Quando a indústria busca o laboratório
Quando a indústria busca o laboratório
Produzir para jogar fora não faz sentido. Foi por pensar assim que o empreendedor Fernando Torres Furlani, proprietário da indústria de sucos Natvita, começou a analisar com o pai, Fernando Sales Furlani, na década de 1990, o que fazer com as 80 toneladas de polpa de caju desperdiçadas por ano. A propriedade rural de 23 hectares da família, localizada em São Gonçalo do Amarante (CE), passava por um dilema. A safra aumentava − impulsionada pela adoção dos clones de cajueiro-anão precoce CCP 76, da Embrapa −, mas apenas a castanha era aproveitada.
A busca por alternativas para reduzir o desperdício na agroindústria também inquietava a equipe do Laboratório de Processos Agroindustriais da Embrapa Agroindústria Tropical. Um dos membros da equipe, o engenheiro de alimentos Fernando Antônio Pinto de Abreu, dedicava-se a novos processos, tecnologias e equipamentos que auxiliassem os produtores a aproveitar o pedúnculo do caju, matéria-prima rica em nutrientes, cujo desperdício chegava a 90% de toda a produção.
Para reduzir o desperdício de pedúnculo, Furlani começara, no início dos anos 2000, a produzir cajuína artesanalmente, com a marca Sabor Tropical, que mais tarde originaria uma empresa amparada pelo Programa de Incubação de Agronegócios da Embrapa, o Proeta. Nessa época, Fernando Furlani conheceu Fernando Abreu. O encontro, possível graças a projeto apoiado pelo Banco do Nordeste (BNB), resultou no desenvolvimento de um método de armazenagem de cajuína para estocagem na entressafra.
Anos mais tarde, os caminhos do empresário e do engenheiro de alimentos voltariam a se cruzar. Abreu preparava-se para ingressar no doutorado em Engenharia de Processos, na Universidade de Montpellier 2, na França. Ele estudaria, em parceria com o Cirad, organização de pesquisa agroalimentar francesa, o desenvolvimento de um extrato concentrado de carotenoides obtidos a partir das fibras resultantes do processamento do pedúnculo de caju. O objetivo seria aproveitar o abundante resíduo da extração industrial de suco de caju para produzir um extrato aquoso rico em carotenoides, com potencial para uso como corante natural amarelo na indústria alimentícia.
Para desenvolver o novo produto, seria necessário dispor de considerável fornecimento de resíduo de extração de suco de caju e também de estrutura que permitisse a realização de testes de produção em escala real. Optou-se, então, por uma parceria com a indústria. Um edital do Proeta foi aberto para a seleção de possíveis parceiros na empreitada. Foi então que Fernando Furlani e Fernando Abreu se reencontraram.
"A indústria entrou no processo com a tecnologia em desenvolvimento. Assumiu os riscos de desenvolver o produto junto com a Embrapa", lembra Abreu.
Os trabalhos de obtenção, concentração e purificação de carotenoides utilizam microfiltração em membranas. "A técnica é bastante utilizada para a concentração a frio de materiais sensíveis ao calor, como são os carotenoides. A vantagem do uso dessa técnica é a de manter maximizada a atividade e a integridade das moléculas trabalhadas", esclarece Abreu. O engenheiro de alimentos apresentou ao industrial a tecnologia de membranas, que, além de concentrar substâncias como o extrato de carotenoide, permitia a produção de sucos clarificados.
No decorrer do processo, o empreendedor, incentivado pela Embrapa, enxergou uma nova possibilidade diante daquela tecnologia: usar a técnica para produzir cajuína, que é obtida a partir do suco clarificado de caju. Ele obteve apoio da Embrapa na definição dos padrões necessários para o processamento. "A cajuína dele era produzida pelo método tradicional, com gelatina, que apresenta o inconveniente de provocar o escurecimento do produto durante a armazenagem", esclarece Abreu.
Com a microfiltração por membranas foi possível clarificar o suco sem gelatina, a frio, preservando importantes componentes nutricionais sensíveis ao calor, e promovendo uma esterilização do produto também sem uso do calor. "Começamos a usar a tecnologia de microfiltração em 2012 apenas com cajuína. No primeiro momento, o faturamento da empresa foi multiplicado por três", salienta Furlani. Hoje, a microfiltração é a principal tecnologia utilizada na fábrica.
Com o avanço tecnológico, a empresa qualificou-se para o Criatec − fundo formado com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Nordeste destinado à aplicação em empresas emergentes inovadoras −, aumentou a produção e a qualidade do produto. O principal benefício, contudo, foi a possibilidade de expandir, de 2013 para cá, a linha de produção. "A tecnologia permite fazer clarificação de outras frutas", ressalta o industrial.
Recentemente, a empresa lançou sucos clarificados de abacaxi, acerola, banana, melancia, melão e manga. Outro avanço foi no modelo de negócios, anteriormente focado apenas nas vendas para o consumidor. A Natvita passou a atuar também no mercado institucional (B2B), fornecendo polpas para outras empresas.
Furlani faz planos de produzir uma fibra alimentar antioxidante a partir do subproduto do caju, manga e banana. Outra aposta é introduzir sucos de frutas tropicais no mercado dos Estados Unidos, segundo maior consumidor global de sucos.
Abreu, no momento, trabalha no setor de transferência de tecnologias da Embrapa Agroindústria Tropical, em atendimento a demandas de inovação tecnológica e de implantação de novas empresas, construindo novas pontes entre o mundo da pesquisa e o mundo dos negócios. Para ele, esse contato com a indústria é combustível importante para quem trabalha com a pesquisa aplicada, pois revela novas demandas e acena para possíveis avanços da ciência e tecnologia. •
Mercado em expansão
O mercado brasileiro de sucos e néctares de frutas prontos para beber está em expansão. Em 2014, atingiu um volume de 1,025 bilhão de litros, 11% acima do ano anterior e 65% em relação ao patamar de 2010, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA). Quando analisado o consumo per capita de sucos de frutas, em litros por ano, percebe-se que as vendas internas ainda podem crescer consideravelmente.
Enquanto a Nova Zelândia, primeiro lugar no ranking, consome 26,30 litros (por habitante / ano), o brasileiro consome em média 5,4 litros de sucos prontos para beber por ano. Para Furlani, o mercado brasileiro tem muitas oportunidades, mas o empresário recomenda cautela.
Navegue:
Natvita
Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA)
Gustavo Porpino
Secretaria de Comunicação da Embrapa - Secom
Verônica Freire
Embrapa Agroindústria de Alimentos
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/