De volta à mesa: pesquisa resgata saberes e sabores ancestrais do mangarito
De volta à mesa: pesquisa resgata saberes e sabores ancestrais do mangarito
Foto: Gislene Alencar
Planta da frente: manejo para produção de rizomas maiores para consumo. Ao fundo: planta conduzida para obter rizomas menores para uso como mudas
Quem o conhece não esquece jamais. Essa tem sido a voz corrente de quem já teve contato com o mangarito, que integra a numerosa família das Hortaliças Não Convencionais, parte do grupo maior das Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Assim como outras plantas desse grupo, o mangarito vinha sendo ameaçado de extinção, um contexto que vem mudando a partir de iniciativas que estão contribuindo para o seu ressurgimento no campo e na mesa de brasileiros, muitos dos quais o guardam carinhosamente nas lembranças.
Essa tem sido, justamente, a conjuntura que mais chama a atenção no mangarito: um alimento que ficou na memória de algumas pessoas de maneira muito significativa, como foi com o Divino Fernandes, produtor de hortaliças orgânicas no Distrito Federal.
O produtor era criança quando viu a planta pela primeira vez e lembra o papel que ela desempenhou na vida de sua família em um período de escassez no campo. “Àquela época, no começo dos anos 60, morávamos na zona rural de Goianésia (GO) e passamos tempos bem difíceis: a falta de chuvas secou a plantação e aí tivemos muita escassez de comida”, lembra Divino.
Uma condição que, segundo ele, começou a melhorar depois que alguns vizinhos ofereceram uma espécie de batata que colhiam na mata, próxima à chácara onde moravam. “Havia muita abundância daquela batata que não tinha nome, sabíamos apenas que era gostosa e que dava ‘sustância’”, destaca o produtor, que aponta o mangarito como o principal alimento da família por um longo período. Com o fim da seca e a retomada dos cultivos tradicionais – milho, feijão, mandioca -, a planta foi ficando esquecida. “Com o tempo, ela foi se perdendo, até desaparecer das nossas vistas e de nossas vidas”.
Mais tarde, em 2005, já produtor em Brazlândia (DF), reconheceu o mangarito numa reportagem em um jornal de São Paulo e desejou resgatar aquela planta que estava guardada em sua memória gastronômico-afetiva de infância. Procurou e há três anos reencontrou o mangarito, cultivado pelo casal Nelson e Maria, no Assentamento Rural Chapadinha, em Sobradinho.
Desde então, a hortaliça não saiu mais do horizonte de Divino, que tem os cultivos do morango e da batata como carros-chefes de sua produção agrícola. E com os 3.000 m2 plantados com o mangarito, ele também não tem do que se queixar. “Foi um bom investimento, porque a aceitação tem sido grande, principalmente pelo sabor do mangarito, importante para o sucesso das receitas”, destaca Divino, que vende a maior parte de sua produção na Central de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa-DF).
A conexão com a pesquisa
Foi justamente na Ceasa onde os caminhos de Nuno Madeira e do produtor encontraram uma trilha em comum. Não por acaso, já que o pesquisador da Embrapa Hortaliças (Brasília, DF) conhecia Divino pelo seu trabalho com hortaliças orgânicas, já tendo inclusive implantado uma Unidade Demonstrativa de mandioquinha-salsa em sua propriedade.
“Um dia, encontro o Divino vendendo mangarito e conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo que ele havia obtido as mudas no Assentamento Rural Chapadinha, onde havíamos montado Unidade de Observação com mangarito e muricato (outra hortaliça PANC)”, conta Madeira.
Das conversas para as visitas não demorou muito. Tempo suficiente, aliás, para a formação de uma parceria, com trocas proveitosas de saberes. “Estamos com uma Unidade de Observação na propriedade dele, onde ajustamos a época de plantio – de setembro/outubro para dezembro/janeiro – com o objetivo de desenvolver uma produção muito mais comercial, com menos perfilhos (filhotes laterais), consequentemente produzindo mangaritos de maior tamanho”, explica o pesquisador, que coordena os trabalhos com as hortaliças PANC na Embrapa Hortaliças desde 2006.
Potencial
O mangarito foi uma das primeiras entre as hortaliças não convencionais a entrar no processo de resgate capitaneado por Madeira, que já cultivava a planta no quintal da sua casa durante uma visita a Patrocínio, em Minas Gerais, em 2005, ele ganhou umas batatinhas praticamente desconhecidas pelo mundo agronômico de então.
O pesquisador relata que em suas andanças de trabalhos com as hortaliças PANC, deparou-se ainda umas poucas vezes com o mangarito, em Montes Claros, no norte de Minas Gerais; em Joinville, Santa Catarina; e no interior de São Paulo. Nesse último, conheceu o seu João Lino Vieira, agricultor-guardião do mangarito por algumas décadas.
Nessas viagens, ele encontrou algumas pessoas que haviam consumido a batata há mais de 40 anos e da qual se lembravam com grande nostalgia. “Essas lembranças provam a natureza especial de uma planta que, além de trazer consigo um forte conteúdo cultural e simbólico, também é uma verdadeira iguaria culinária”, acentua o pesquisador, para quem não há perdas para quem investe em seu cultivo.
“O tempo mostrou que tem compensado apostar nessa PANC, cujos preços variam entre 15 a 20 reais o quilo, altos justamente pela pequena produção de um alimento que vem conquistando a gastronomia, mas que tende a se popularizar à medida que a produção aumente”.
De acordo com as histórias colhidas aqui e ali, quem já comeu e lembra como é o sabor do mangarito, quer voltar a ter no prato. E mesmo quem experimenta quer repetir, como comprovam as degustações na Ceasa, bastante apreciadas pelo público.
Assim como a maior parte das hortaliças não convencionais, o mangarito não conta com a mesma estrutura das hortaliças inseridas em cadeias de produção, devendo-se buscar ramais de comercialização mais diretos e mais justos.
Anelise Macedo (MTB 2.749/DF)
Embrapa Hortaliças
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