Embrapa quer valorizar produtos tradicionais da serra fluminense
Embrapa quer valorizar produtos tradicionais da serra fluminense
Foto: Aline Bastos
Participantes da roda de conversa no CEFFA CEA Rei Alberto I em Nova Friburgo, RJ.
A broa feita de fubá de milho branco moído em moinho de pedra e complementada com legumes guarda uma tradição passada de geração a geração e um valioso saber local na região serrana fluminense. Fruto de convivência e de prosa comunitárias, a produção da broa marca ocasiões especiais como casamentos e velórios, além de festejos religiosos como Semana Santa e Folia de Reis. É o que revelou a roda de conversa realizada no último dia 18 de novembro no Centro Educativo Familiar de Formação em Alternância Colégio Estadual Agrícola (CEFFA CEA) Rei Alberto I, em Nova Friburgo (RJ), uma ação de prospecção do Núcleo de Pesquisa e Treinamento para Agricultores (NPTA) da Embrapa e do projeto Caravana Tecnológica para a Agricultura Familiar da Embrapa Agroindústria de Alimentos. "Pretendemos trabalhar para um desenvolvimento territorial endógeno, com participação ativa dos atores locais para diversificação produtiva e agregação de valor dos produtos tradicionais", relata Renato Linhares de Assis, pesquisador da Embrapa Agrobiologia, que atua em Nova Friburgo, RJ.
A broa dos Três Picos é conhecida dos moradores da região há algumas décadas. É decorrente de uma tarefa coletiva e comunitária. Enquanto os homens se reuniam para o "ajuntamento" - um tipo de força-tarefa - nas lavouras; as mulheres se reuniam para fazer a broa. Originalmente, era produzida apenas para consumo próprio e doada aos vizinhos. Hoje, quem não produz, compra de quem produz. É o caso de Ronaldo Schuenk, diretor do Colégio Rei Alberto I de Nova Friburgo, RJ: "Consumo a broa desde os dois anos de idade, agora compro toda semana da Dona Dodoca, uma das produtoras rurais mais antigas da região", diz. Leonor da Silva Correa Madriaca, mais conhecida como Dona Dodoca, tem 69 anos e aprendeu a fazer a broa com a sua avó em forno a lenha, ainda quando criança. Ela conta que a partir dos produtos da plantação de subsistência da família, alguém teve a ideia de juntá-los para fazer a broa. "A receita varia de acordo com o que há no quintal: batata-doce, chuchu maduro, inhame e cará. O fubá caseiro de milho branco obtido em moinho de pedra não pode faltar. O melhor é usar os produtos de casa e mexer com a mão. E, quanto mais batata-doce na massa, mais gostosa e consistente fica a broa", diz a produtora, que vende a broa tradicional para os vizinhos e para alguns turistas que vão a sua casa em Nova Friburgo. Todos os anos, Dona Dodoca também realiza a Festa da Broa em seu sítio. Diz que não falta demanda para o produto. E quem prova pela primeira vez, sempre quer repetir. Já a produtora rural Carlas Ferreira Cordeiro, da Fazenda Rio Grande, assa a broa tradicional na panela de ferro no fogão a lenha. Aprendeu a receita que não leva fermento nem açúcar com a sogra, e faz a broa para consumo próprio há mais de 20 anos.
A receita da broa varia também entre famílias da região. A dona de casa Maria Zali - que também aprendeu a receita tradicional com a avó - gosta de experimentar novos sabores e adiciona chá de ervas (erva-doce, alfavaca e melissa), amendoim torrado e até banana e ameixa seca. "A folha de caeté colocada embaixo da broa quando vai ao forno, também dá um gostinho especial", relata. Pesquisas e orientações técnicas sobre ervas condimentares e aromáticas podem contribuir para a diversificação de aromas e sabores das broas. "Observou-se a necessidade de orientação para o cultivo e beneficiamento pós-colheita visando à manutenção da qualidade dessas espécies. Algumas ervas também podem ser testadas para aumentar a vida de prateleira das broas, uma vez que elas são produzidas sem utilização de conservantes artificiais" afirma Lilia Salgado, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos, que participou da atividade.
A broa também vem atraindo um público específico. Orientada por uma nutricionista, a produtora rural Rosângela Schuenk Gravino vende as broas em três tamanhos diferentes para praticantes de atividades físicas em academias de ginástica da região. "É um alimento fitness, que contribui para o ganho de massa muscular e queima de caloria. Não contém glúten ou lactose, e faço uma versão totalmente sem açúcar com adição de suco de laranja. Aprendi a receita com a minha avó e hoje este produto se tornou a principal fonte de renda da família", conta, animada.
Ciência para a valorização do saber local
A sistematização das receitas e dos conhecimentos tradicionais associados à fabricação de broas produzidas pelas famílias contribuirá para a preservação do valor histórico-cultural e para o estabelecimento de um padrão mínimo de qualidade para comercialização desse produto. "É necessário organizar o sistema de produção, desde o campo até o consumidor. Para isso, é imprescindível o envolvimento e protagonismo da comunidade no processo de construção da proposta de geração de emprego e renda pela valorização do produto local. Todo aporte de conhecimentos técnico-científicos deve estar a serviço da valorização do saber local, garantindo qualidade e segurança ao alimento, sem prejuízo ao poder de criação da comunidade", afirma Mauro Pinto, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Assim, técnicas de processamento de alimentos também poderão ser incorporadas à produção da broa, sem perder a essência do artesanal. "Atualmente, a broa, que utiliza ingredientes advindos da agricultura familiar, apresenta o prazo de validade entre 3 a 5 dias. O estudo do processo artesanal de produção da broa irá permitir que se otimize o prazo de utilização do produto, ampliando sua possibilidade de comercialização, dentro desse processo de fazer tradicional, sem perder a qualidade e o sabor característico", informa Roberto Machado, analista da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Além da broa, outros produtos também fazem parte da tradição gastronômica local. A chimirra, um tipo de queijo com consistência semelhante a um cottage, e o doce de abóbora gila sempre acompanham o consumo da broa. "Pretendemos trabalhar o desenvolvimento de uma marca territorial ou uma indicação geográfica para esses produtos. Estamos inspirados pelo projeto Alto Camaquã, do Rio Grande do Sul, que propõe estratégias e ações de desenvolvimento territorial, estimulando o crescimento regional de uma forma integrada e sustentável", diz Adriana Aquino, pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, que atua no Núcleo de Pesquisa de Nova Friburgo.
Os alunos e os professores do Colégio Agrícola Rei Alberto I também estão muito envolvidos nessa tarefa e lançaram a ideia de construção de um forno comunitário. "A produção da broa vem com uma história, vem com o dia a dia das famílias da região. A ideia é valorizar os produtos e, sobretudo, as pessoas", destaca Leonardo Voigt, professor de Sociologia, do CEFFA CEA Rei Alberto I, de Nova Friburgo. Essa história é também contada pelo poema do agricultor, Hermínio Cordeiro, de 81 anos: "Falo das tropas de burro, que em Três Picos se passou. Puxando cargas nas montanhas, desse lindo interior. (...) Aquelas pobres mulheres, naquele fogão de lenha, faziam comida boa. Canjiquinha com feijão. No forno, faziam a broa" - trecho adaptado.
Aline Bastos (MTB 31.779/RJ)
Embrapa Agroindústria de Alimentos
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