22/08/17 |   Segurança alimentar, nutrição e saúde

Sorgo é capaz de contribuir para o controle glicêmico

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Foto: Sandra Brito

Sandra Brito -

A inclusão de sorgo na dieta pode contribuir para a manutenção do índice glicêmico. Foi o que revelou pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Viçosa (UFV) em parceria com a Embrapa Milho e Sorgo (MG). Os resultados foram divulgados no artigo “Consumption of a drink containing extruded sorghum reduces glycemic response of the subsequent meal” publicado no European Journal of Nutrition. “O controle glicêmico é essencial para prevenir a manifestação de diabetes em indivíduos predispostos e o desenvolvimento de outras complicações associadas à doença”, esclarece a nutricionista Pamella Cristine Anunciação, que  estudou o assunto durante  seu doutorado.

O trabalho avaliou o efeito do consumo de uma bebida contendo sorgo extrusado na glicemia pós-prandial de uma segunda refeição, em indivíduos que possuem peso adequado para sua estatura (eutróficos) e que têm uma taxa de glicose e insulina normais (normoglicêmicos). Resultados evidenciaram que a inclusão de sorgo na dieta pode manter a glicemia mais constante, o que revela potencial do cereal para ser empregado no tratamento nutricional de pacientes com diabetes ou pré-diabetes.

O estudo foi conduzido no Laboratório de Análise de Vitaminas da UFV, em Minas Gerais, e coordenado pela professora Helena Maria Pinheiro-Sant’Ana. Todos os trabalhos foram feitos em parceria com os pesquisadores Valéria Vieira Queiroz e Cícero Bezerra de Menezes, da Embrapa Milho e Sorgo e Carlos Wanderlei Piler de Carvalho, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ). O artigo também é assinado pelos nutricionistas Leandro de Morais Cardoso, do campus de Governador Valadares da  Universidade  Federal de Juiz de Fora (UFJF), e Rita de Cássia Gonçalves Alfenas, da UFV.

Segundo Pamella Anunciação, alguns estudos em animais já apontavam que o consumo crônico de extratos dos compostos fenólicos do sorgo melhoravam o metabolismo da glicose. “Diante disso, o objetivo dessa pesquisa foi avaliar o efeito do consumo de bebidas contendo sorgo extrusado, e o perfil de compostos bioativos, na glicemia pós-prandial de uma segunda refeição, em indivíduos eutróficos e normoglicêmicos”, disse, explicando que o sorgo foi oferecido na forma de bebida, por causa da facilidade de consumo.

De acordo com a pesquisadora Valéria Queiroz, a bebida que apresentou melhor resultado foi desenvolvida a partir de grãos de sorgo do genótipo SC319, selecionado pela Embrapa Milho e Sorgo entre outros 100 genótipos avaliados, como tendo maiores teores de compostos fenólicos (especialmente taninos e 3-desoxiantocianidinas), fibras e amido resistente.

Segundo Pamella, esses compostos atuam reduzindo a resposta glicêmica. “As fibras dietéticas chegam intactas ao intestino, e, assim, o esvaziamento gástrico é mais lento, diminuindo a taxa de digestão e absorção dos carboitrados”, detalha. Ela ressalta que os compostos fenólicos do sorgo podem contribuir para o controle glicêmico, porque modulam a absorção dos carboidratos. “Os taninos do sorgo podem reduzir a atividade da enzima α-amilase, que digere o amido. Assim, a taxa de digestão e absorção desse carboidrato, que é o principal constituinte das bebidas contendo sorgo, pode ter sido reduzida, resultando em menor resposta glicêmica. Além disso, os taninos podem interagir com o amido, formando o amido resistente, que não é digerido. Consequentemente, há uma redução na resposta glicêmica pós-prandial”, explica.

Tudo isso é possível porque o sorgo integral é um cereal rico em fibras e a “variedade” utilizada continha também altos teores de amido resistente, composto que é lentamente digerido pelo organismo. “Isso permite uma absorção de glicose mais lenta, evitando, assim, picos na glicemia”, explica Pamella Anunciação.

Além disso, pesquisas já comprovaram que o consumo de refeições com baixo índice glicêmico e rico em fibras não só diminui a glicemia, mas também melhora a glicose e a insulina após a refeição subsequente. Pamella Anunciação explica que o índice glicêmico é um parâmetro utilizado para classificar os alimentos contendo carboidratos de acordo com a resposta glicêmica que eles promovem em relação à resposta observada após o consumo de um alimento de referência (glicose). Os alimentos que são rapidamente digeridos e provocam maior aumento na resposta glicêmica apresentam alto índice glicêmico, enquanto aqueles que estão associados a uma menor resposta glicêmica revelam valores menores de índice glicêmico.

“Neste caso, o sorgo pode contribuir, pois os produtos à base de sorgo integral possuem índice glicêmico mais baixo e apresentam potencial anti-diabetes, por causa da ação sinérgica de seus nutrientes (como cálcio, magnésio, zinco e amido resistente) e compostos bioativos, especialmente  compostos fenólicos e  fibras alimentares. Esse efeito pode variar, dependendo do perfil de nutrientes dos grãos de sorgo, da forma de preparo e das condições de processamento”, afirma  Pamella Anunciação.

Resultados

Bebidas contendo sorgo, especialmente a que continha o genótipo SC319, resultaram em menor glicemia pós-prandial nas duas horas após o consumo de uma solução glicosada (a refeição subsequente), reduzindo os picos da glicemia.

“Portanto, os taninos, as 3-desoxiantocianidinas, as fibras e o amido resistente, que são os compostos presentes em maiores concentrações nesse genótipo SC319, favoreceram essa menor resposta glicêmica”, diz Pamella Anunciação, explicando que as bebidas foram consumidas 30 minutos antes de avaliar a resposta à solução glicosada, para garantir que a resposta observada refletisse a produção e a liberação de insulina estimulada pelo sorgo.

Pamella Anunciação considera que a manutenção da glicemia próxima aos níveis normais é o principal objetivo da intervenção nutricional em pacientes com diabetes ou pré-diabetes. “Os picos de glicemia elevada podem contribuir para o desenvolvimento das complicações associadas ao diabetes, especialmente as doenças cardiovasculares. Nesse contexto, a adição de sorgo integral à dieta é uma alternativa viável para o controle de glicemia nesses pacientes. Portanto, o efeito do sorgo observado na resposta glicêmica é de relevância clínica, especialmente para aquelas pessoas que apresentam diabetes do tipo 2. Nesses pacientes, a síntese de insulina está reduzida e é preciso algum estímulo para aumentar a secreção desse hormônio. O consumo de sorgo pode, então, levar a uma melhor resposta glicêmica nesses pacientes”, conclui a nutricionista.

Porém, ela ressalta que, mesmo com tais resultados, são necessárias mais pesquisas. “Neste estudo,  o efeito sinergético dos compostos bioativos do sorgo contribuíram para uma menor resposta glicêmica. Mas é preciso, ainda, avaliar quais  compostos bioativos do sorgo são mais efetivos no controle da glicemia, e também sugerimos que sejam realizados estudos que avaliem a resposta insulêmica pós-prandial”, orienta.

 

Sorgo para alimentação humana

A pesquisadora e nutricionista Valéria Vieira Queiroz, da Embrapa Milho e Sorgo, ressalta que as pesquisas com o sorgo para a alimentação humana, aqui no Brasil, foram iniciadas há quase uma década, quando se vislumbrou o grande potencial que esse cereal possui e que não estava sendo explorado. “O sorgo não contém glúten e, por isso, é totalmente seguro para o desenvolvimento de produtos para indivíduos celíacos e  com alguma intolerância ao glúten. Possui sabor suave e apresenta menor custo de produção comparado a outros cereais, fatores relevantes para a indústria alimentícia. Além dessas vantagens, o sorgo apresenta uma variedade de compostos bioativos com elevada capacidade antioxidante, com potencial para utilização em produtos com apelo funcional, ou seja, de promoção da saúde”, afirma a pesquisadora.

A Embrapa Milho e Sorgo vem trabalhando nessa linha de pesquisa por meio de três projetos principais, financiados pela Embrapa, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os quais são desenvolvidos em parceria com a Embrapa Agroindústria de Alimentos e com as Universidades Federais de Viçosa (UFV), de Minas Gerais (UFMG), de São João Del Rei (UFSJ/SL), de São Paulo (Unifesp), além da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo Vieira Queiroz, os principais objetivos desses projetos são:

  1. avaliar uma diversidade de genótipos (variedades) de sorgo e identificar aqueles que são fonte de nutrientes e de compostos bioativos;
  2. desenvolver, via melhoramento genético, cultivares de sorgo adequadas à alimentação humana;
  3. avaliar a estabilidade desses compostos em diferentes ambientes, no armazenamento e no processamento;
  4. avaliar o efeito desses compostos sobre parâmetros relacionados à saúde humana, com testes in vitro e in vivo, em cobaias e em humanos;
  5. desenvolver e avaliar, em termos sensoriais e nutricionais, novos processos e produtos sem glúten à base de sorgo;
  6. promover e divulgar o potencial do sorgo para uso na alimentação humana.

Valéria relata que, na primeira fase do projeto, foram avaliados mais de 100 genótipos diferentes de sorgo quanto aos teores de nutrientes (proteínas, fibras, lipídios, carboidratos, minerais, vitaminas) e compostos bioativos (fenólicos totais, antocianinas, carotenoides, taninos, amido resistente) e atividade antioxidante. Fontes desses compostos foram identificadas e os genótipos promissores foram multiplicados e enviados para as universidades parceiras para avaliação dos seus efeitos funcionais.

“Após os resultados desses estudos, os melhoristas de sorgo da Embrapa Milho e Sorgo iniciaram  trabalhos com esses genótipos superiores visando ao desenvolvimento de cultivares próprias para alimentação humana, ou seja, mais nutritivas e com altos teores de biocompostos que possam contribuir na promoção da saúde. Dando continuidade ao trabalho, atualmente, estamos avaliando cerca de outros 300 materiais”, afirma Valéria Vieira.

Estudos com ratos, realizados em parceria com a UFV e com a Unicamp, também vêm demonstrando os efeitos positivos do consumo de sorgo em parâmetros relacionados à nutrição e à saúde.

Durante a vigência desses projetos, já foram desenvolvidos, também, diversos produtos de sorgo, isentos de glúten, como barra de cereais, pães, massas alimentícias, bolos, biscoitos, doces, salgados, bebidas, dieta por sonda artesanal e produtos extrusados (cereais matinais e farinha solúvel).

 “Todos esses produtos foram testados e aceitos sensorialmente, alguns deles com escores de aceitação bastante elevados, o que evidencia o grande potencial desse cereal, especialmente na produção de alimentos sem glúten, haja vista a escassez de produtos com boa qualidade sensorial e nutricional nesse mercado. Os resultados dos estudos têm mostrado que todos os produtos preparados com sorgo integral apresentaram teores significativamente superiores em nutrientes e em compostos bioativos comparados às versões tradicionais, preparadas com as farinhas/féculas sem glúten até então disponíveis no mercado (farinha de arroz, féculas de mandioca e de batata, amido de milho).

“Assim, o sorgo integral vem despontando como alternativa altamente viável e segura para suprir a demanda ascendente da indústria alimentícia por produtos sem glúten que sejam saudáveis, nutritivos e saborosos podendo contribuir para melhoria da qualidade de vida especialmente de indivíduos com algum grau de intolerância ao glúten”, ressalta Valéria. “Hoje já podemos contar com mais de cinco marcas diferentes de grãos, farinhas e produtos sem glúten à base de sorgo no mercado brasileiro, com uma tendência real de crescimento nos próximos anos, o que poderá impactar na redução dos custos desses produtos, contribuindo sobremaneira na segurança alimentar e nutricional, especialmente do público celíaco de baixa renda”, diz Valéria Vieira.

Sandra Brito (MTb 06230/MG)
Embrapa Milho e Sorgo

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