Evidências recentes de estudos observacionais e de ensaios clínicos controlados indicam que a gordura do leite, embora predominantemente saturada, apresenta efeitos neutros ou positivos à saúde cardiometabólica. Tais benefícios têm sido atribuídos à natureza química complexa e singular da gordura do leite, que contém diversos compostos potencialmente benéficos à saúde, como os ácidos butírico (C4:0), vacênico (C18:1 trans-11), rumênico (CLA cis-9, trans-11), oleico (C18:1 cis-9), α-linolênico (C18:3 n-3) e alguns ácidos graxos (AG) de cadeia ímpar e/ou ramificada (ex.: C15:0). Em particular, a maior parte dos ácidos rumênico e oleico secretados no leite são sintetizados na glândula mamária por ação da enzima estearoil-CoA desaturase-1 (SCD1) por meio da introdução de uma dupla ligação no carbono 9 nos seus precursores (C18:1 trans-11 e C18:0, respectivamente), sendo as relações entre seus produtos e substratos (denominadas índices de desaturase) comumente utilizadas como indicadores da atividade desta enzima na glândula mamária. Uma proporção significativa da variação fenotípica no perfil de ácidos graxos do leite tem sido atribuída à ocorrência de polimorfismos no gene da SCD1 em raças taurinas, mas não há estudos dessa natureza em raças zebuínas. Dada a importância da raça Gir e dos seus mestiços para a produção de leite no Brasil, este projeto teve como objetivos: 1) Estimar a variação fenotípica no perfil de ácidos graxos do leite, determinado por cromatografia gasosa; 2) Investigar, por meio de estudo de associação, a influência de polimorfismos no gene da SCD1 (identificados por ‘target sequencing’) sobre esta característica; e 3) Predizer o impacto funcional das variantes genéticas encontradas utilizando ferramentas de bioinformática. Amostras individuais de leite e sangue foram coletadas de 312 vacas Gir entre 30 e 120 dias de lactação, distribuídas em 10 rebanhos localizados nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Paraíba e Rio Grande do Norte. Uma menor variabilidade individual foi observada para o índice SCD18 em relação aos demais índices de desaturase, sendo esta resposta consistente entre os diferentes estudos publicados, sugerindo que a atividade da SCD1 sobre o C18:0 é mais estreitamente regulada do que para os outros substratos desta enzima na glândula mamária. Foram identificadas 14 variantes da SCD1, sendo seis delas ainda não reportadas na literatura. Todos os animais foram homozigotos para o principal polimorfismo descrito em raças taurinas (A293V), que resulta na substituição de uma alanina por uma valina na proteína. Por outro lado, todos os genótipos (AA, GA e GG) foram detectados para o segundo SNP ( single nucleotide polymorphism) da variante A293V (i.e. substituição G>A na terceira base do códon), com evidências de efeitos funcionais desta mutação, consistente com a associação observada entre esse SNP e as proporções de ácido oleico e ácido rumênico na gordura do leite, e com os seus respectivos índices de desaturase (i.e. C18:1 cis-9/C18:0 e CLA cis-9, trans-11/C18:1 trans-11). Além disso, outro SNP (rs523411937), encontrado na região 3’UTR do gene da SCD1, foi também associado com as proporções de alguns ácidos graxos e índices de desaturase na gordura do leite. Por fim, uma nova variante identificada neste estudo (N244D) foi prognosticada como afetando a função da proteína, o que merece investigação em estudos futuros. Os resultados deste estudo mostraram que, como observado em raças taurinas, há considerável variação fenotípica no perfil de ácidos graxos do leite de vacas Gir, com algumas das variantes no gene da SCD1 identificadas neste estudo apresentando potencial para uso nos programas de melhoramento desta raça visando à produção de leite com maior valor nutricional.