Coalizões contra o desperdício de alimentos
Coalizões contra o desperdício de alimentos
Foto: Gustavo Porpino
Reduzir o desperdício de alimentos é uma ação com potencial de ganhos ambientais, sociais e econômicos
Autores: Gustavo Porpino, Alberto Pacheco Capella e Felicitas Schneider
Reduzir o desperdício de alimentos é uma ação com potencial de ganhos ambientais, sociais e econômicos. A redução das emissões de gases de efeito estufa, oportunidades de negócios de impacto social e a ampliação do acesso a alimentos saudáveis são alguns dos muitos impactos positivos alinhados à meta do ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) 12.3. O Brasil, líder da agenda do G20 em 2024, vive momento oportuno para acelerar a redução do desperdício de alimentos. Há gente criativa, várias centenas de foodtechs e agritechs, governos interessados no tema, e iniciativas louváveis como o Pacto Contra a Fome e o Todos à Mesa já implementadas. Apesar do potencial, ainda estamos longe de correr em busca da redução pela metade das perdas e do desperdício de alimentos até 2030. A caminhada tem sido lenta, mas pode ser acelerada por meio de parcerias público-privadas.
Os dados do Índice Global do Desperdício de Alimentos, divulgados em 27 de março pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), reforçam as evidências de que o descarte de comida, nas etapas de varejo e consumo, é um problema global, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. O índice global estima em 94 kg per capita, ao ano, o desperdício de alimentos na etapa de consumo familiar no Brasil. Este dado leva em conta apenas o consumo doméstico de alimentos e é resultante de um estudo piloto realizado, em 2023, em cinco regiões distintas da cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa realizou análises de resíduos orgânicos, por meio de gravimetria, em regiões do Rio com diferentes perfis socioeconômicos. É importante destacar que o montante de 94 kg por pessoa ao ano leva em conta tanto sobras de refeições, tais como arroz e feijão, quanto cascas de frutas e ossos.
Embora seja um estudo restrito à cidade do Rio de Janeiro, os dados mostram que o desperdício de alimentos ocorre mesmo em bairros de classe média baixa. Os fatores que levam ao desperdício precisam ser explorados em pesquisas qualitativas. Atenuar o problema envolve fatores desde o campo. Parte do desperdício deriva do manejo deficiente antes do alimento chegar aos consumidores, uso de embalagens inadequadas para armazenamento e transporte, e deficiências na cadeia do frio, mas os fatores comportamentais ainda são as principais causas do descarte de comida pelos consumidores. O estudo constatou que 62% do total de resíduos domésticos eram alimentos, portanto, isso representa uma oportunidade significativa para aliviar a pressão sobre os aterros sanitários, aumentar a circularidade e reduzir as emissões de metano.
Problemas complexos como as perdas no campo e o desperdício no varejo e consumo demandam soluções sistêmicas. O que isso quer dizer? Os governos não devem agir isoladamente, e as estratégias devem levar em consideração múltiplos fatores para levar a comida até a mesa das famílias. As soluções mais eficazes envolvem abordagem multissetorial. Reino Unido, Países Baixos, México, Austrália, Suíça e África do Sul estão entre os países do mundo com parcerias público-privadas implementadas para atenuar o desperdício de alimentos.
O pacto australiano contra o desperdício (End Food Waste Australia) tem o diferencial de captar recursos para ações de pesquisa e inovação e envolve mais de 100 organizações do campo à mesa, além de participação de diferentes níveis de governo. O Reino Unido, por meio do Courtauld Commitment, coloca em prática desde 2005 um acordo voluntário, assinado por mais de 150 empresas e governos, que permite ações colaborativas em toda a cadeia alimentar para proporcionar reduções do desperdício, das emissões de gases do efeito estufa e do estresse hídrico como forma de contribuir com o alcance dos objetivos ambientais globais.
O Pacto pela Comida, implementado no México, é liderado pela rede mexicana de bancos de alimentos em conjunto com a WRAP, uma ONG inglesa com atuação global. A WRAP recentemente anunciou investimentos para implementar um acordo voluntário contra o desperdício de alimentos no Brasil. Cada país adequa o modelo de governança das coalizões para a realidade local e as prioridades também são distintas, embora todos busquem reduzir o desperdício de alimentos. Enquanto países europeus valorizam o alcance da neutralidade de carbono, os países latinos focam nas oportunidades de enfrentamento à insegurança alimentar.
Apenas cinco membros do G20 (Austrália, Japão, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia) possuem dados robustos sobre desperdício de alimentos que possibilitem o acompanhamento do alcance das metas do ODS 12.3. Um relatório nacional de linha de base de resíduos alimentares domésticos para o Brasil, abrangendo quatro cidades brasileiras, está sendo desenvolvido atualmente para publicação em outubro de 2024. A medição regular no Brasil ajuda o país a entender a escala do problema, avaliar, ajustar estratégias de prevenção de desperdício de alimentos, e acompanhar o progresso do ODS 12.3 até 2030.
Nas etapas finais da cadeia produtiva de alimentos, um dos caminhos é ampliar a quantificação e a implementação de soluções para melhorar a gestão dos resíduos orgânicos, por exemplo, em centrais de abastecimento (Ceasas), feiras livres e supermercados. Em recente estudo da Embrapa, por meio dos Diálogos União Europeia – Brasil em parceria com o Instituto Comida do Amanhã e apoio técnico da Abrema, foi quantificado o desperdício em feiras livres de Curitiba, Recife e Rio Branco. As soluções podem envolver implementação de programas de colheita urbana para que alimentos seguros sejam destinados, por exemplo, a bancos de alimentos, e incremento da compostagem para os resíduos orgânicos não comestíveis. Os resíduos das feiras livres, por exemplo, podem virar adubo para hortas urbanas e escolares, ou serem transformados em biogás.
Em outubro, o Brasil deve sediar workshop sobre desperdício de alimentos alinhado à iniciativa Reunião dos Cientistas-Chefes Agrícolas dos Estados do G20 (MACS-G20). Além disso, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Ministério do Meio Ambiente, respectivamente, estão liderando a Estratégia Alimentação Saudável nas Cidades e a Estratégia Nacional de Resíduos Orgânicos Urbanos. Ambas ações estão alinhadas ao enfrentamento ao desperdício, que já possui uma estratégia nacional específica, desenvolvida em 2018 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e parceiros, a ser atualizada neste ano. Diante de tantas iniciativas, e da voz dada ao Brasil por meio do G20, o momento de mensurar, planejar e agir contra o desperdício é agora.
Gustavo Porpino atua na Embrapa desde 2006, onde liderou projetos do programa Diálogos União Europeia – Brasil sobre sistemas alimentares sustentáveis. É cofundador do Pacto Contra a Fome e colaborador de iniciativas de combate ao desperdício de alimentos da ONU.
Alberto Pacheco Capella é representante do PNUMA (Programa da ONU para o Meio Ambiente) no Brasil, lidera o Escritório Sub-regional para o Cone Sul desde 2022. Tem histórico extenso em políticas ambientais e integração de ecossistemas no desenvolvimento nacional.
Felicitas Schneider é pesquisadora do Instituto Thünen (Alemanha) e coordenadora da Iniciativa de Colaboração Perdas e Desperdício de Alimentos alinhada ao MACS-G20. É cofundadora do Conselho Alimentar de Braunschweig/Alemanha e colabora com a União Europeia, FAO e PNUMA no tema desperdício de alimentos.
Gustavo Porpino (MTb 648/RN)
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