19/07/23 |   Agricultura familiar

Alimentos.com Ciência aborda identidade da comida baiana

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 - Galas aborda raízes históricas da comida da Bahia

Galas aborda raízes históricas da comida da Bahia

O Alimentos.com Ciência de julho abordou as raízes da comida da Bahia e as conexões com a história de resistência e os ritos religiosos presentes na cultura do povo baiano. “O igi opê, o epó po pa, o akara jé e a baiana: síntese do sagrado e do profano na comida da Bahia” foi o tema da palestra virtual, realizada em 12 de julho, pela mestre em museologia contemporânea Dora Maria Galas.

Em uma abordagem antropológica e patrimonial do acarajé e do sistema alimentar que o envolve, Galas discorreu sobre os territórios do dendê, fruto do dendezeiro (Elaeis guineensis), palmeira que na linguagem dos iorubas, povo indígena da África Ocidental, recebe o nome de igi opê. Da África à Bahia, a palestrante resgatou a raíz da cozinha afro-baiana e falou sobre as bases teóricas do estudo científico desenvolvido na Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“A alimentação humana envolve uma relação entre natureza e cultura, trazendo as relações de poder e os conflitos. Fazem parte de um sistema simbólico e de códigos sociais”, afirmou. A comida baiana é um dado identitário muito forte na Bahia, o que despertou na museóloga uma necessidade de “entender esse território, que é totalmente diferente de tudo o que eu conhecia. Então eu precisava ter um olhar diferenciado para ele”, explicou. “Estamos falando de um patrimônio cultural religioso, mas temos poucos interessados nesse tema, para além da área de estudos patrimoniais”, pontuou a palestrante.

Produção na Costa do Dendê

Galas também trouxe informações dos diferentes tipos de dendê e seus usos específicos na culinária baiana, tipificando o produto a partir da região produtora e das características do óleo. A Costa do Dendê, na Bahia, é uma área turística onde há plantações consideradas “nativas” do tipo “duro”, formadas, principalmente, por dispersores. 

Nessa região, o dendê apresenta acidez elevada e caracteriza-se por aspectos como baixa produtividade e qualidade, com poucas exceções mais refinadas produzidas com adição de algumas ervas nos municípios de Valença e Taperoá, onde o dendê “duro” é patrimônio cultural desde 2019. No Recôncavo baiano são identificados dois tipos de dendê, o sombra e o das almas, com coloração e ponto de assentamento diferenciados. 

Lá e na costa sul da Bahia, a maioria do azeite de dendê, o epó po pa em iorubano, é feita no pilão, principalmente por mulheres, envolvendo comunidades quilombolas e da agricultura familiar. Estudos e projetos focados na origem e tradição, como o Projeto Viva o Dendê, de Salvador, buscam obter o reconhecimento da Área de Identificação Geográfica e do dendê como patrimônio cultural baiano.

Ritualização da comida

Práticas do candomblé associadas ao dendê produzido artesanalmente também fizeram parte das discussões, incluindo a ritualização da comida: do preparo ao ato de se alimentar, especialmente passada entre as gerações de mulheres. Na raiz da cozinha afro-baiana estão presentes as comidas votivas, de santo e de azeite que caracterizam a comida baiana, com sua forte identidade e imagem. A Feira de São Joaquim, por exemplo, é um ponto forte da economia local ligado à cadeia de produção e serviços que movimenta tanto o turismo quanto o consumo doméstico.

“Essa feira é uma junção da gastronomia baiana, que tem um espaço muito especial com os alimentos ligados diretamente ao acarajé”, disse Galas, ressaltando que essa é uma comida identitária, que tem uma relação direta com a imagem. Para ela, além de reconhecer as atividades das baianas de acarajé como um patrimônio cultural, é importante lembrar que desse alimento também depende a subsistência de várias famílias.

Para Galas, a comida baiana é uma identidade alimentar que ultrapassa os limites de territórios sociais e religiosos na cidade de Salvador. Ela contextualizou a luta das Baianas de Acarajé, com histórias de resistência e questões de sobrevivência em torno desse patrimônio cultural, passando por racismo, economia familiar e linhagem feminina que envolvem os diversos aspectos políticos, culturais e linguísticos presentes na construção do patrimônio.

Desafios da cultura alimentar

Outros desafios dessa cultura alimentar relacionam-se às normas sanitárias, além de conflitos religiosos que perpassam o conjunto simbólico. Por isso, a Associação das Baianas de Acarajé e Mingau realiza ações de capacitação e educativas para preservar o patrimônio e garantir a sobrevivência das mulheres e suas famílias, como o Memorial das Baianas, museu registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ligado ao Ministério da Cultura (MinC).

Como trilhas e caminhos para futuros estudos, a museóloga trouxe os temas dos conflitos agrários, preservação ambiental e agricultura familiar das comunidades quilombolas na produção do azeite no Pará e na Bahia; o desafio da renovação das plantas, modernização do processo e permanência do sentido; identidades e racismo: o acarajé e a comida de tabuleiro na contemporaneidade; o acarajé, as baianas e a religiosidade do povo; e o valor do acarajé como tradição alimentar, elemento do turismo e da sustentabilidade.

O chefe de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) da Embrapa Alimentos e Territórios, Ricardo Elesbão, falou sobre os trabalhos da Unidade conectados à alimentação, ao turismo e à gastronomia. Ele destacou ainda a preocupação com a preservação da imaterialidade relacionada à comida, ressaltando a importância desse olhar também para as plantas que vieram da África. 

Na visão do pesquisador Renato Manzini, a palestra conectou vários elementos como turismo, gastronomia e religião, a partir de um olhar diferenciado que contribui para subsidiar as propostas de trabalho conduzidas no centro de pesquisa. “Não podemos esquecer esse lastro histórico; isso facilita para que a gente entenda, dentro de um contexto mais amplo, o que é o alimento que vamos trabalhar e qual sua relação com o território em que se insere, envolvendo questões sociais, econômicas e, neste caso, com mais força, as tradições espirituais associadas à sua produção e consumo”, observou.

A pesquisadora Patrícia Bustamante também comentou sobre o trabalho feito com as boleiras alagoanas, que se preocupa em dar visibilidade aos povos que contribuíram ao longo da história para a confecção dos bolos tradicionais. Ela coordena o projeto Boleiras das Alagoas, que visa promover o ofício e a autonomia econômica sustentável das boleiras alagoanas, além de compartilhar experiências por meio de capacitações técnicas.

Assista à apresentação no canal da Embrapa no YouTube.

Nadir Rodrigues (MTb 26.948/SP)
Embrapa Alimentos e Territórios

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Mais informações sobre o tema
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