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Pesquisa da Embrapa contribui para caracterização de queijo artesanal

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Photo: Rubens Neiva

Rubens Neiva - Queijo artesanal de Alagoa-MG

Queijo artesanal de Alagoa-MG

O Brasil produz um milhão de toneladas de queijo por ano. Um quinto desse total é feito artesanalmente, com leite cru (que não passou pelo processo de pasteurização). Boa parte do queijo artesanal brasileiro é vendido informalmente, pois falta ao produto o registro nos serviços de inspeção sanitária, seja municipal, estadual ou federal. Mas essa irregularidade não interfere no paladar. Longe disso. O queijo artesanal produzido em Alagoa, município mineiro das terras altas da Serra da Mantiqueira, por exemplo, tornou-se uma iguaria cujo sabor é comprovado pelo consumidor. Quase a totalidade da produção do município é destinada a empórios de Minas, Rio e São Paulo. O queijo de Alagoa é a principal fonte de renda da cidade, satisfaz os consumidores, incrementa o orçamento dos produtores, mas não tem o reconhecimento da lei.

Esse problema levou a Embrapa Gado de Leite, em parceria com a Emater-MG e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerias, a criar um projeto de pesquisa para levantar dados que fundamentem a regulamentação do queijo de Alagoa. Segundo a pesquisadora Maria de Fátima Ávila Pires, coordenadora do projeto, que envolveu 25 profissionais, o primeiro passo foi caracterizar o sistema de produção. Os pesquisadores da Embrapa selecionaram 30 produtores, identificando-os do ponto de vista econômico e social. “Traçamos o perfil do produtor alagoense e resgatamos os aspectos históricos e culturais da produção do queijo no município”, conta Maria de Fátima.

Os pesquisadores também fizeram diversos estudos, que envolveram o solo e a água da região (aspectos físicos, químicos e microbiológicos), a alimentação das vacas e as análises do leite e do queijo. Esses estudos incluíram o levantamento de informações sobre o processo de produção do leite e a fabricação do queijo, caracterizando o “saber fazer” da comunidade, ou seja, como os alagoenses construíram as tradições que resultaram no modo próprio de fazer seu queijo artesanal.  “Reunir essas informações em um documento é uma das exigências do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) para a regulamentação do queijo artesanal”, diz a laticinista da Emater-MG, Marciana de Souza Lima. O trabalho da Embrapa e da Emater já está sendo útil para que a prefeitura de Alagoa conceda aos produtores o Selo de Inspeção Municipal (SIM), mas essa certificação permite a venda do produto apenas no município.

O escritório da Emater-MG na cidade trabalha para que as queijarias de Alagoa sejam regularizadas perante ao IMA para que possam obter, posteriormente, o registro de Indicação de Geográfica (IG), como já ocorre com os queijos do Serro, Canastra, Salitre e Campos das Vertentes. No entanto, a legislação mineira sobre o assunto é confusa e necessita ser concluída. A lei estadual de 2002 (Lei 14.185), que tratava do Queijo Minas Artesanal, foi revogada em 2012 por outra lei (Lei 20.549), que aguarda regulamentação. Os técnicos afirmam que a nova lei possui pontos questionáveis e carece de modificações. Enquanto as questões legais ficam pendentes, o queijo de Alagoa segue conquistando paladares.

Tipo parmesão – Município de 2.700 habitantes, a 447 quilômetros da capital mineira, Alagoa é conhecida como a “terra do queijo parmesão”. Tal designação, no entanto, é incorreta. Parmesão é um tipo de queijo italiano, com Denominação de Origem Protegida (DOP). Para ser considerado parmesão, o queijo tem que ser produzido nas regiões de Parma, Régia Emília, Módena, Bolonha ou Mântua. Por possuir algumas similaridades com o queijo italiano, o de Alagoa pode ser considerado como “tipo parmesão”. Ambos são produtos artesanais, feitos com leite cru e a massa passa por um processo semelhante de aquecimento na produção. Mas as semelhanças param por aí. No parmesão, o período de maturação, também chamado de ‘cura’, por exemplo, precisa durar no mínimo 12 meses (alguns ultrapassam dois anos). Já o queijo alagoense não possui um padrão de maturação, alguns são vendidos após apenas cinco dias de cura, o que interfere na qualidade do sabor. O técnico da Emater-MG, Júlio César Seabra, diz que essa é uma prática que tem que ser mudada. “É preciso estabelecer um padrão de maturação”, afirma Seabra. Esse é um dos focos da pesquisa.

Estabelecer padrões é como a tradição, leva tempo. O queijo parmesão precisou de 800 anos para conquistar a fama que tem hoje em todo mundo, mas o produto alagoense caminha para isso e está perto de completar 100 anos. A fabricação de queijos surgiu em Alagoa nos anos 20 do século passado, quando um italiano de nome Paschoal Poppa chegou à cidade e abriu o primeiro laticínio. Popa viu no queijo curado, característico da região de Parma, o produto ideal para aquela cidade no alto das montanhas, cujo clima lembrava o da Itália. Por ser um tipo de queijo menos perecível, ele se adequava aos períodos em que a cidade ficava isolada. O produto era transportado no lombo de burros, em formas de bambu, e na época das chuvas era praticamente impossível descer pelas precárias estradas da região para levar a produção até os mercados urbanos.

Apesar das diversidades, o negócio foi prosperando. Poppa trouxe um queijeiro de fora do estado para trabalhar no laticínio. Esse queijeiro acabou se casando com a filha de um “coronel” da região, de nome Porfírio Mendes Filho, que, por influência do genro, investiu na abertura de cinco laticínios. Os agricultores da região migraram para a pecuária de leite, atendendo à demanda das queijarias. Passado algum tempo, os grandes laticínios fecharam, mas os pecuaristas já haviam assimilado a cultura das queijarias e passaram a produzir, eles mesmos, o próprio queijo. É nessa época que o fermento, o que dá o sabor diferenciado do queijo da região, segundo os alagoenses, foi compartilhado entre os produtores.

Produção familiar – A pesquisa da Embrapa contabilizou 130 queijeiros produzindo o “parmesão alagoense”. Os produtores são de base familiar, com a produção variando de cinco a 50 quilos de queijo por dia. As fazendas são pequenas (cerca de 18 hectares) e o relevo acidentado da Serra da Mantiqueira limita o uso de pastagem. Capim verde picado, cana-de-açúcar, silagem de milho e concentrado representam boa parte da alimentação das vacas.   O rebanho é predominantemente mestiço (Holandês/Gir Leiteiro), com ordenha média de 15 litros por vaca/dia. A produção média de leite em Alagoa é de 150 litros/dia/propriedade.

Em um dos pontos mais altos da cidade (1.700 metros de altitude), fazendo divisa com o Parque Estadual Serra do Papagaio, está o Sitio do Garrafão. O proprietário, Darci Lopes de Menezes é um dos queijeiros mais antigos da região. Menezes guarda na memória boa parte da história do município e é uma referência para qualquer pesquisa sobre a evolução do queijo alagoense. Com problemas de saúde, Menezes transferiu a produção para o filho Marcos Rodrigues. São 15 vacas no rebanho, responsáveis por uma produção média de 10 quilos de queijo por dia. Marcos e a mulher, Rita de Cássia, cuidam de todas as tarefas da propriedade e ainda sobra um tempo para construir a casa do casal, que já está quase pronta. Ele diz que, assim que terminar a construção, sobrará um pouco de dinheiro para investir mais na queijaria.

Com produção maior (40 quilos de queijo/dia), o Sítio Mato Dentro fica no lado oposto ao Garrafão. São 27 vacas responsáveis por 400 litros/dia. O espaço pertence a Francisco Antônio de Barros, tataraneto do “coronel” Porfírio, o pioneiro do “parmesão alagoense”. Barros toca o sítio com a mulher, Priscila Almeida Mendes de Barros e os três filhos do casal, de 18, 14 e 12 anos. A produção diária de 40 quilos de queijo é toda vendida para mercados e empórios do Sul de Minas e São Paulo. Como os demais queijeiros da região, Barros nunca fez cursos de laticínio. Todo o conhecimento foi herdado dos pais e avós.

Aos poucos, o “parmesão alagoense” vai se enriquecendo com a tradição. A pesquisa agropecuária incorpora os conhecimentos científicos, fundamentando os legisladores, que constroem as bases legais para tirar o produto da clandestinidade. Mas a lei costuma demorar tanto quanto a formação de uma tradição, e os consumidores não esperam. O “parmesão alagoense” é vendido pelo produtor num preço que varia de R$15,00 a R$30,00 o quilo. Já o parmesão de verdade, feito na Itália, chega a custar mais de R$100,00. A legalização pode melhorar o preço pago ao produtor e será um passo importante para que o queijo das terras altas da Mantiqueira conquiste um dia a Indicação Geográfica, como o queijo produzido em Parma, Régia Emília, Módena, Bolonha ou Mântua.

Rubens Neiva (MTb 5445 MG)
Embrapa Gado de Leite

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