Pesquisa inédita produz húmus com o uso de piolhos-de-cobra
Pesquisa inédita produz húmus com o uso de piolhos-de-cobra
Pesquisadores da Embrapa Agrobiologia (RJ) descobriram que os gongolos, pequenos animais que fazem parte da fauna do solo e conhecidos como piolho-de-cobra, maria-café ou embuá, são exímios trituradores de resíduos e produzem adubos orgânicos de excelente qualidade. Testado na produção de mudas de hortaliças, o gongocomposto – como está sendo chamado o produto – não perde em nada para os melhores substratos comerciais.
Ao contrário das minhocas que são bem famosas pela capacidade de produção de húmus, os gongolos são pouco conhecidos e não há registro de qualquer estudo na produção científica brasileira sobre o tema. O resultado das pesquisas mostrou que o substrato produzido pelos gongolos tem a mesma qualidade dos materiais gerados pelas minhocas. A diferença é que o vermicomposto (das minhocas) ainda precisa ser misturado com pó de carvão e torta de mamona para melhorar sua textura e seu nível de nitrogênio, enquanto o gongocomposto já está pronto para uso na produção de mudas em três meses.
Esses animais vivem escondidos embaixo de folhas, pedras ou troncos de árvores, e algumas vezes são confundidos com pragas. A pesquisadora da Embrapa Maria Elizabeth Correia explica que produzir o gongocomposto não requer muita mão de obra e pode ser uma boa alternativa para o produtor aproveitar resíduos orgânicos existentes na propriedade e ainda reduzir custos com o uso do substrato obtido.
Processa até papelão
"Criamos um procedimento mínimo em que sabemos que podemos colocar até papelão que o animal processa", comenta a especialista. Resíduos comuns na propriedade agrícola, como bagaço de cana, sabugo de milho e aparas de grama também podem ser utilizados. Basta adicionar sempre um material rico em nitrogênio, como, por exemplo, uma leguminosa.
Uma particularidade do processo é que a ação dos gongolos reduz o volume de materiais em 70 por cento. Se o produtor colocar dez litros de resíduos, no final terá três litros de composto. O processo pode levar de três a seis meses, sem a exigência de revirar o material. "O que fazemos é juntar os resíduos secos e o gongolo, e colocar em uma área confinada para que ele não saia dali e processe tudo. Uma vez por semana é preciso checar a umidade e, se estiver muito seco, é necessário molhar o composto", explica a pesquisadora.
Uso como substrato para mudas
Em três meses, o gongocomposto já está em condições de uso. Mas após testes para ver o tempo ideal de compostagem, os pesquisadores perceberam que quanto mais o material é triturado pelos gongolos, melhor será a sua qualidade. "Quando comparamos os materiais de diferentes tempos de processamento, vimos que em termos de teor de nutrientes não há muita diferenciação, mas nas mudas o efeito é significativo", relata Maria Elizabeth. Para a produção de mudas, o substrato que apresentou melhor desempenho foi aquele produzido em seis meses. Quanto maior o tempo de compostagem, mais o composto é processado. A pesquisadora conta que isso é resultado do trabalho do gongolo e dos microrganismos presentes no composto. E o resultado é um substrato que possibilita mudas vigorosas e com estabilidade do torrão, o que evita perdas na hora do plantio.
Após testes com o gongocomposto em alface, rúcula, tomate e beterraba, o agrônomo Luiz Fernando de Sousa Antunes, mestrando na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ressalta que, além de não precisar fazer misturas para produzir as mudas, o substrato possibilita a uniformidade da bandeja. "É comum nos substratos comerciais uma concentração de nutrientes em alguns pontos da bandeja, o que não acontece com o gongocomposto. E o resultado são bandejas homogêneas, sem fazer reboleiras, com mudas de diferentes tamanhos", explica Antunes. Ele avalia o gongocomposto no tema de sua dissertação de mestrado.
Como encontrar o gongolo?
A técnica de produção de gongocomposto pode ser feita por qualquer espécie desse pequeno habitante da fauna do solo. Segundo a pesquisadora da Embrapa, a maioria das espécies tem capacidade de triturar resíduos brutos, mas algumas são mais eficientes. O que ocorre é que algumas consomem mais e são mais abundantes. "Utilizamos a espécie Trigoniulus corallinus, que ocorre em diferentes regiões do Brasil, sempre associada a ambientes com ocupação humana e grande quantidade de resíduos vegetais, como nas áreas de agricultura familiar. Essa espécie é originária do Sudeste Asiático, mas provavelmente já veio até com as primeiras navegações porque está estabelecida no País há muito tempo", esclarece.
Nos anéis de concreto de cerca de 500 litros utilizados como composteira para a pesquisa, são utilizados cerca de 3.800 gongolos. Maria Elizabeth explica que o momento ideal para coletar é a época da chuva, porque é quando eles estão mais ativos e acasalando. "Na nossa região, é entre outubro e abril, por exemplo. Em dezembro, um mês muito quente e chuvoso, basta haver um local com acúmulo de matéria orgânica, que em dois dias é possível conseguir essa quantidade sem muita dificuldade", conta a bióloga.
Apesar de ser um parente distante das lacraias, o gongolo não oferece riscos, não tem ferrão, não morde, não é agressivo e pode ser coletado facilmente. "Uma ou outra espécie de floresta fechada pode apresentar uma substância que causa queimadura, mas esses que vivem em ambientes abertos, com os quais estamos trabalhando, não oferecem qualquer risco", revela a pesquisadora.
Gongolos X minhocas
A pesquisa e a avaliação da capacidade dos gongolos de triturar materiais brutos e fibrosos começaram em 2009 na Embrapa Agrobiologia, no Município de Seropédica, interior do Estado do Rio de Janeiro. Ao buscar entender o papel da fauna do solo na avaliação de áreas reflorestadas, a pesquisadora Maria Elizabeth Correia encontrou no gongolo o organismo ideal.
A partir daí, a bióloga começou a estudar as espécies, sua ocorrência ao longo do ano e quantidades, fez experimentos de alimentação para ver o quanto eles consumiam, analisou nutrientes nas folhas onde eles se encontravam e até as fezes do animal. "Comecei a perceber que algumas espécies tinham uma capacidade grande de processar esses materiais. E se usamos a minhoca para fazer o vermicomposto, mas ela precisa de um material pré-processado, talvez fosse possível usar o gongolo para preparar um composto utilizando um resíduo um pouco mais bruto, mais fibroso", explica.
A pesquisadora e sua equipe avaliaram o quanto fibroso pode ser o material triturado pelo gongolo, qual a mistura e a quantidade de resíduos mais favoráveis, assim como a quantidade de gongolos ideal. Ela revela que o próximo passo será fazer tudo isso com o agricultor, dentro da realidade da propriedade. "É importante que ele tenha uma visão do que são os resíduos de difícil degradação, quais as fontes naturais de nitrogênio, e orientar para que ele faça a compostagem e transforme em substrato um material que ia acumular e talvez até abrigar pragas e provocar doenças", finaliza Maria Elizabeth.
Ana Lucia Ferreira (MTb 16913/RJ)
Embrapa Agrobiologia
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