Queda na venda de laticínios para estabelecimentos comerciais afetou o mercado spot (entre laticínios) Economia em recessão e redução da renda do produtor faz reduzir volume de leite no mercado. Importações 39% menores que as de 2019 contribuem para queda na oferta de leite em quase 200 milhões de litros. Mercado de leite europeu passa por problemas semelhantes. A pandemia do novo coronavírus tem desafiado a cadeia produtiva de lácteos que, segundo os especialistas, passa por movimentos bruscos. Primeiro, houve elevação nos preços dos produtos lácteos devido aos movimentos de consumo logo após o início do isolamento social. Para o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Glauco Carvalho, assim que a crise teve início, ocorreu uma elevação na demanda, aumentando os preços do leite UHT e do leite em pó, que durou até o fim de março. Em um segundo momento, que perdurou até meados de maio, ocorreu a regularização do consumo e a reorganização da captação e do mix de produtos pelos laticínios, privilegiando o leite UHT e o leite em pó, segundo Carvalho. “A indústria agiu rapidamente e os preços se normalizaram, mas depois começaram a cair”, conta. Os derivados do leite seguiram caminhos diferentes. O analista da Embrapa Denis Rocha informa que produtos como a muçarela e diversos tipos de queijo, cujo consumo depende muito de estabelecimentos comerciais como restaurantes, bares e pizzarias, foram fortemente afetados pelo fechamento dos canais de alimentação fora do lar. “A consequência foi a queda de preços desses produtos, puxando para baixo o mercado 'spot' (comércio de leite entre laticínios) e até mesmo o leite UHT foi afetado”, relata Rocha. Essa dinâmica de preços se refletiu no pagamento do leite ao produtor, que caiu 5% em maio. Para atenuar o impacto negativo sobre a rentabilidade, naquele mês também houve uma ligeira queda nos custos de produção (veja quadro abaixo). Já na segunda quinzena de maio, Rocha relata que “o mercado virou novamente, com forte valorização de preços, que vem se sustentando até este momento”. Para o especialista, isso se deve, principalmente, à baixa disponibilidade interna de leite e ao aquecimento da demanda, fortalecida pela liberação do auxílio emergencial do governo, beneficiando mais de cinquenta milhões de brasileiros, cujos recursos recebidos foram usados basicamente para a alimentação. “Tal valorização refletiu positivamente no pagamento de junho e nova alta deverá ocorrer em julho,” acredita Carvalho. Menos leite Em meio à desorganização provocada pela pandemia, o pesquisador alerta que alguns fatores devem ser monitorados: “Estimativas do Banco Central apontam queda de cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2020. Já são visíveis os reflexos negativos sobre os empregos e a renda da população, o que pode estabelecer um teto no preço de lácteos ao consumidor”. Rocha completa: “Ainda há grandes incertezas quanto à retomada da atividade econômica no País, o importante agora é manter a cautela na tomada de decisões”. Fora a pandemia, o fato de haver menos leite no mercado também influencia na direção em que os preços devem seguir. A nota de conjuntura publicada em junho pelo Centro de Inteligência do Leite (CILeite) da Embrapa aponta quatro fatores que contribuem para a baixa disponibilidade do produto no mercado: o período de entressafra na produção nacional; a piora na rentabilidade do produtor (que faz com que descartem vacas e reduzam a produção); problemas climáticos; e queda nas importações. O primeiro fator se deve a razões sazonais. Os meses de maio a junho são o período de menor produção de leite no Brasil. O volume de leite produzido diariamente em maio fica em torno de 10% menor que a média anual. Neste ano, a produção ainda está sendo penalizada pela alta nos custos, puxados principalmente pelos gastos com concentrado. Quanto ao clima, o Rio Grande do Sul sofreu com eventos de seca no início do ano, comprometendo a produção. Já a respeito do volume das importações, os índices estão 39% mais baixos que em 2019 e a balança comercial de lácteos representa uma queda na oferta de quase 200 milhões de litros de leite. Portanto, o momento econômico dificulta estabelecer horizontes mais claros, mas não é exclusivo da cadeia produtiva do leite. No mercado internacional, problemas semelhantes O momento econômico é complexo não apenas no Brasil, mas ao redor do globo. O analista da Embrapa José Luiz Bellini, que participou, por teleconferência, da última reunião da Federação Internacional do Leite (FIL), relata que a situação do setor em países da Europa, por exemplo, é grave. “O Velho Continente é grande produtor e exportador de lácteos e depende da renda interna e do turismo, muito atingidos para manter o consumo”, conta. Segundo ele, os laticínios europeus seguiam a estratégia de fazer uma mudança no mix de produção, privilegiando o aumento da vida de prateleira e ampliação do estoque dos produtos. “Lá fora, como aqui dentro, o mercado está se adaptando à nova realidade e compras online e delivery tiveram um grande crescimento devido ao fechamento dos food services.” O analista diz ainda que pode haver um movimento de concentração do setor lácteo, com desaparecimento ou absorção de pequenos laticínios por grandes indústrias no mercado internacional. Vários países europeus já vislumbram uma retomada da economia, embora o turismo tenha sido fortemente afetado e provavelmente será um dos últimos setores a se recuperar. “Há um modesto otimismo nos países que iniciaram a reabertura da economia”, conta o analista. “A maioria dos representantes dos 43 países que integram a FIL acredita na retomada do setor em um gráfico na forma de “U” – após o decréscimo acentuado, haverá uma estabilização da crise, com um tempo maior para o retorno à normalidade, seguida de uma recuperação”, conclui. O também analista da Embrapa Lorildo Stock, em conferência com especialistas de 70 países da rede IFCN, discutiu os desdobramentos da crise leiteira relacionada à Covid-19. Stock é ainda mais modesto quanto à retomada do mercado internacional de lácteos: “Todos os cenários indicam que a renda das pessoas irá diminuir, o que não nos faz esperar muita coisa por parte da demanda de lácteos”. Segundo ele, “com uma recessão geral e consequências na disponibilidade de renda real das pessoas, a produção, ainda que pequena, pode não ter mercado, o que deve diminuir o preço, colocando ainda mais dificuldade para o produtor”. Acrescenta-se a isso, segundo Stock, “a valorização do dólar, o que intensifica a dificuldade para importação do produto em muitos países, como já é o caso do Brasil”. Com esse cenário, Stock reforça dizendo que a produção de leite no mundo vem tendo crescimento pequeno desde o ano passado (1,4%), o que deve se repetir este ano. Fotos: iStock Custo de produção registrou primeira queda em maio, mas acumulado do ano aponta inflação O Índice de Custos de Produção de Leite da Embrapa Gado de Leite (ICPLeite/Embrapa) registrou queda de 0,96% no mês de maio, início da entressafra, quando os custos para o produtor geralmente se elevam. O principal fator para a deflação foi o custo da ração, influenciado pela queda dos custos do milho, fazendo com que o grupo Alimentação Concentrada caísse 2,6%. Segundo a analista da Embrapa Manuela Lana, outros dois grupos também apresentaram deflação: Energia e Combustíveis (-1,86%) e Produção e Compra de Volumosos (-0,79%). Houve elevação nos seguintes grupos: Qualidade do Leite (6,86%), Reprodução (3,21), Sal Mineral (1,19%) e Sanidade (0,56%). O aumento expressivo do grupo Qualidade do Leite deve-se ao preço dos sanitizantes, consequência da Covid-19. O grupo Mão de Obra permaneceu inalterado. O segundo quadrimestre começa acumulando inflação de 2,92%, tendo o grupo Qualidade do Leite como principal fator de alta (6,86%), seguido por Alimentação Concentrada (6,20%) e Mão de Obra (4,69%). Três grupos apresentaram deflação no acumulado do ano: Energia e Combustíveis (-1,86%), Produção e Compra de Volumosos (-0,79%) e Reprodução (-1,86%). Inflação acumulada O acumulado do ano aponta uma inflação de 2,92%, com a maior variação ocorrendo principalmente devido à crise provocada pela pandemia (alta dos preços de sanitizantes, que compõem o grupo Qualidade do Leite, além do custo da Mão de Obra). Os custos em 12 meses registraram aumento da ordem de 6,11%. Acompanhe na tabela abaixo como se comportaram os índices no período de um ano. Foto: iStock
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Pandemia adiciona mais variáveis que influenciam o mercado de leite
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Queda na venda de laticínios para estabelecimentos comerciais afetou o mercado spot (entre laticínios) -
Economia em recessão e redução da renda do produtor faz reduzir volume de leite no mercado. -
Importações 39% menores que as de 2019 contribuem para queda na oferta de leite em quase 200 milhões de litros. -
Mercado de leite europeu passa por problemas semelhantes. |
A pandemia do novo coronavírus tem desafiado a cadeia produtiva de lácteos que, segundo os especialistas, passa por movimentos bruscos. Primeiro, houve elevação nos preços dos produtos lácteos devido aos movimentos de consumo logo após o início do isolamento social. Para o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Glauco Carvalho, assim que a crise teve início, ocorreu uma elevação na demanda, aumentando os preços do leite UHT e do leite em pó, que durou até o fim de março. Em um segundo momento, que perdurou até meados de maio, ocorreu a regularização do consumo e a reorganização da captação e do mix de produtos pelos laticínios, privilegiando o leite UHT e o leite em pó, segundo Carvalho. “A indústria agiu rapidamente e os preços se normalizaram, mas depois começaram a cair”, conta.
Os derivados do leite seguiram caminhos diferentes. O analista da Embrapa Denis Rocha informa que produtos como a muçarela e diversos tipos de queijo, cujo consumo depende muito de estabelecimentos comerciais como restaurantes, bares e pizzarias, foram fortemente afetados pelo fechamento dos canais de alimentação fora do lar. “A consequência foi a queda de preços desses produtos, puxando para baixo o mercado 'spot' (comércio de leite entre laticínios) e até mesmo o leite UHT foi afetado”, relata Rocha.
Essa dinâmica de preços se refletiu no pagamento do leite ao produtor, que caiu 5% em maio. Para atenuar o impacto negativo sobre a rentabilidade, naquele mês também houve uma ligeira queda nos custos de produção (veja quadro abaixo). Já na segunda quinzena de maio, Rocha relata que “o mercado virou novamente, com forte valorização de preços, que vem se sustentando até este momento”. Para o especialista, isso se deve, principalmente, à baixa disponibilidade interna de leite e ao aquecimento da demanda, fortalecida pela liberação do auxílio emergencial do governo, beneficiando mais de cinquenta milhões de brasileiros, cujos recursos recebidos foram usados basicamente para a alimentação. “Tal valorização refletiu positivamente no pagamento de junho e nova alta deverá ocorrer em julho,” acredita Carvalho.
Menos leite
Em meio à desorganização provocada pela pandemia, o pesquisador alerta que alguns fatores devem ser monitorados: “Estimativas do Banco Central apontam queda de cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2020. Já são visíveis os reflexos negativos sobre os empregos e a renda da população, o que pode estabelecer um teto no preço de lácteos ao consumidor”. Rocha completa: “Ainda há grandes incertezas quanto à retomada da atividade econômica no País, o importante agora é manter a cautela na tomada de decisões”.
Fora a pandemia, o fato de haver menos leite no mercado também influencia na direção em que os preços devem seguir. A nota de conjuntura publicada em junho pelo Centro de Inteligência do Leite (CILeite) da Embrapa aponta quatro fatores que contribuem para a baixa disponibilidade do produto no mercado: o período de entressafra na produção nacional; a piora na rentabilidade do produtor (que faz com que descartem vacas e reduzam a produção); problemas climáticos; e queda nas importações.
O primeiro fator se deve a razões sazonais. Os meses de maio a junho são o período de menor produção de leite no Brasil. O volume de leite produzido diariamente em maio fica em torno de 10% menor que a média anual. Neste ano, a produção ainda está sendo penalizada pela alta nos custos, puxados principalmente pelos gastos com concentrado.
Quanto ao clima, o Rio Grande do Sul sofreu com eventos de seca no início do ano, comprometendo a produção. Já a respeito do volume das importações, os índices estão 39% mais baixos que em 2019 e a balança comercial de lácteos representa uma queda na oferta de quase 200 milhões de litros de leite. Portanto, o momento econômico dificulta estabelecer horizontes mais claros, mas não é exclusivo da cadeia produtiva do leite.
No mercado internacional, problemas semelhantes
O momento econômico é complexo não apenas no Brasil, mas ao redor do globo. O analista da Embrapa José Luiz Bellini, que participou, por teleconferência, da última reunião da Federação Internacional do Leite (FIL), relata que a situação do setor em países da Europa, por exemplo, é grave. “O Velho Continente é grande produtor e exportador de lácteos e depende da renda interna e do turismo, muito atingidos para manter o consumo”, conta. Segundo ele, os laticínios europeus seguiam a estratégia de fazer uma mudança no mix de produção, privilegiando o aumento da vida de prateleira e ampliação do estoque dos produtos. “Lá fora, como aqui dentro, o mercado está se adaptando à nova realidade e compras online e delivery tiveram um grande crescimento devido ao fechamento dos food services.” O analista diz ainda que pode haver um movimento de concentração do setor lácteo, com desaparecimento ou absorção de pequenos laticínios por grandes indústrias no mercado internacional.
Vários países europeus já vislumbram uma retomada da economia, embora o turismo tenha sido fortemente afetado e provavelmente será um dos últimos setores a se recuperar. “Há um modesto otimismo nos países que iniciaram a reabertura da economia”, conta o analista. “A maioria dos representantes dos 43 países que integram a FIL acredita na retomada do setor em um gráfico na forma de “U” – após o decréscimo acentuado, haverá uma estabilização da crise, com um tempo maior para o retorno à normalidade, seguida de uma recuperação”, conclui.
O também analista da Embrapa Lorildo Stock, em conferência com especialistas de 70 países da rede IFCN, discutiu os desdobramentos da crise leiteira relacionada à Covid-19. Stock é ainda mais modesto quanto à retomada do mercado internacional de lácteos: “Todos os cenários indicam que a renda das pessoas irá diminuir, o que não nos faz esperar muita coisa por parte da demanda de lácteos”. Segundo ele, “com uma recessão geral e consequências na disponibilidade de renda real das pessoas, a produção, ainda que pequena, pode não ter mercado, o que deve diminuir o preço, colocando ainda mais dificuldade para o produtor”. Acrescenta-se a isso, segundo Stock, “a valorização do dólar, o que intensifica a dificuldade para importação do produto em muitos países, como já é o caso do Brasil”. Com esse cenário, Stock reforça dizendo que a produção de leite no mundo vem tendo crescimento pequeno desde o ano passado (1,4%), o que deve se repetir este ano.
Fotos: iStock
Custo de produção registrou primeira queda em maio, mas acumulado do ano aponta inflação
O Índice de Custos de Produção de Leite da Embrapa Gado de Leite (ICPLeite/Embrapa) registrou queda de 0,96% no mês de maio, início da entressafra, quando os custos para o produtor geralmente se elevam. O principal fator para a deflação foi o custo da ração, influenciado pela queda dos custos do milho, fazendo com que o grupo Alimentação Concentrada caísse 2,6%. Segundo a analista da Embrapa Manuela Lana, outros dois grupos também apresentaram deflação: Energia e Combustíveis (-1,86%) e Produção e Compra de Volumosos (-0,79%).
Houve elevação nos seguintes grupos: Qualidade do Leite (6,86%), Reprodução (3,21), Sal Mineral (1,19%) e Sanidade (0,56%). O aumento expressivo do grupo Qualidade do Leite deve-se ao preço dos sanitizantes, consequência da Covid-19. O grupo Mão de Obra permaneceu inalterado.
O segundo quadrimestre começa acumulando inflação de 2,92%, tendo o grupo Qualidade do Leite como principal fator de alta (6,86%), seguido por Alimentação Concentrada (6,20%) e Mão de Obra (4,69%). Três grupos apresentaram deflação no acumulado do ano: Energia e Combustíveis (-1,86%), Produção e Compra de Volumosos (-0,79%) e Reprodução (-1,86%).
Inflação acumulada
O acumulado do ano aponta uma inflação de 2,92%, com a maior variação ocorrendo principalmente devido à crise provocada pela pandemia (alta dos preços de sanitizantes, que compõem o grupo Qualidade do Leite, além do custo da Mão de Obra). Os custos em 12 meses registraram aumento da ordem de 6,11%. Acompanhe na tabela abaixo como se comportaram os índices no período de um ano.
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Rubens Neiva (MTb 5.445/MG)
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