01/03/16 |   Agroenergia

Cogumelos transformam resíduos agrícolas tóxicos em ração animal

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Foto: Vivian Chies

Vivian Chies - Os tons avermelhados indicam que o fungo está colonizando o substrato à base de torta de algodão. A próxima etapa é a da frutificação, quando eles tomam a conhecida forma de chapéu.

Os tons avermelhados indicam que o fungo está colonizando o substrato à base de torta de algodão. A próxima etapa é a da frutificação, quando eles tomam a conhecida forma de chapéu.

Pesquisadores da Embrapa Agroenergia (DF) identificaram espécies de cogumelos capazes de crescer usando como substrato (fonte nutritiva) tortas de pinhão-manso e algodão. Enquanto crescem, eliminam ou reduzem as substâncias tóxicas desses materiais, as quais dificultam seu uso como ração animal. No caso do pinhão-manso, foram testadas 60 espécies de cogumelos, das quais quatro mostraram-se produtivas e capazes de reduzir em 99% o conteúdo tóxico chamado éster de forbol. Para o caroço de algodão, foram avaliadas 34 espécies e 11 apresentaram as características desejadas. 
 
O resultado foi considerado bastante animador. O óleo do caroço do algodão já compõe cerca de 2% das matérias-primas utilizadas na produção de biodiesel; o pinhão-manso ainda é uma espécie em processo de domesticação, mas tem grande potencial de integrar as cadeias produtivas de biocombustíveis, já que possui elevada produtividade de óleo vegetal. Propriedades medicinais e nutricionais são atributos de algumas das espécies de cogumelos promissoras, que já são conhecidas e até utilizadas comercialmente. Outras são selvagens e ainda precisam do desenvolvimento de aplicações mercadológicas.
 
A pesquisa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e começou há dois anos. Na primeira etapa, buscou-se descobrir quais cogumelos conseguiriam crescer nessas tortas e diminuir ou anular a toxidez.
 
Outro desafio é encontrar aplicações com maior valor agregado para as tortas – nome dado ao resíduo sólido que sobra após a extração do óleo. Ricas em proteína, a aplicação mais comum das tortas de oleaginosas é o uso como ração animal. É o caso do farelo de soja. O caroço do algodão, contudo, contém um composto tóxico chamado gossipol. Ele tem sido utilizado na alimentação animal, mas apenas de ruminantes (bovinos, caprinos, etc) e em concentrações limitadas. Não é possível, portanto, atender ao mercado de animais monogástricos, como aves, suínos e peixes. 
 
No pinhão-manso, a substância tóxica presente na maioria das variedades, o éster de forbol, é ainda mais "potente": nem em concentrações muito baixas pode ser oferecida para animais ruminantes sem um processo de destoxificação. O valor nutricional, contudo, já foi comprovado em pesquisas realizadas pela Embrapa com tortas de uma das poucas variedades da planta que não apresenta toxidez. O problema é que essas variedades são pouco produtivas e mais suscetíveis a doenças, o que leva à necessidade de investir em estratégias para eliminar ou reduzir drasticamente a toxidez.
 
Integrando cadeias produtivas
 
O pesquisador Félix Siqueira, da Embrapa Agroenergia, explica que os cogumelos, que são macrofungos, promovem uma biotransformação dos compostos tóxicos, convertendo-os em outras moléculas. O cultivo de cogumelos nas tortas de pinhão-manso e algodão, além de resolver um problema, pode ampliar a integração entre as cadeias produtivas de biocombustíveis e de alimentos. 
 
Na segunda etapa, foram realizados ensaios toxicológicos da torta de pinhão-manso tratada com os cogumelos, em parceria com universidades. Os primeiros testes foram feitos com crustáceos muito pequenos de uma espécie chamada Artemia salina, conta a pesquisadora da Embrapa Simone Mendonça. Para tanto, o material em avaliação foi diluído em diferentes concentrações e aplicado na água em que estavam os microcrustáceos. Após certo período de exposição às soluções, verificou-se se houve mortalidade. Uma vez que não se observou efeito sobre os microcrustáceos, seguiu-se para a próxima etapa: os ensaios com ratos.
 
Nesse teste, os pesquisadores ofereceram aos roedores a torta de pinhão-manso misturada à ração comercial, em proporções de 20%, 40% e 60%, durante 28 dias. Durante esse período, avaliaram o consumo do alimento e água, bem como o peso dos ratos, sempre comparando-o a um grupo de animais que recebeu apenas a ração comercial. Nessa fase, os cientistas queriam avaliar não só se o material apresenta ainda algum grau de toxidez prejudicial aos organismos, mas também o valor nutricional. Ao final dos 28 dias, foram examinados os órgãos e analisado o sangue dos ratos. Não foi encontrado nenhum traço de patologias ou substâncias tóxicas. O ganho de peso também não foi prejudicado.
 
Caroço de Algodão
 
Para o caroço de algodão, os testes de toxicidade da torta pós-cultivo dos cogumelos foram feitos, até o momento, por meio de análises químicas. Para tanto, foi preciso adaptar os protocolos existentes para avaliação do material. Como os métodos em uso não eram tão sensíveis, poderiam não detectar concentrações muito pequenas do gossipol. Utilizando técnica conhecida por cromatrografia líquida de alta performance e variando reagentes, temperatura e outros parâmetros, o grupo conseguiu chegar a um protocolo que consegue detectar até mesmo quantidades mínimas de gossipol.
 
Agora, serão realizados os mesmo testes com roedores feitos com a torta de pinhão-manso, para comprovar a segurança do uso do farelo de algodão destoxificado para alimentação de animais não ruminantes. As duas tortas ainda serão avaliadas para a nutrição de aves e suínos.
 
Ao mesmo tempo, os pesquisadores começam a trabalhar no escalonamento da produção. O principal desafio, de acordo com Félix Siqueira, é desenvolver um sistema simplificado de pré-tratamento da torta, que seja de baixo custo e fácil aplicação. Fazer esse pré-tratamento é importante para reduzir a quantidade de microrganismos presentes no material que possam concorrer com os cogumelos pelos nutrientes da torta. 
 
Diversificação de matérias-primas
 
O biodiesel está presente em todos os postos de combustíveis do Brasil, misturado ao diesel na proporção de 7%. De janeiro a novembro do ano passado, foram produzidos 3,62 bilhões de litros desse biocombustível renovável no Brasil. Cerca de 76% foram obtidos a partir de óleo de soja; a segunda matéria-prima mais utilizada foi o sebo bovino, que respondeu por uma fatia de aproximadamente 20%. O algodão aparece logo em seguida, com 2%.
 
Diversificar as fontes de matérias-primas é uma estratégia para a segurança do abastecimento de combustível, assim como ampliar a inclusão regional e social do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Por isso, instituições de pesquisa têm trabalhado na domesticação e desenvolvimento de tecnologias para produção de oleaginosas, a exemplo do pinhão-manso, da macaúba e do dendê. A expectativa do mercado é que a proporção de biodiesel no diesel aumente nos próximos anos, gerando crescimento da demanda por óleos. (Colaboração: Elvis Costa)
 

Vivian Chies (MTb 42.643/SP)
Embrapa Agroenergia

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