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05/04/21 |

Artigo - Recarga e sua importância para as águas subterrâneas e para a sustentabilidade da agricultura na região do Cerrado

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Foto: Lineu N. Rodrigues

Lineu N. Rodrigues -

Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados
Arnaldo José Cambraia Neto, bolsista de pós-graduação da Universidade Federal de Viçosa

Estudos indicam que cerca de 71% da superfície terrestre seja coberta com água, totalizando um volume de aproximadamente 1,386 bilhões de km³. A magnitude desse número é difícil de ser imaginada, principalmente quando pensamos que 1 km³ é igual a 1 trilhão de litros. Infelizmente, nem toda essa água está prontamente disponível para uso. Cerca de 97,5% dela está nos oceanos. Dos 2,5% da água que sobra, 22,7% são águas subterrâneas.

As águas subterrâneas são vitais para a sobrevivência e o desenvolvimento da humanidade. Elas se constituem na única fonte de água doce para as pessoas em várias regiões do planeta, especialmente nas áreas mais remotas, sendo estratégicas para a agricultura irrigada. No mundo, da água total utilizada para fins de irrigação, estima-se que cerca de 43% seja água subterrânea. Avaliar as fontes de recarga e os volumes disponíveis de água subterrânea é, portanto, estratégico para gestão de recursos hídricos e para o desenvolvimento sustentável.

No Brasil, a chuva é a principal fonte de recarga das águas subterrâneas. Os estudos apontam que cerca de 24% das vazões dos rios brasileiros (vazão média anual de 179.433 m³/s) e 49% das vazões mínimas (considerando 95% de permanência) são provenientes das águas subterrâneas. No Bioma Cerrado, devido às suas características climáticas e de solo, as águas subterrâneas são de grande importância para a manutenção das vazões mínimas nos cursos d’água e da vegetação nativa, sobretudo nos períodos de estiagem.

A exploração de águas subterrâneas está pautada primordialmente na sua recarga, que, em muitos casos, não se faz na mesma proporção da sua explotação (exploração econômica), podendo resultar em riscos de exaustão de parte das reservas permanentes do aquífero. A redução na recarga de aquíferos tem como uma das consequências o rebaixamento do lençol freático, comprometendo as vazões nos rios, que são fundamentais para a manutenção da atividade econômica na região durante o período de estiagem. 

A dificuldade de se quantificar a recarga, em decorrência da complexa interação existente entre os fatores envolvidos, condições de clima, solo e planta, tem potencializado o desenvolvimento de equações de estimativa da recarga de águas subterrâneas. Essas equações são ferramentas valiosas para o planejamento e gestão de recursos hídricos, pois possibilitam, entre outras ações, avaliar o impacto do clima e do uso do solo na recarga.

Existem diversos métodos para se estimar a recarga. De maneira geral, é necessário conhecer as variáveis que interferem no processo de percolação da água no solo até o aquífero, tais como: variação de umidade no solo, evapotranspiração, escoamento superficial, condutividade hidráulica do solo etc. Atualmente, tem-se obtido boas estimativas da recarga de água subterrânea com o uso de modelos numéricos e técnicas de sensoriamento remoto, porém esses métodos apresentam limitações para aplicação em regiões como o Bioma Cerrado, com destaque para a dificuldade de obtenção dos dados necessários para aplicar esses modelos (dados de entrada).

A estimativa da recarga de água subterrânea é fundamental para que os gestores de recursos hídricos possam planejar os melhores usos e evitar possíveis conflitos, sendo, para isso, importante entender e quantificar os possíveis impactos provenientes dos usos e da ocupação da terra e das mudanças climáticas. Além disso, a recarga é um bom indicador da qualidade do solo. Solos com boa “saúde” física, via de regra, apresentam boa recarga.

Devido a questões ambientais e de segurança hídrica, e considerando a importância da recarga para o desenvolvimento econômico da região do Cerrado brasileiro, é crucial gerar informações que sejam mais representativas da capacidade de recarga, o que implica, entre outras medidas, avaliar o desempenho de métodos de simulação. 

Uma das iniciativas nesse sentido é o estudo desenvolvido pela Embrapa em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) com os objetivos de avaliar métodos de estimativa de recarga de aquíferos, avaliar o impacto das mudanças de uso e ocupação da terra na estimativa da recarga potencial de água e avaliar o impacto das mudanças climáticas na recarga de águas subterrâneas em uma bacia hidrográfica do Cerrado.

Nesse trabalho, foi utilizado modelo matemático para avaliar o impacto do uso da terra na recarga. Esse tipo de modelo, pela sua flexibilidade e possibilidade de avaliação de diferentes cenários, pode ser útil em trabalhos de planejamento e de manejo de bacias hidrográficas. Ao avaliar os resultados das simulações, em um cenário onde se simulou a substituição da vegetação atual por vegetação nativa do Cerrado, por exemplo, observou-se um aumento de 44,5% da evapotranspiração atual. Uma implicação direta desse resultado foi a redução de 45% na recarga potencial.

Uma explicação para esse fato é a vegetação nativa apresentar um sistema radicular maior, quando comparada a culturas anuais, possibilitando a ela retirar água a maiores profundidades. Uma das consequências dessa maior extração de água pela vegetação nativa foi maior secamento do solo, implicando um aumento da capacidade de armazenamento de água no solo (aumento do déficit). Com isso, uma fração maior da chuva ficou retida no solo, servindo de fonte para a transpiração da cultura, e a recarga foi diminuída.

A análise dos dados observados na bacia indicou que aproximadamente 23% da precipitação anual que ocorreu na bacia foi convertida em recarga efetiva. A recarga potencial representou cerca de 31,5% da precipitação anual, valor 35% maior que a da recarga efetiva. Considerando os valores de precipitação referente ao período histórico da análise (1961 a 2005) e analisando os resultados das simulações, observou-se uma recarga média mensal na bacia igual a 89,1 mm/mês, o que representou cerca de 72,3% da precipitação média ocorrida no período. 

No cenário otimista de emissão de gases de efeito estufa, a recarga média mensal na bacia, considerando a média do Futuro 1 (2007 a 2040), foi igual a 68,0 mm/mês, representando 72,2% da precipitação média ocorrida no período. No Futuro 2 (2041 a 2070), a recarga média mensal foi igual a 74,8 mm/mês, representando 73,4% da precipitação média ocorrida no período. No Futuro 3 (2071 a 2099), a recarga média mensal simulada foi igual a 71,1 mm/mês, o que representa 72,8% da precipitação média ocorrida no período.

No cenário de emissão de gases pessimista, a recarga de águas subterrâneas média mensal na bacia, considerando a média do Futuro 1, foi igual a 63,3 mm/mês, representando 71,2% da precipitação média ocorrida no período. No Futuro 2, a recarga média mensal foi igual a 67,7 mm/mês, representando 73,8% da precipitação média ocorrida no período. No Futuro 3, a recarga média mensal foi igual a 59,0 mm/mês, o que representa 73,3% da precipitação média ocorrida no período.

No geral, espera-se que a recarga de águas subterrâneas média mensal na bacia tenha redução de 21% no cenário de emissão de gases otimista, e redução de 29,4%, no cenário de emissão de gases pessimista, o que pode comprometer a disponibilidade hídrica e acentuar conflitos entre os usuários dos recursos hídricos no Bioma Cerrado, sobretudo no período de estiagem.

Na bacia analisada, o escoamento de base representou cerca de 84,8% do escoamento total. Esse resultado indica a importância da recarga para a disponibilidade hídrica de bacias hidrográficas, principalmente no período da seca, apontando para a necessidade de um bom trabalho de conservação de solo nas bacias hidrográficas. 
As águas subterrâneas são cruciais para o desenvolvimento da agricultura tanto de sequeiro como irrigada.

Quantificar a recarga nas regiões agrícolas é fundamental para o estabelecimento de políticas de desenvolvimento sustentável voltadas para a agricultura irrigada, que faz uso intensivo de água azul (água dos rios e aquíferos) durante o período de estiagem das chuvas. Além do clima, as características e as práticas de manejo de solo adotadas no campo são determinantes no processo de recarga. Quanto melhor a estrutura de um solo, maior será a recarga. Conservar solo é, portanto, conservar água.

Mais informações sobre o estudo da Embrapa e da UFV podem ser obtidas nos seguintes artigos científicos:

CAMBRAIA NETO, ARNALDO JOSÉ; RODRIGUES, LINEU NEIVA; DA SILVA, DEMETRIUS DAVID; ALTHOFF, DANIEL. Impact of climate change on groundwater recharge in a Brazilian Savannah watershed. Theoretical and Applied Climatology, 2021 (https://doi.org/10.1007/s00704-020-03477-w).

CAMBRAIA NETO, ARNALDO JOSÉ; RODRIGUES, LINEU NEIVA. Evaluation of groundwater recharge estimation methods in a watershed in the Brazilian Savannah. Environmental Earth Sciences, 2020 (https://doi.org/10.1007/s12665-020-8884-x).

CAMBRAIA NETO, ARNALDO JOSÉ; RODRIGUES, LINEU NEIVA. Impact of land use and occupation on potential groundwater recharge in a Brazilian savannah watershed. Water international, 2021 (https://doi.org/10.1080/02508060.2021.1898862).

Breno Lobato (edição) (MTb 9417-MG)
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