Sequenciamento do DNA dos parentes silvestres do amendoim revela um caso de "arqueologia viva" da pré-história agrícola da América do Sul
Sequenciamento do DNA dos parentes silvestres do amendoim revela um caso de "arqueologia viva" da pré-história agrícola da América do Sul
Foto: David Bertioli
À esquerda: sementes de Arachis ipaensis (genoma "B") e à direita: sementes de Arachis duranensis (genoma "A")
Essa similaridade, sem precedentes na ciência mundial, é tema de artigo da revista Nature Genetics publicada em 22 de fevereiro de 2016.
Cientistas do Brasil e de outros seis países - EUA, China, Índia, Austrália, Japão e Israel – descobriram que as sequências de DNA de uma planta silvestre de amendoim coletada na Bolívia, que é praticamente uma relíquia viva da agricultura pré-histórica da América do Sul, são praticamente idênticas às do amendoim cultivado hoje no continente. A similaridade de 99.96%, sem precedentes na ciência mundial, é tema de artigo publicado na edição online da revista Nature Genetics no dia 22 de fevereiro. Entre os autores brasileiros, estão quatro pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia - Soraya Bertioli, Marcio Moretzshohn, Patrícia Messenberg e Ana Cláudia Guerra – e dois da Universidade de Brasília (UnB), o professor David Bertioli e sua aluna de doutorado Bruna Vidigal.
O artigo, intitulado The genome sequences of Arachis duranensis and Arachis ipaensis, the diploid ancestors of cultivated peanut, descreve o sequenciamento dos parentes silvestres do amendoim cultivado e o seu processo de domesticação. Trata-se da primeira publicação oficial do consórcio internacional denominado International Peanut Genome Initiative (Iniciativa Internacional do Genoma de Amendoim), que sequenciou o genoma dos ancestrais do amendoim. As sequências de DNA produzidas foram disponibilizadas para a comunidade científica mundial em 2014 e sua utilização possibilitará avanços no desenvolvimento de variedades de amendoim mais produtivas e resistentes.
Arqueologia genética
Segundo os autores, participar desse estudo foi como "viver a arqueologia genética", no sentido de que a comparação entre as sequências do genoma do amendoim permite saber como, onde e quando as espécies parentais se uniram para criar a espécie de amendoim que é cultivada por agricultores nos dias de hoje. O artigo descreve a trajetória de uma espécie de amendoim silvestre que foi transportada – muito provavelmente pelos primeiros agricultores da região - para o que é hoje o sudeste da Bolívia e lá cruzou com outra espécie silvestre que já existia no local, dando origem ao amendoim moderno.
Para os cientistas que participaram da pesquisa, a semelhança genética é tão grande que "é quase como se o DNA tivesse sido retirado da mesma planta que deu origem ao amendoim cultivado, mantida em um jardim pré-histórico".
As plantas de amendoim cultivadas atualmente são o resultado de uma hibridação entre duas espécies silvestres. O híbrido foi cultivado pelos antigos habitantes da América do Sul e, por seleção, transformado na planta cultivada hoje pelos agricultores. Como seus antepassados eram duas espécies diferentes, o amendoim possui dois genomas distintos, designados subgenomas "A" e "B". A alta similaridade entre esses subgenomas dificultaria muito o mapeamento de cada um deles separadamente ao se realizar o sequenciamento do genoma do amendoim moderno. Assim, como um primeiro passo, os pesquisadores construíram seus modelos genômicos a partir de duas espécies ancestrais de amendoim silvestre, coletadas décadas atrás por botânicos nas encostas dos Andes, na Bolívia e Argentina.
O genoma de uma dessas espécies, Arachis duranensis, apresentou níveis de similaridade esperados com o subgenoma "A" do amendoim cultivado. Contudo, o que realmente chamou a atenção, é que o genoma da outra espécie, A. ipaënsis, apresentou-se praticamente idêntico ao subgenoma "B" do amendoim moderno.
Na realidade, desde sua coleta em 1977, os botânicos perceberam que A. ipaënsis era uma espécie peculiar, pois sua população era muito pequena e isolada, e seus parentes mais próximos eram encontrados a centenas de quilômetros ao norte. Essa distância não é comum em espécies de amendoim, já que as suas sementes se desenvolvem debaixo da terra, fazendo com que as populações fiquem restritas a pequenas regiões geográficas.
Instigados por esse fato, os cientistas associaram as informações resultantes de coletas botânicas a cálculos baseados na utilização do DNA como um "relógio molecular" e puderam inferir que as sementes dessas plantas foram transportadas por humanos há cerca de 10.000 anos.
"Tudo se encaixa" comenta David Bertioli, professor da Universidade de Brasília e principal autor do artigo da Nature Genetics. "É o único lugar onde as espécies com genomas A e B foram encontradas crescendo juntas. A região é bem próxima àquela onde ainda hoje os tipos mais primitivos de amendoim cultivado são encontrados, e a época coincide com o período em que a domesticação de plantas estava acontecendo na América do Sul."
O movimento da espécie com genoma "B" para a área de ocorrência da espécie com genoma "A" possibilitou a hibridação, provavelmente pela cortesia de uma abelha nativa, resultando na formação da espécie do amendoim cultivado.
Outros resultados do conhecimento genômico
As sequências genômicas produzidas também contribuíram para a identificação de genes que conferem resistência ao nematoide das galhas, praga prejudicial à cultura do amendoim. Os milhares de genes que compõem essas sequências estão sendo usados também para identificar marcadores moleculares associados a características de interesse para a pesquisa agropecuária, como por exemplo, resistência a doenças fúngicas, qualidade de óleo e tolerância à seca.
O sequenciamento do genoma colaborou ainda para revelar vários processos fundamentais de alterações no genoma que provavelmente afetam outras espécies cultivadas e silvestres. Estes processos genômicos resultam em diversidade, de forma contínua e crescente no amendoim, que passou por um gargalo genético quando se originou pela primeira vez no campo de um agricultor na América do Sul, há cerca de 10.000 anos. "Essa diversidade é decorrente, em parte, das trocas e rearranjos permanentes que ocorrem entre os cromossomos dos genomas oriundos das duas espécies que compreendem o amendoim moderno", afirma Bertioli.
Cooperação internacional em prol da ciência
A International Peanut Genome Initiative tem como missão aumentar o conhecimento sobre a genética do amendoim e facilitar a criação de variedades mais produtivas, com características melhoradas, tais como resistência a doenças e à seca.
Além de colaborar no sequenciamento do genoma do amendoim, os cientistas brasileiros que fazem parte desse consórcio são responsáveis também pela conservação das espécies silvestres de amendoim utilizadas no estudo (oriundos da Argentina e Bolívia) na coleção brasileira de germoplasma de Arachis. A coleção é mantida na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e contém mais de 1000 acessos de espécies silvestres de Arachis.
O artigo da revista Nature Genetics pode ser lido na íntegra no link:
Fernanda Diniz (DRT/DF 4685/89)
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
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