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Qualidade e saúde debaixo da sombra
Foto: Paula Rodrigues
Equipamentos para pós-colheita de hortaliças minimizam o desperdício de alimentos e contribuem para o bem-estar do agricultor familiar
O aprimoramento ininterrupto dos sistemas produtivos e das técnicas de manejo é ponto-chave para que os cultivos agrícolas superem, em um curto intervalo de tempo, os desafios impostos por novas pragas e doenças, por efeitos advindos das mudanças climáticas, ou por diversos outros fatores que frequentemente ameaçam a produtividade de inúmeras culturas. Assim, o investimento aportado em tecnologia de produção é primordial para que a oferta de alimentos atenda às necessidades de uma população mundial que ultrapassa sete bilhões de pessoas.
Contudo, se por um lado é preciso aumentar a disponibilidade de alimentos, por outro, torna-se fundamental assegurar que os alimentos produzidos não sejam desperdiçados em quaisquer das etapas seguintes à produção, principalmente frente a um cenário no qual um a cada oito habitantes do planeta passa fome. O último relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre desperdício de alimentos, divulgado em 2011, estimou que aproximadamente um terço da produção global de alimento é perdido, o que totaliza 1,3 bilhão de toneladas desperdiçado anualmente. O problema adquire proporções maiores se, além da perda do alimento, forem considerados os gastos com insumos como água e terras agricultáveis, itens cada vez mais escassos no planeta, e as emissões de gases de efeito estufa geradas durante a produção.
Com implicações socioeconômicas e ambientais, o desperdício de alimentos apresenta causas variadas e o estágio de desenvolvimento de um país interfere no tipo de perda. Por exemplo, nos países desenvolvidos, cerca de um quarto dos alimentos comprados pelas famílias encontra no lixo sua destinação final, enquanto que nos países em desenvolvimento, o prejuízo maior ocorre em virtude de uma infraestrutura de pós-colheita incipiente. Quando se fala em hortaliças (a afirmação também vale para frutas), alimentos que são altamente perecíveis e geralmente consumidos frescos, os cuidados necessários após a colheita devem ser intensivos, tanto para evitar danos mecânicos, que podem servir como porta de entrada de microrganismos causadores de doenças, quanto para garantir a qualidade organoléptica dos produtos, ou seja, os atributos percebidos pelos sentidos como sabor, aroma e consistência.
Os estágios da pós-colheita de hortaliças compreendem seleção, classificação, limpeza, armazenamento, transporte e comercialização, e cada um responde por um determinado percentual das perdas de produto. Para minimizar o desperdício e manter a qualidade das hortaliças comercializadas no mercado brasileiro, bem como propiciar ao agricultor melhores condições de trabalho, na etapa de seleção e classificação, a Embrapa Hortaliças desenvolveu equipamentos, voltados principalmente para as propriedades de base familiar, que contribuem para as boas práticas na pós-colheita de hortaliças.
O valor da sombra
As hortaliças, mesmo após a colheita, mantêm uma acelerada atividade metabólica. Por isso, a exposição a elevadas temperaturas pode acentuar a deterioração e diminuir o tempo de prateleira desses alimentos. "A exposição ao sol, mesmo que por períodos curtos, acelera a desidratação e o amadurecimento, tornando as hortaliças mais suscetíveis às podridões e menos atraentes para o consumidor", explica a pesquisadora Milza Moreira Lana, da Embrapa Hortaliças, ao ponderar que a menor durabilidade não reduz somente o tempo disponível para o agricultor escoar a produção, como também prejudica a renda obtida, já que produtos deteriorados possuem menor valor comercial.
Por isso, após diagnósticos do manuseio pós-colheita de hortaliças em áreas de produtores familiares do Distrito Federal, foi desenvolvida a Unidade Móvel de Sombreamento (UMS), uma estrutura simples e de baixo custo que deve ser instalada próxima à lavoura para que as hortaliças sejam imediatamente removidas para a sombra após a colheita. "A estrutura também serve para as frutas como maracujá, que estragam muito rapidamente quando ficam debaixo do sol. Sem falar que para os produtores que não têm dinheiro para construir um galpão, acaba sendo uma alternativa muito boa porque não precisamos ficar expostos ao tempo para selecionar os produtos", aprova Gilberto dos Santos, agricultor familiar do Núcleo Rural Pipiripau/DF.
O efeito de uma temperatura interna alta em hortaliças causam danos visíveis como frutos manchados e murchos, o que aumenta as perdas pós-colheita. Para o casal de produtores Antônio e Maria Lucilene Martins, que mantém uma propriedade familiar no Núcleo Rural Rio Preto/DF, a barraquinha (como foi carinhosamente batizada) impede que os produtos estraguem depressa. "Ainda que esteja muito quente, só o fato de o sol não bater direto nas hortaliças já protege os frutos", explica Maria Lucilene que também aponta como vantagem poder classificar as hortaliças mesmo quando o tempo está chuvoso. A instalação da UMS acabou com os dias em que a classificação de hortaliças acontecia embaixo do pé de manga. "Essa ideia caiu do céu. Os vizinhos que visitam a propriedade ficam admirados e perguntam onde encontrar a barraquinha", relata Antônio.
Do ponto de vista da saúde do trabalhador rural, a UMS funciona como uma barreira que diminui a incidência de calor e de raios ultravioletas. "A exposição prolongada à luz solar é um risco físico para o agricultor que pode originar doenças como câncer de pele e catarata. Por isso, a utilização do equipamento repercute na qualidade do trabalho e na proteção da saúde do agricultor", analisa o médico do trabalho Osvaldo de Azevedo Monteiro Neto, especialista em ortopedia. De acordo com ele, a UMS também acarreta em uma evolução do processo laboral, uma vez que se trata de um equipamento de proteção coletiva (EPC) que beneficia, ao mesmo tempo, vários trabalhadores.
Intervenção ergonômica
A postura inadequada e o carregamento de peso excessivo são outros problemas recorrentes ao agricultor familiar que não dispõe de recursos para compra de maquinários. Por isso, para solucionar esse problema, foram desenvolvidos o carrinho para transporte e a mesa para seleção de hortaliças . Os pés da mesa, que são reguláveis, permitem que o agricultor ajuste a mesa da maneira mais confortável em função da própria altura.
"Além de ser mais fácil manusear os produtos na mesa, ao invés de nas caixas, há um conforto maior para as costas que não sentem tanta dor", avalia o produtor Márcio Costa, do Núcleo Rural Pipiripau/DF, para quem a regulagem em diferentes alturas facilitou o trabalho. "Como minha esposa é mais baixa, podemos adaptar o equipamento de acordo com o usuário. Essa mesa vale ouro", elogia.
Este equipamento para pós-colheita de hortaliças é um tipo de intervenção ergonômica porque reduz o risco do agricultor desenvolver lesões ou doenças osteomusculares, também conhecidas por DORT. "A utilização da mesa é uma medida simples, porém altamente eficaz, que adapta o trabalho ao homem e não o contrário. Indiretamente, vai contribuir para o aumento da produtividade e da qualidade do trabalho executado, uma vez que minimiza a sobrecarga da coluna vertebral", pondera o ortopedista Monteiro Neto.
Em relação aos benefícios para as hortaliças, a mesa de seleção facilita a visualização dos frutos doentes. "A mesa permite uma visão completa dos frutos. Quando se colhe pimentão, por exemplo, conseguimos separar mais facilmente aqueles acometidos por antracnose. Se um pimentão doente entrar em uma caixa de frutos saudáveis, em algumas horas 80% da caixa se perde", estima o agricultor familiar Antônio de Carvalho, do Núcleo Rural Rio Preto/DF, que acrescenta: "não posso arriscar perder minha produção, por isso, faço a seleção na mesa".
O carrinho para transporte completa a lista de equipamentos que aprimoram a pós-colheita de hortaliças nas áreas de agricultores familiares do Distrito Federal. Ele facilita o transporte dos frutos no campo e no mercado, e também reduz o estresse físico do agricultor que não precisa carregar nos ombros as caixas pesadas. "O carrinho permite a colheita mais rápida, preserva as caixas limpas e, ao evitar o contato com o solo, reduz a contaminação e a transmissão de doenças para as hortaliças", explica a pesquisadora Milza Lana.
Nas palavras de quem sentiu a melhoria, o carrinho é prático, fácil de ser transportado e aguenta mais caixas empilhadas. "O carrinho agilizou o trabalho, mas o que vale mesmo são os três equipamentos utilizados juntos. Para nós, se comparar o antes e depois, está tudo muito bom. Ave Maria!", responde toda prosa dona Maria Lucilene.
Paula Rodrigues (MTB 61.403/SP)
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