Embrapa seleciona bactérias e gera queijo de coalho similar ao artesanal
09/06/15
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Agroindústria
Embrapa seleciona bactérias e gera queijo de coalho similar ao artesanal
A Embrapa isolou bactérias dos gêneros Lactobacillus, responsáveis pelo sabor característico do queijo de coalho artesanal. Elas podem ser utilizadas para a fabricação de um novo fermento lácteo específico para o produto. Três cepas foram selecionadas entre 900 bactérias encontradas em amostras de queijos de coalho produzido com leite cru. O leite testado foi obtido nos municípios cearenses de Jaguaribe, Quixadá, Tauá e Maranguape.
Para se chegar às três cepas bacterianas, foram necessários dez anos de estudos. Com a seleção, a Embrapa dá os primeiros passos para a produção de um fermento que poderá ser agregado no processo de produção do queijo, mesmo com leite pasteurizado, conferindo características semelhantes às dos queijos de coalho artesanais.
O material selecionado foi testado e as bactérias foram utilizadas em duas formulações diferentes. Ambas foram eficazes na fabricação do queijo empregando leite pasteurizado como matéria-prima. "O resultado foi um produto com aceitação sensorial de aproximadamente 7 em escala hedônica de 9 pontos, o que corresponde à avaliação ‘gostei', no teste sensorial", explica a pesquisadora Laura Bruno, responsável pelo estudo na Embrapa Agroindústria Tropical (CE).
"A ideia é que o fermento recomponha parte das cepas características do queijo de coalho que se perdem com a pasteurização do leite", ressalta Laura. Os queijos de coalho artesanais são produzidos com leite cru, em uma técnica que é transmitida de geração em geração. São os microrganismos presentes no leite os responsáveis pela textura, sabor e aroma característicos do produto.
Até agora, os testes de fabricação foram elaborados com fermento cultivado em escala de laboratório. Os próximos passos serão a realização de estudos para ampliar a escala de produção dessas bactérias e o desenvolvimento de um formato viável de entrega dessas cepas à indústria. "Essa forma de entrega pode ser, por exemplo, um pó, como ocorre com outros tipos de fermento, como os usados para a produção de vinhos e iogurtes", informa a pesquisadora.
Segundo Laura, essa é uma etapa importante dos estudos, porque a produção em escala de fermentador geralmente interfere na fisiologia das células microbianas. Ela explica que se pretende ampliar paulatinamente a escala de produção de cada uma das bactérias, cultivando-as em fermentador. "A ideia é promover sua recuperação do meio de cultivo, secando-as para que possam ser transportadas, comercializadas e utilizadas sem a perda de sua funcionalidade como fermento lático adjunto para queijo de coalho", diz.
As bactérias na produção do queijo de coalho
A legislação brasileira exige que o leite usado como matéria-prima na elaboração de queijos comercializados sem maturação seja pasteurizado ou sofra um tratamento térmico equivalente. A pasteurização tem como objetivo eliminar os microrganismos patogênicos. No entanto, ela também reduz grande parte das bactérias láticas presentes no leite. Para minimizar o problema, tem-se buscado selecionar cepas que sejam parte da microbiota presente no leite cru e nos queijos artesanais, de modo a obter fermentos especificamente preparados para adição ao leite tratado termicamente destinado à produção de queijos.
"A pasteurização destrói grande parte da microbiota do leite responsável pela acidificação e liberação de enzimas que provocam alterações nas características sensoriais, como textura, aroma e sabor desenvolvidos durante a maturação", diz Laura. Como não existe um fermento específico para o queijo de coalho, o resultado é um queijo diferente do fabricado com leite cru. "Quem conhece o queijo de coalho artesanal sabe que é bem diferente dos queijos de coalho industrializados", completa a pesquisadora.
O fermento também pode ajudar na padronização desse tipo de queijo. "Apesar da importância socioeconômica do produto, problemas associados à qualidade persistem por diversas razões, entre as quais a falta de padronização na fabricação do produto", revela Laura.
Seleção
Foram selecionados microrganismos relacionados a características como produção de ácidos, produção de aromas e resistência a sucessivos cultivos. Laura Bruno explica que as três cepas selecionadas são pouco proteolíticas, ou seja, não consomem muitas proteínas e, por isso, não produzem sabores indesejados. Outra característica observada nos estudos foi a capacidade de os microrganismos tornarem o leite mais viscoso. "O queijo de coalho é borrachudo ao se mastigar, então escolhemos cepas relacionadas a esta característica", disse a pesquisadora.
Outro ponto observado nos estudos foi a resistência a bacteriófagos, que são vírus que atacam as bactérias. Dessa forma, evitam-se perdas relacionadas ao não funcionamento do fermento. Durante as pesquisa, foram descartadas bactérias relacionadas a doenças em pessoas imunodeprimidas, como algumas espécies de enterococcus presentes nas amostras.
As três cepas selecionadas estão depositadas na Coleção de Microrganismos de Interesse para a Agroindústria Tropical e integram a plataforma de Recursos Genéticos Microbianos da Embrapa, AleloMicro.
Saiba mais
O queijo de coalho é um produto tipicamente nordestino e muito popular, amplamente consumido pela população local, seja na forma natural, assado ou frito, também muito utilizado em preparações culinárias. É produzido principalmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. O nome queijo de coalho originou-se no fato de ter sido tradicionalmente elaborado com leite coagulado pela ação de coalho animal, a partir de pedaços de estômagos de pequenos animais.
A produção de queijo de coalho é considerada tradicional no Ceará e está concentrada em pequenos municípios da zona rural. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), o município de Jaguaribe é o principal produtor do estado, com uma produção média de 874.368 Kg por ano. No Ceará, o Sebrae estima que em torno de 26,4% da população de Fortaleza e 27,7% dos moradores do interior consumam diariamente queijo de coalho.
Verônica Freire (MTb 01225/JP)
Embrapa Agroindústria Tropical
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