22/12/15 |   Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Diálogo aberto

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Foto: Gabriel Pupo Nogueira

Gabriel Pupo Nogueira -
O conceito de inovação foi ampliado ao longo dos tempos. Antes restrito a produto ou processo, abrange hoje também, por exemplo, a gestão de empresas. Como processo, tem sido influenciado pela internet, pelas facilidades da comunicação e pelo advento das redes, sistemas e estruturas que trouxeram com elas  maior descentralização, inserção de novos atores no desenvolvimento da inovação e mudanças na maneira de inovar por parte das organizações.  Sobre isso e sobre as tendências e casos de sucesso relacionados ao tema, fala, nesta entrevista à  – Ciência para a Vida, José Carlos Barbieri.
 
Mestre e doutor pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), mantida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde também é professor, Barbieri desenvolve pesquisas nas áreas de gestão ambiental e da inovação. É autor e coautor de livros, capítulos de livros e artigos sobre desenvolvimento sustentável, gestão ambiental e da inovação publicados no Brasil e em diversos países. É, ainda, membro do Fórum de Inovação da FGV/Eaesp. 
 
Ciência para a vida - Quais são as principais teorias sobre inovação? 
José Carlos Barbieri - Existem muitas, nas áreas da sociologia, da economia... Na administração, trabalhamos de forma mais pragmática, com base na experiência das empresas e nos estudos empíricos. Para isso, utilizamos várias teorias: Evolucionista, Institucionalista, Teoria Clássica da Inovação. No entanto, o mais importante é conhecer o que as organizações fazem, o que pensam e principalmente a relação entre as estratégias adotadas por elas e suas práticas relacionadas à inovação.
 
Ciência para a vida - O que pode ser considerado inovação no mundo atual?
José Carlos Barbieri - No passado, compreendia-se inovação apenas como produto ou processo – um novo produto substituindo um antigo ou uma mudança no processo produtivo. Hoje, temos um conceito mais amplo. Falamos também em inovação em gestão, em marketing e em negócios; inovação de produto, que pode ser um bem físico ou um serviço, novo ou melhorado; inovação em processo produtivo; inovação em gestão a partir de um novo método para realizar atividades administrativas, para gerenciar uma organização, uma visão diferente de negócio da que até então a organização praticava. Se olharmos o Manual de Oslo, por exemplo, que classifica a inovação e cria uma linguagem específica para gerar dados sobre ela, há tipos de inovação um pouco diferentes desses quatro, mas muito próximos.
 
Ciência para a vida - As redes vêm emergindo com mais força por causa da internet e das facilidades de comunicação. Quais são os impactos dessas estruturas relacionados à inovação na área científica? 
José Carlos Barbieri - Uma consequência das redes é a possibilidade maior de descentralização do processo de inovação. Antes, esse processo era muito centrado em grandes empresas com unidades de P&D, com parque fabril e planta produtiva consolidada. Com a criação das redes, surgem novos empreendedores que passam a conceber produtos, processos e negócios, independentemente da estrutura tradicional de pesquisa. Uma pessoa pode ter uma boa ideia em um laboratório universitário. No passado, essa ideia ficava perdida, pois não era possível levá-la para o mercado, para a sociedade ou era muito difícil. Hoje em dia existem muito mais possibilidades. Por exemplo, as redes podem captar recursos para o gerador de uma ideia, que a partir daí forma uma empresa e introduz na sociedade um novo produto ou processo, ou uma nova maneira de prestar um serviço ou realizar uma atividade. Com as redes, tornou-se mais fácil conectar pessoas com características, formas de pensamento e conhecimento diferentes, investidores e consumidores diretamente, transformar ideias em produtos e serviços. Isso é inovação. As redes tornaram esse processo mais fluido.
 
Ciência para a vida - Podemos, então, afirmar que as redes possibilitam a inclusão de novos atores no desenvolvimento da inovação, atores esses que antes eram excluídos do processo?
José Carlos Barbieri - Com certeza as redes fazem surgir novos atores. E, além disso, os atores tradicionais, grandes empresas com práticas consolidadas, mudaram sua maneira de inovar. De um lado, novos atores, que antes tinham dificuldade de trazer suas ideias para o mercado, agora têm seu trabalho facilitado. De outro, as grandes empresas não ficam de braços cruzados: usam as redes para formar parcerias e captar geradores de ideia que se alinham com suas estratégias. As redes trouxeram novos atores e mudaram a forma das grandes organizações produzirem inovação. No âmbito da gestão, atualmente fala-se muito em inovação aberta (open innovation), um conceito popularizado por Henry Chesbrough, segundo o qual ideias e conhecimentos gerados internamente por uma empresa podem e devem ser levados ao mercado por meio de canais externos, fora de seus negócios usuais para capturar valor adicional para ela e seus parceiros.
 
Ciência para a vida - Como é possível lidar com tantas informações e novidades que surgem a todo momento? 
José Carlos Barbieri - A quantidade de novidade que surge diariamente em função das redes é algo que ainda precisa ser pesquisado. É algo dinâmico, atual e extremamente importante e, por isso, começa a causar certa aflição no mundo acadêmico, que sente necessidade de conhecer melhor a questão. Há uma novidade atrás da outra e elas não surgem mais somente pelos sistemas tradicionais de difusão de inovação, como por exemplo os licenciamentos de patentes e a venda de know how pelos sistemas tradicionais. A impressão é que estamos caminhando em terreno pantanoso. A novidade que está chegando agora já estará ultrapassada daqui a alguns dias. Isso é produto da facilidade de conexão, de juntar geradores de ideia do mundo todo com investidores. Daí começam a surgir associações de "anjos", o crowdfunding e outras formas de apoio às inovações. O capital de risco começa a se tornar mais importante, mais viável para aplicadores não conservadores, ampliando ainda mais a quantidade de inovações, favorecendo também as empresas. A ideia de inovar é acompanhada de parcerias e do aproveitamento do conhecimento de parceiros, algo que antes não estava alinhado à estratégia das empresas. As conectividades têm mudado demais o modo de produzir inovação.
 
Ciência para a vida - O que caracteriza uma rede de inovação?
José Carlos Barbieri - Esse nome é muito genérico. Existem organizações que trabalham em rede por meio de protocolos estabelecidos entre elas, com repartição de atividades, de benefícios, direitos e deveres. E existem redes mais abertas, onde as pessoas se juntam em busca de financiadores para uma ideia importante. Não existe apenas um formato. Essa é uma característica desse mundo atual. Há diversas experiências acontecendo ao mesmo tempo e possibilidades variadas: organizações que fazem a mediação entre atores, outras que captam recursos para apoiar inovadores e empresas utilizando-se de redes constituídas por elas mesmas, que incluem seus fornecedores e consumidores, com objetivo de gerar informações para melhorar produtos e necessidades latentes. Há redes formadas em torno de problemas específicos, como as que tratam de questões ambientais, como a rede criada pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) para apoiar e desenvolver o conceito de produção mais limpa, envolvendo universidades, governos, associações empresariais, entre outros.
 
Ciência para a vida - Essa forma de trabalho em rede é capaz de acelerar o desenvolvimento científico?
José Carlos Barbieri - Sem dúvida. Uma das possibilidades é a de se usar mais os conhecimentos existentes. Do ponto de vista tecnológico, não importa se o conhecimento é novo. O que importa é se ele é novo para determinado mercado. Além disso, estimula o surgimento de pesquisas, de novos tipos de arranjos para desenvolvimento e aplicação de novos conhecimentos.
 
Ciência para a vida - Como o senhor avalia a experiência de envolver recursos humanos de fora das organizações ou mesmo pessoas leigas em ciência no processo de P&D?
José Carlos Barbieri - Essa também é uma tendência importante decorrente da  facilidade de conexão. As pessoas escolhem voluntariamente onde querem se encaixar em relações que podem ser momentâneas, específicas, ou em algo mais duradouro. Essas experiências são válidas e tendem a se reproduzir em muitos formatos, um aprendendo com o outro, eliminando erros. A tendência é aumentar essa conectividade entre pessoas e organizações. 
 
Ciência para a vida - Mas esse é um processo novo ou apenas foi intensificado nos últimos anos? 
José Carlos Barbieri - O movimento da qualidade que começou com as empresas japonesas, nos anos 1970, já trouxe conceitos fundamentais de gestão em rede. Entre eles, o de que todas as pessoas podem contribuir com a inovação, não apenas um determinado órgão ou célula específica da empresa. Essa ideia trouxe como consequência o conceito de melhoria contínua. Uma melhoria em um produto ou em um processo é uma pequena inovação incremental. Se todos fizerem isso ao longo do tempo, aumenta-se a eficiência operacional e gera-se um aprendizado contínuo na organização. Hoje, o conceito de Gestão da Inovação absorveu essa ideia. A organização não pode desperdiçar o conhecimento da sua equipe e daqueles que se relacionam com ela. Espera-se que pessoas de qualquer nível ou função deem ideias para a melhoria dos produtos e da gestão, bem como de clientes e fornecedores. Se todos se preocupam em produzir cada vez melhor, ocorre o que se chama de "melhoria contínua". A ideia de que todos podem participar da inovação é uma consequência desse movimento. O passo seguinte foi incluir outros atores não ligados diretamente às empresas e isso foi facilitado pela tecnologia de informação e comunicação, aliada a uma predisposição para cooperação entre organizações diferentes.
 
Ciência para a vida - Mas, no Brasil, de uma forma geral, parece que as instituições ainda são resistentes a se abrir para experiências diferenciadas. Podemos dizer isso?
José Carlos Barbieri - Essa resistência é muito justificável. Muitas vezes é uma prudência. Um inventor isolado ou um pesquisador de uma universidade que tem uma ideia ou um pequeno empresário que está desenvolvendo algo com alguns colegas, todos esses agentes têm mais liberdade de ação que uma empresa. Empresas têm mais regras e responsabilidades com seus stakeholders. É lógico que algumas organizações têm resistência em função da novidade em si. De modo geral, todo mundo tem um pouco de medo do novo. É natural. Isso acontece com as inovações. As resistências são típicas desse momento e perduram enquanto as pessoas não sabem muito bem o que está acontecendo, enquanto houver muita incerteza sobre o que acontecerá com elas.
 
Ciência para a vida - Que fatores determinam o êxito das redes que são formadas com o intuito de gerar inovação?
José Carlos Barbieri - Seja na forma de redes ou na forma convencional, a questão continua sendo a mesma: o sucesso de uma inovação depende da maneira como foi desenvolvida. A inovação só pode ser considerada um sucesso se for aceita pelo mercado (no caso de produto mercadológico) ou pela sociedade (no caso de tecnologia de natureza social). É preciso atender questões técnicas, econômicas e a maneira como ela será implementada, o que envolve aspectos organizacionais. Quando se trata de inovação, não basta falar em produtos e processos, tem que incluir a gestão, inclusive a gestão da própria inovação. O produto tem que se apresentar como vantajoso. O sucesso depende de como as questões técnicas, organizacionais e econômicas foram tratadas. Como a ação em rede é mais complexa, envolve mais atores com diferentes pontos de vista e objetivos, a inovação se tornou mais complexa nesse momento.
 
Ciência para a vida - Ao se formar uma rede com determinado objetivo, como administrar as expertises que estarão reunidas?
José Carlos Barbieri - Depende dos objetivos da rede. Se a ideia é formar uma rede para trabalhar com inovação na metodologia para mensuração de carbono em floresta, pode-se abrir a participação – quanto mais pessoas e organizações, melhor. Quando se trabalha com uma tecnologia própria, que será transformada em produto, que terá uma organização fabril por trás, aí a rede não pode ser aberta para a entrada de qualquer um. As pessoas vão oferecer conhecimento, mas também vão querer os benefícios. Por exemplo: nas inovações ligadas ao desenvolvimento de produtos e serviços para deficientes, quanto mais pessoas envolvidas, tanto do ponto de vista técnico quanto econômico, como financiadores, mais soluções serão obtidas, com maior velocidade e efetividade.
 
Ciência para a vida - Existem técnicas ou recursos para otimizar o trabalho de uma rede e sua eficiência?
José Carlos Barbieri - No campo de estudos da Gestão da Inovação, essa é uma questão central para a qual muitas pesquisas estão buscando respostas: como melhorar as atividades de grupos? Que programas serão usados? Quais métodos de aproveitamento de ideias e de aumento de criatividade serão adotados?  Como captar ideias? Como a inovação é uma questão vital para as organizações, as novidades nesse campo são inúmeras.
 
Ciência para a vida - E no Brasil, estamos acompanhando as tendências relacionadas à inovação? Temos casos de sucesso?
José Carlos Barbieri - Não podemos apontar uma tendência única. O Brasil está passando por um problema econômico bastante grave e isso reduz os investimentos em inovação. O que tem sido visto são inovações sustentadoras, para manter a posição da empresa no mercado em que atua. Inovações que poderiam dar um salto à frente, mais audaciosas, ficam prejudicadas pelo clima econômico. Mas não se pode falar do Brasil como um todo. Existem setores que estão um pouco melhor do que outros. Por exemplo, o País tem um desempenho muito grande na indústria de papel e celulose, na siderurgia, na aeronáutica, agronegócio, no setor petrolífero. Mas esses setores que tiveram avanços significativos não trabalharam sozinhos. É resultado de um trabalho em rede com diversos outros agentes privados e púbicos, como as universidades e as instituições de pesquisa. 
 
Ciência para a vida - Então é preciso que a estrutura das organizações sofra mudanças para avançar no modelo de redes?
José Carlos Barbieri - Sem dúvida, a configuração da organização e a cultura organizacional são fundamentais para a inovação. Uma organização muito burocratizada dificulta a inovação. Uma característica importante das organizações inovadoras, como apontado por estudos do Fórum de Inovação da Fundação Getúlio Vargas, refere-se ao ambiente interno da organização, onde as pessoas têm mais liberdade de apresentar ideias, as chefias são mais tolerantes, os conflitos são discutidos abertamente. Uma reconfiguração organizacional é importante para que haja inovação. As empresas que estão no ranking de "melhores empresas para trabalhar" também estão no ranking das "mais inovadoras". No Fórum de Inovação trabalhamos com um conceito chamado "meio inovador interno", ou seja, as pessoas dentro da organização têm que estar envolvidas com a inovação independentemente do cargo, da função que exerçam ou do nível hierárquico. Na visão convencional, a inovação é restrita a alguns setores da organização. Na visão moderna, todos têm alguma contribuição para dar. •
 

Juliana Miura
Secretaria de Comunicação da Embrapa - Secom

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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