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Produção de trigo no Cerrado do Brasil Central tem potencial para crescer 20 vezes
A região que produz o melhor trigo do País e um dos melhores do mundo em qualidade para panificação, o Cerrado do Brasil Central tem potencial para aumentar em vinte vezes sua área de produção. Segundo dados da Embrapa, em 2019, foram plantados cerca de 100 mil hectares com trigo sequeiro na região e há mais de dois milhões de hectares passíveis de serem cultivados com o grão nessa região.
De olho nesse potencial, pesquisadores e produtores rurais se reuniram no X Encontro Técnico da Cadeia Produtiva do Trigo para discutir as possibilidades e os desafios do plantio do trigo sequeiro (safrinha) e irrigado no Cerrado. O evento foi realizado no PAD-DF, maior produtor de trigo do Distrito Federal, localizado a 50 quilômetros de Brasília.
José Guilherme Brenner, presidente da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), organizadora do evento juntamente com a Embrapa, explica as vantagens da cultura para os produtores: “O nosso responsável técnico sempre diz: ‘Se você quiser colher feijão, você tem que plantar trigo’. O trigo não pode ser visto apenas como a cultura em si. Ele [o trigo] dá retorno financeiro, evidentemente, e ao mesmo tempo proporciona um ganho de qualidade de solo que possibilita aumentar a vida útil do pivô, por exemplo, e melhora o sistema de produção. A conta do trigo não é a conta só de uma cultura. É uma conta que tem que ser feita a longo prazo, dentro do sistema”.
O trigo melhora o desempenho da lavoura, quebra o ciclo das doenças que atacam a soja, evita o aparecimento de plantas daninhas, reduz a infestação de nematoide e deixa uma excelente palhada na propriedade. Por isso, Cláudio Malinski, engenheiro agrônomo da cooperativa, aposta que dentro de cinco ou seis anos a área com trigo no Cerrado vai aumentar muito: “A soja, o feijão ou o milho sempre produz mais sobre a cultura do trigo do que sobre outra cultura. Ao encarar a cultura como parte do sistema de produção, os produtores vão continuar a plantar o trigo. E a partir do momento em que nós dominarmos mais as tecnologias genéticas, a tendência é aumentar a área de plantio”.
Em uma conta simples, ele faz a seguinte prospecção: em 2019, com 30 mil hectares de trigo sequeiro no Distrito Federal e Entorno e uma produção média de 2 mil quilos por hectare, são 60 toneladas colhidas. O Planalto Central, região que engloba o PAD-DF, dispõe de mais de dois milhões de hectares onde o trigo pode ser plantado: “Pensando em uma área de dois milhões de hectares com produtividade de dois mil quilos, que é uma produtividade baixa, o Cerrado poderia produzir facilmente 4 milhões de toneladas explorando essa área com trigo sequeiro. O Centro-Oeste consome cerca de 1,5 milhão de tonelada de trigo, o que é facilmente atingível. Isso mostra a potencialidade que existe aqui”.
Outro ponto importante muito citado tanto pelos cooperados como pelos pesquisadores é a qualidade do grão produzido na região, que se destaca mesmo quando comparado com o trigo do Canadá e dos Estados Unidos, países com produção de excelente qualidade industrial. “Quando o produtor vai comercializar a BRS 264 [uma das cultivares desenvolvidas pela Embrapa], qualquer moinho compra sua produção sem questioná-lo”, informa o pesquisador o pesquisador da Embrapa Cerrados, Júlio Cesar Albrecht. Hoje, essa cultivar é plantada em cerca de 80% da área cultivada com trigo no Cerrado.
Ele explica a razão dessa qualidade: “Nós buscamos, em função da excelente oferta climática que temos aqui, agregar o fator genético no desenvolvemos das cultivares. E hoje o Cerrado do Brasil Central produz um dos melhores trigos do mundo em termos de qualidade industrial para panificação. Os moinhos têm atestado isso a partir da qualidade da farinha produzida com o trigo da região, tanto nas áreas irrigadas quanto nas de sequeiro”.
A qualidade para panificação, ela é medida em relação à estabilidade do grão – enquanto os moinhos exigem no mínimo 14 minutos de estabilidade, o trigo do PAD-DF tem mais de 30 minutos de estabilidade, mais que o dobro do tempo exigido –, e quanto à força de glúten. Os moinhos exigem força de glúten (W) entre 200 a 250. Na região, o grão chega a ter 500 de W.
Tecnologias próprias para a região
Paulo Bonato foi um dos primeiros produtores rurais a plantar trigo no PAD-DF, ainda na década de 1990. Naquela época, seu projeto não teve sucesso, segundo ele, porque não havia para quem vender a produção e principalmente por não existirem tecnologias específicas para o Cerrado. A segunda tentativa, depois da instalação do moinho da cooperativa, deu certo e ele não parou mais. “Houve uma interação com a Embrapa para a obtenção de cultivares já adaptadas para o Cerrado, mais resistentes a doenças, e a partir daí a cultura só evoluiu”, lembra.
O produtor aponta os fatores de sucesso da região: “Nós conseguimos melhorar principalmente a questão da produtividade de trigo para farinha, que é uma necessidade da cooperativa, em virtude do moinho. O uso de tecnologia e o envolvimento do produtor, acompanhando o dia a dia da cultura, identificando as particularidades de cada material para tentar minimizar os problemas que podem aparecer, com ajustes dos tratos culturais, foram fundamentais”.
Durante o evento, do qual participaram cerca de 110 pessoas, a maioria deles produtores rurais, o pesquisador Julio Albrecht falou sobre as variedades da Embrapa desenvolvidas especificamente para o Cerrado. “Nós temos aqui um alto potencial produtivo com um trigo super precoce, com ciclo 110 dias. Enquanto a média nacional está em torno de 2,7 toneladas por hectare, tem produtor da região produzindo quase oito toneladas por hectare e de um trigo de excelente qualidade.”, informa. A produtividade obtida no Cerrado é a maior de todo o País e se destaca mesmo em cenário mundial. Comparado ao Canadá e aos Estados Unidos, principais produtores do grão, os agricultores colhem essa mesma produção, mas com mais de 180 dias, que é o ciclo das cultivares utilizadas naquele país.
Para cada uma das cultivares de trigo desenvolvidas pela Embrapa para o Cerrado – as BRS 254, 264, 404 e 394 – o pesquisador apresentou as condições de plantio recomendadas, sua produtividade, em sequeiro e com irrigação, e a melhor época para semeadura: “Não é uma boa estratégia adiantar muito o período de plantio do trigo na safrinha para conseguir maior produtividade, porque com isso aumenta muito o risco de brusone no estado de Goiás, Minas Gerais e no Distrito Federal. O produtor tem que considerar a distribuição das chuvas na sua região no período da safrinha e encontrar o melhor momento para o plantio”.
A brusone é a principal doença que atinge o trigo no Centro-Oeste e que impede a maior expansão da cultura na região. Ela é de difícil controle e não existem produtos específicos para combatê-la. “Temos que trabalhar com épocas de plantio e manejo para que o espigamento do trigo fuja dos períodos mais favoráveis à doença”, explica o engenheiro agrônomo da Coopa-DF.
Na última safra, a doença foi um grande problema no PAD-DF. “No ano passado, tivemos um problema muito grande de sanidade. Muitas lavouras foram perdidas por causa de brusone, então isso pôs um ponto de interrogação sobre essa viabilidade”, lembra o presidente da Coopa-DF. Já o engenheiro agrônomo da cooperativa releva esse temor: “Mesmo com o problema da brusone no ano passado, não deve diminuir muito a área plantada com trigo, porque todos os produtores que semearam soja após esse trigo, mesmo que o trigo tenha trazido alguma frustração, eles tiveram benefício com a soja”.
Malinski conta que um produtor plantou soja em novembro de 2019 e nos locais onde havia lavoura de trigo antes, a soja teve um bom desenvolvimento. Já onde não foi plantado o trigo, o produtor teve que fazer o replantio da soja. “Só esse benefício já demonstra o quanto a cultura do trigo é importante. Os produtores têm que imaginar o trigo como uma ferramenta do sistema de produção. Em quatro anos de produção aqui, apenas um não foi bom. Nos outros três, o trigo trouxe bons benefícios financeiros também”, explica.
Para minimizar os riscos climáticos, o pesquisador da Embrapa enfatiza a necessidade de uma adubação adequada, capaz de proporcionar de proporcionar uma melhor distribuição das raízes das plantas, para que possam aproveitar melhor a umidade do solo, dos cuidados com o espaçamento das plantas e a densidade, que devem seguir a recomendação de cada cultivar, e o período de plantio. “O trigo vem se expandindo significativamente na região do Cerrado e para continuar essa expansão é preciso adotar estratégias de manejo da cultura indicados pela pesquisa para que se consiga os melhores resultados”, alerta.
Albrecht anunciou o lançamento de uma nova variedade de trigo da Embrapa Cerrados para 2021, também destinada ao Cerrado brasileiro para sistemas irrigados, com alta produtividade, qualidade para panificação e maior tolerância à brusone.
Manejo do solo e adubação do trigo
Djalma Martinhão, especialista em fertilidade de solos, apresentou sete etapas que devem ser seguidas pelos produtores para garantir uma boa safra. A primeira se refere ao conhecimento da fertilidade do solo.
O pesquisador da Embrapa Cerrados compara o crescimento da produtividade de soja e do consumo de fertilizantes de 1990 a 2012. Enquanto a produção cresceu de pouco mais de uma tonelada para três toneladas por hectare, a aplicação de fertilizantes partiu do mesmo ponto e subiu para 12 toneladas nesse período, um crescimento desproporcional aos ganhos de produtividade, avalia. O mesmo ocorreu com o milho cultivado na região. “Isso indica que há perdas no manejo das lavouras. É preciso definir um melhor manejo da adubação, para que o adubo aplicado tenha maior eficiência, e assim reduzir os custos para o produtor. Só o custo com a correção da acidez do solo e com adubação gira em torno de 20% a 30% do custo total de produção”, alerta.
Segundo Martinhão, a produtividade é resultado da combinação da oferta climática da região associada ao manejo do sistema feito pelo produtor. Há perdas causadas por falhas no manejo e outras por perda de água, sendo que, em geral, as primeiras são maiores e mais recorrentes, no caso das lavouras de soja e, portanto, podem ser evitadas com uma melhor definição do manejo de adubação.
Os dados de experimentos mostram isso. A eficiência do uso do fertilizante de soja aumentou de 31% pra 63% quando a calagem foi feita de forma adequada, quando comparada à calagem inadequada. No milho, essa eficiência cresceu para 117% toneladas, partindo de 28% toneladas, e do feijão, de 37% para 72%.
O uso adequado dessas tecnologias também garante o melhor desenvolvimento do sistema radicular das plantas, o que permite uma melhor absorção de água e nutrientes disponíveis no solo. Com o uso de gesso, em um solo com 40% de argila é necessário aplicar uma tonelada de gesso por hectare para que as raízes cresçam 20 centímetros em profundidade. Com uma dose de cinco toneladas de gesso, o resultado são raízes que alcançam até 1,20 metro de profundidade.
No caso do trigo, o gesso aumentou a quantidade de raízes em 71%. Na prática, isso significa que, em um período de 15 dias sem chuvas, o cultivo sem gesso absorveu uma lâmina de 59 milímetros de água, enquanto o cultivo com gesso aproveitou 90 milímetros. Essa diferença de 52% a mais de aproveitamento de água pelas plantas pode resultar na sobrevivência ou não da lavoura em período de escassez de chuvas. No mesmo experimento, depois dos 15 dias sem chuva, a produtividade na área sem gesso caiu de 3 para 2,2 toneladas por hectare. Já a área com gesso passou de 4,5 para 3,5 toneladas por hectare, o que representa uma produtividade 59% maior do que a área sem gesso.
O gesso ainda aumenta o potencial dos fertilizantes aplicados no solo. Pesquisas registraram aumento de 27% de aproveitamento de nitrogênio e 47% de fósforo e de potássio em áreas em que foi feita a gessagem.
O bom manejo da adubação fosfatada também é recomendado pelo pesquisador. No caso do fósforo, o adubo deve ser aplicado principalmente próximo às raízes. Experimentos realizados em Montividiu (GO) com a cultura da soja registraram melhores resultados quando o fertilizante foi aplicado a lanço, o que trouxe ganhos de até oito sacos por hectare quando comparado à adubação no sulco de plantio. “O aproveitamento do nitrogênio é de 60% na cultura do trigo, mas esse resultado pode melhorar, chegando a 75%”, afirma Martinhão.
Outra recomendação da pesquisa é a adoção do Sistema de Plantio Direto (SPD), que possibilita maior estoque de carbono no solo. Um experimento cultivado há 11 anos com plantio direto estocou 40 toneladas de carbono por hectare, quando recebeu adubação fosfatada. O estoque na área sem adubação foi de pouco mais de 36 toneladas. A área adubada também foi capaz de reter mais CO2, 10 toneladas por hectare.
Mais vantagens do trigo do Cerrado
O pesquisador Júlio Albrecht destacou outra vantagem da produção de trigo no Cerrado: o preço pago pelo cereal produzido nessa região: “Somos os primeiros a colher trigo no Brasil. Começamos a colheita em agosto, um período seco sem chuvas na colheita, quando os moinhos têm pouco ou nenhum estoque, enquanto o Sul colhe a maior parte da safra entre outubro e dezembro. Por isso o produtor consegue melhores preços por sua produção e facilidade na comercialização”.
Outros benefícios citados pelo pesquisador para a produção do Cerrado é a proximidade dos principais centros consumidores, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o que deixa o produto mais barato do que o trigo do Sul do País e da Argentina, devido ao frete.
Cláudio Malinski lembra que o maior preço pago também se aplica ao trigo de sequeiro: “Nosso trigo safrinha, que é o da primeira safra, é semeado no mês de março e a colheita ocorre em junho ou julho, quando já não chove mais. Isso faz a qualidade do grão ser muito boa porque a seca favorece o seu PH e impede a contaminação por micotoxinas, problema que é enfrentado por outras regiões produtoras. Só tem benefícios. Nosso trigo é muito bom mesmo. Se o produtor pensar no sistema de produção, ele sempre vai plantar trigo”.
Durante o evento, o pesquisador da Embrapa Trigo, Vanoli Fronza, apresentou os trabalhos de acompanhamento das lavouras em Uberaba (MG), onde também são desenvolvidas pesquisas sobre a cultura para o Cerrado. Vários estudos estão sendo conduzidos no triângulo mineiro para ajuste das recomendações das épocas de semeadura do trigo para que sejam minimizados os riscos para os agricultores e que deverão ser utilizados para a atualização do Zoneamento de Risco Climático, ferramenta utilizada pelo Governo Federal para subsidiar a concessão do crédito agrícola.
O presidente da Coopa-DF, José Guilherme Brenner, destaca a importância das pesquisas voltadas para o Cerrado. “Muito do que é feito na nossa região é fruto do trabalho da pesquisa. Nós vivemos hoje na nossa região, no Planalto Central, um apogeu do conhecimento técnico e de sua aplicação nas lavouras e percebemos na cooperativa, em especial no trabalho com o trigo, uma união muito grande da pesquisa com a produção, o que gerou materiais muito interessantes e viabilizou a cultura do trigo no Cerrado. Por isso, esse tipo de evento é fundamental para consolidar essa parceria”, afirma.
Juliana Miura (4563/DF)
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