro. A proposta favorece o resgate de variedades locais e promove espaços dedicados a ampliar o conhecimento sobre as sementes crioulas. Campos de sementes são também implantados em outras regiões e têm potencial para fortalecer a luta em defesa das sementes em todo o país.

No final de 2020, a Embrapa Tabuleiros Costeiros divulgou uma publicação em que apresenta passo a passo a metodologia para implantação de campos de multiplicação de sementes. A informação é baseada na experiência do Projeto Agrobiodiversidade no Semiárido (InovaSocial), executado em parceria com organizações sociais ligadas à Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA.

Intitulada “Manejo comunitário da agrobiodiversidade: produção agroecológica de sementes de variedades crioulas por agricultores familiares”, a publicação destaca que o avanço de experiências comunitárias de produção coletiva de sementes de variedades crioulas vem favorecendo sua comercialização pelas próprias comunidades. Assinam a publicação os pesquisadores da Embrapa Fernando Curado, Amaury Santos e Paola Bianchini, além das assessoras técnicas do projeto, Ana Cláudia Silva e Rita Fagundes.

Apresentamos a seguir um resumo dos temas abordados na publicação sobre (i) sementes crioulas nas políticas públicas; (ii) contaminação por transgênicos; (iii) o passo a passo da implantação dos campos de sementes e (iv) o consentimento prévio e informado das comunidades.

Semente crioulas nas políticas públicas
Os programas de compras públicas da agricultura familiar são uma forma de comercializar e ampliar a circulação de sementes crioulas. Desde seu início, em 2003, o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA adquiriu sementes dos agricultores e agricultoras. Além de representar mais uma opção de renda, a comercialização de sementes evidencia também o reconhecimento do papel das famílias na conservação e multiplicação de variedades localmente adaptadas. Em 2012, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica ampliou as possibilidades de comercialização, eliminando as restrições até então impostas pelo decreto que regulamentou a lei de sementes, que restringia a distribuição das sementes crioulas aos agricultores associados de uma mesma organização. Atualmente, é permitida a distribuição, troca e comercialização das sementes, inclusive entre agricultores e agricultoras de diferentes estados. Importante lembrar que a mesma lei de sementes assegura que as variedades crioulas não podem ser excluídas dos programas públicos para a agricultura familiar.

Na continuidade desse processo, foi regulamentada, em 2014, a modalidade “aquisição de sementes” no PAA, estabelecendo que até 5% do orçamento do Programa deveriam ser destinados à compra de sementes, aí incluídas as variedades crioulas e excluídas as transgênicas.

Com a crescente redução do orçamento do PAA, sobretudo a partir de 2016, muitos governos estaduais, sempre impulsionados pelas organizações locais, passaram a chamar para si a iniciativa de promover a produção e uso das sementes crioulas. É o caso, por exemplo, dos estados de Alagoas, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe e Piauí. No Espírito Santo e Pernambuco, estão em debate leis estaduais, enquanto que na Paraíba já vigora uma lei anterior de apoio aos Bancos de Sementes Comunitários, que, no entanto, não tem sido apoiada pelos últimos governos.

A publicação da Embrapa lembra acertadamente que nem todas as ações públicas no campo das sementes favorecem as variedades crioulas. Há casos em que o dinheiro público é usado para comprar grandes quantidades de poucas variedades de sementes, não necessariamente adaptadas aos locais onde serão distribuídas. Há também o caso de estados da região sul, em que programas chamados de “troca-troca” estimulam os agricultores e agricultoras a trocarem suas sementes próprias pelas transgênicas. No caso do milho, a publicação destaca que a ocorrência de secas, somada ao avanço de variedades híbridas e transgênicas, pode ocasionar erosão genética da espécie.

A contaminação pelos transgênicos
A preocupação com os transgênicos se justifica pela crescente ocorrência de casos de contaminação de variedades locais. Na safra 2018/19, no âmbito do Programa Sementes do Semiárido, coordenado pela ASA, foram realizados 588 testes de transgenia junto a Casas e Bancos Comunitários de Sementes nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Foi então identificada contaminação transgênica em 29% das amostras de milho crioulo testadas. Esse percentual pode ser considerado elevado, ainda mais considerando-se que as amostras foram coletadas junto a guardiãs e guardiões de sementes crioulas, que há tempos dispensam cuidado especial à preservação de suas variedades.

As sementes dos lotes contaminados não poderão ser mais plantadas. Nesses casos, os agricultores e agricultoras devem recorrer às Casas e Bancos de Sementes ou a outros agricultores/as para repor suas variedades. Esse é mais um custo social embutido no modelo transgênico, que deve ser assumido por aqueles que não querem plantar essas sementes.

O passo a passo dos campos de sementes
O projeto Agrobiodiversidade no Semiárido apoia-se na experiência de mais de 20 anos da ASA na mobilização de comunidades rurais para a construção de cisternas de captação e armazenamento de água da chuva para o consumo doméstico e a   produção agrícola. A presença dessas estruturas nas propriedades permite irrigar os campos de multiplicação de sementes fora da época do plantio. Dessa forma, é diminuída a chance de contaminação cruzada do milho.

A implantação dos campos tem início com o chamado “pré-campo”, que é uma etapa de sensibilização da comunidade para a atividade e para discutir temas ligados à conservação das sementes, tais como autonomia produtiva, direitos dos agricultores e agricultoras, políticas públicas, riscos dos transgênicos e importância de parcerias para a gestão compartilhada das sementes. Nos encontros de sensibilização também são definidas orientações sobre o local de instalação e tamanho do campo, as variedades a serem multiplicadas, o espaçamento e tratos culturais a serem adotados. A publicação mostra que essa etapa é também orientada para mapear e caracterizar as variedades existentes nas comunidades. Para tanto, os agricultores e agricultoras são convidados a apresentarem nos encontros amostras das sementes que cultivam e conservam. São também definidos as formas de organização e os indicadores para o acompanhamento e avaliação dos campos. Finalmente, é discutido como será feita a repartição das sementes colhidas, por exemplo, reforçando os estoques de Bancos e Casas de Sementes.

Na fase de pré-campo são também realizados os testes de germinação e, no caso do milho, os testes de transgenia. Um critério importante para a escolha das variedades a serem multiplicadas é priorizar variedades mais raras, aquelas com menor estoque nos Banco e Casas de Sementes ou as que os agricultores e agricultoras entendem como mais ameaçadas.

Uma vez definidos os acordos iniciais, a etapa seguinte é a da implantação do campo. Tanto esse momento, como as etapas de capina da área e marcação das melhores plantas devem ser executados com o envolvimento de todo o grupo.

Duas avaliações principais são feitas ao longo do ciclo da cultura: no caso do milho, a primeira ocorre quando a planta está no ponto de pamonha e a segunda já no ponto de colheita. É importante a participação coletiva nos dois momentos, pois são avaliações complementares. Com as plantas ainda verdes, é possível avaliar a incidência de doenças e pragas e, com a planta já seca, o foco da avaliação recai sobre a qualidade da espiga. A seleção massal considera a avaliação da planta e da espiga (vagens, frutos etc.). Nas etapas seguintes, também de participação coletiva, é feita a avaliação geral dos resultados e também executadas a secagem, a classificação e o armazenamento das sementes já selecionadas e beneficiadas.

Consentimento das comunidades
Visando à proteção dos direitos dos agricultores e agricultoras às suas sementes (em especial o conhecimento acumulado e em desenvolvimento sobre elas), os autores da publicação assinalam que é importante que os guardiões e as guardiãs das sementes que serão utilizadas nos campos estejam cientes e autorizem previamente a realização das ações de pesquisa. Essa medida visa a assegurar que o projeto será realizado em conformidade com os usos, costumes e tradições ou protocolos comunitários.

Nas palavras dos autores, “Deve-se ressaltar, no entanto, que não se trata apenas do cumprimento de uma formalidade, pois o componente mais importante de todo o processo é a dimensão ética, o esclarecimento sobre todas as ações que serão efetivadas em determinada pesquisa, a forma como o conhecimento tradicional será utilizado e, principalmente, o reconhecimento de quem é o provedor deste conhecimento, sempre de acordo com seus usos, costumes e tradições do local/território”.

Os campos comunitários de multiplicação de sementes são um espaço de integração de conhecimentos acadêmicos e conhecimentos dos agricultores e agricultoras, de compreensão de suas práticas e de aprimoramento dos processos de multiplicação das variedades crioulas, visando ao manejo e à conservação da agrobiodiversidade e à produção continuada de sementes livres e adaptadas às realidades locais.

Saulo Coelho (MTb/SE 1065)
Embrapa Tabuleiros Costeiros

Contatos para a imprensa

Telefone: (79) 4009-1381

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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