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Pesquisa brasileira desenvolve grão-de-bico mirando mercado asiático
Com clima favorável, períodos secos e médias altitudes, várias regiões brasileiras são aptas a produzir grão-de-bico, leguminosa muito valorizada em mercados asiáticos e no Oriente Médio. O desenvolvimento dessa lavoura poderá abrir um mercado bilionário às exportações brasileiras, além de suprir a demanda interna. Resultados já obtidos em plantações no Brasil Central mostram que a cultura vem apresentando ótimo desempenho no período do inverno em áreas irrigadas e mecanizadas.
Pesquisadores acreditam que essa é uma grande oportunidade para os produtores, já que o País ainda depende de importações para suprir o consumo anual do produto, de oito mil toneladas, e o mercado asiático é um grande importador. Estima-se que somente a Índia comprou de outros países 873 mil toneladas de grão-de-bico em 2016, o equivalente a US$ 688 milhões, mais de R$ 2 bilhões.
De olho nesse potencial, a pesquisa agrícola está avaliando cultivares de grão-de-bico com melhor adaptação às condições ambientais brasileiras, testando a viabilidade econômica da cultura e buscando soluções para o controle de pragas e doenças que afetam a produtividade e a qualidade. Novas cultivares da planta também estão sendo desenvolvidas.
No início de 2017, foi firmada parceria com a empresa indiana United Phosphorus Limited (UPL) para instalação de experimentos em seis estados − Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – com o objetivo de avaliar o potencial produtivo de quatro cultivares (duas indianas e duas nacionais, desenvolvidas pela Embrapa) em três diferentes épocas de plantio – abril, maio e junho. Como o ciclo do grão-de-bico gira em torno de quatro meses, as primeiras colheitas desses experimentos estão sendo iniciadas agora, entre o final de agosto e o início de setembro, e a expectativa é selecionar as cultivares com melhor adaptação às condições ambientais brasileiras.
Para o pesquisador Warley Nascimento, chefe-geral da Embrapa Hortaliças (DF), a parceria vai render ganhos para ambos os países. “Com base na definição das cultivares mais produtivas e adaptadas, será possível fomentar a produção nacional, minimizar a necessidade de importação e, principalmente, exportar os grãos para a Índia e outros países asiáticos que possuem um consumo elevado desse alimento.”
A Índia manifestou interesse em importar pulses do Brasil durante visita à Ásia, no fim de 2016, em comitiva liderada pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi. Pulses são um grupo de leguminosas com grãos secos que inclui feijão-caupi, feijão-mungo, lentilha e grão-de-bico, por exemplo. “Trata-se de uma oportunidade extraordinária para os produtores brasileiros não apenas exportarem, mas diversificarem os sistemas produtivos, agregarem valor à produção e ofertarem alimentos de alta qualidade à população”, destaca o presidente da Embrapa, Maurício Lopes.
O sul da Ásia, incluindo Índia, Sri Lanka, Bangladesh e Paquistão, representa aproximadamente 40% do mercado mundial de pulses. A Índia passa por um momento especial em que a população cresce cerca de 18 milhões de habitantes por ano e a economia está em expansão. Com maior renda, o consumo de alimentos tem sido maior.
A população vegetariana na Índia é enorme, cerca de um terço de seus 1,3 bilhões de habitantes, e cada vez mais haverá necessidade desse tipo de alimento, como o grão-de-bico, rico em proteínas. “Se tivéssemos produção, certamente haveria mercado comprador. E a Embrapa pode ajudar o Brasil a ocupar este espaço, uma vez que a Empresa possui uma grande diversidade de projetos em vários tipos de produtos e pode rapidamente responder a esta demanda”, explica Maurício Lopes.
Se boa parte da população indiana é vegetariana, do outro lado, está o Brasil. O País ocupa o quinto lugar no ranking de consumo per capita de carne bovina – cada habitante consome 35,8 quilos por ano. Estima-se que cerca de 10% da população siga uma dieta vegetariana e a principal leguminosa consumida pelos brasileiros é o feijão. Diante disso, o consumo de grão-de-bico no País ainda é baixo, sendo que em 2016 o Brasil importou cerca de oito mil toneladas, ao custo de US$ 9,7 milhões, principalmente do México e da Argentina − despesa que corresponde a menos de 1% das importações indianas.
“Hoje, já possuímos material genético e tecnologia de produção para alcançar a autossuficiência e vislumbrar a exportação de grão-de-bico para os principais mercados consumidores da leguminosa”, assinala Nascimento, ao destacar que a cultura vem apresentando ótimo desempenho no período do inverno, em áreas irrigadas e mecanizadas, e pode ser uma alternativa de exportação além da soja.
No ano passado, quando a Índia sinalizou interesse em importar leguminosas do Brasil, a empresa indiana UPL anunciou grande interesse em investimento no País, por meio da parceria com a Embrapa, no desenvolvimento e produção de grãos no Brasil para exportar ao mercado indiano, que possui demanda crescente e expressiva por esses produtos - a projeção é que possa chegar a 30 milhões de toneladas por ano até 2030.
Produtor aposta no grão-de-bico como alternativa ao feijão
Apesar de o Brasil não ter tradição no cultivo de grão-de-bico, o agricultor Osmar Artiaga, de Cristalina (GO), resolveu investir na cultura como uma opção para o período do inverno em sistema de pivô central e colheita mecanizada. Durante o verão, época mais quente e úmida, o produtor mantém lavouras de soja e milho e, na entressafra, costumava plantar feijão. Contudo, após conhecer a tecnologia de produção e as cultivares disponibilizadas pela Embrapa, Artiaga apostou no avanço da pesquisa e firmou uma parceria para averiguar a viabilidade econômica da produção comercial de grão-de-bico nas condições do Brasil Central.
De 2011 para cá, ele abriu as porteiras de sua propriedade para a equipe de técnicos da Embrapa e os resultados obtidos foram promissores, tanto que a fazenda que antes recebia o nome de Futurama foi rebatizada de Agropecuária Garbanzo, que significa grão-de-bico no idioma espanhol. Artiaga, inclusive, elegeu a cultura como objeto de sua dissertação de mestrado e, com base científica, conduziu ensaios experimentais de validação. “O grão-de-bico mostrou ser menos exigente em água e adubo e, no final das contas, o custo de um hectare de grão-de-bico é cerca de 40% menor do que o custo de um hectare de feijão”, estima Artiaga.
E as contas do produtor foram além: ambas as culturas rendem uma produtividade média de 2.500 kg/ha, mas o preço do quilo do grão-de-bico pode alcançar o dobro do valor obtido pelo feijão. “É gratificante ver um parceiro que começou com algumas dezenas de hectares alcançar na safra atual a marca de 800 hectares plantados, que devem render por volta de 2.000 toneladas”, comenta o pesquisador Warley Nascimento.
E, se considerar que para suprir a demanda interna do Brasil são necessárias oito mil toneladas de grão-de-bico, um único produtor já teria condições de atender 20% dessa quantidade. Porém, do volume total produzido por Artiaga, parte é guardada para servir de semente para o próximo plantio, outra parte é comercializada para a indústria processadora e ainda há um percentual destinado à exportação. Por isso, Nascimento frisa a importância de desenvolver mais pesquisas e promover o cultivo para o setor produtivo. “O grão-de-bico realmente se revela uma alternativa viável como produto de exportação.”
Colheita do grão-de-bico realizada em agosto na fazenda de Osmar Artiaga, em Cristalina
Parceria viabiliza testes de exportação para o exterior
Os bons resultados despertaram o interesse de outros agricultores e novos parceiros. No próximo ano, a Agrícola Ferrari − unidade de Campo Novo do Parecis (MT), que possui experiência com exportação de milho pipoca e outros produtos agrícolas, tem previsão de plantar, em conjunto com Artiaga, cinco mil hectares de grão-de-bico no Mato Grosso.
“Há 15 anos, o Brasil importava milho pipoca de países como Argentina e Estados Unidos. Hoje, não somente deixamos de importar como exportamos para vários países e somos altamente competitivos no mercado internacional, com qualidade superior e melhores preços”, conta Vinícius Ferrari, diretor-geral da Agrícola, ao destacar que o objetivo da empresa é justamente promover no território nacional a produção de culturas que geralmente são importadas.
Ferrari revela que a estratégia delimitada pela empresa para exportar grão-de-bico, especialmente para o mercado asiático, vai desde realizar pequenas exportações nos primeiros anos, para divulgar a qualidade do grão brasileiro, até expor o produto em feiras internacionais.
Além de o grão-de-bico ser consumido mundialmente, Ferrari ressalta que os clientes no exterior que trabalham com a importação de milho pipoca também demandam grão-de-bico. “A partir de uma análise geral de qualidade e canais de vendas, podemos afirmar que o grão-de-bico tem viabilidade para se tornar uma opção no portfólio do agricultor e alcançar, dentro de algum tempo, o sucesso do milho pipoca”, opina.
Cultivares de dupla aptidão no horizonte da pesquisa
As duas cultivares nacionais que estão sendo plantadas pelo setor produtivo e avaliadas nos ensaios experimentais em parceria com a empresa UPL foram desenvolvidas pela Embrapa Hortaliças. A cultivar Cícero, que se destaca pela ampla adaptação às condições de clima e de solo do Brasil Central, foi selecionada a partir de linhagens introduzidas do México na década de 1990.
Já a cultivar BRS Aleppo originou-se da seleção de materiais genéticos introduzido do Centro Internacional para Pesquisa Agrícola em Áreas Secas (ICARDA) que se localizava na Síria, mas atualmente mantém sua sede no Líbano por causa da guerra civil. A cultivar – que no nome faz uma homenagem à cidade síria, antes sede do ICARDA – impressiona pela alta produtividade, que varia entre 2.500 e 3.500 kg/ha, e pelo elevado nível de tolerância a um complexo de fungos de solo. Ambas as cultivares respondem bem à colheita mecanizada e ao cultivo irrigado em altitudes superiores a 800 metros.
No momento, não há contratos vigentes de licenciamento de empresas para produção de sementes, mas os interessados podem entrar em contato com o Escritório de Brasília da Embrapa Produtos e Mercado, que é responsável pela produção de semente genética e pelo atendimento dos produtores de sementes de grão-de-bico.
As pesquisas para seleção e melhoramento genético de grão-de-bico visam, na fase atual, a obter materiais com dupla aptidão: para consumo seco ou para uso industrial na forma de grão reidratado. “Atualmente, temos mais duas cultivares em fase de validação e, em breve, devemos disponibilizá-las para o setor produtivo”, adianta Nascimento, ao mencionar que a estratégia é oferecer um portfólio diversificado de cultivares de grão-de-bico para atender diferentes demandas dos agricultores e das empresas processadoras.
Avanços da pesquisa com pragas e doenças Com a proposta de fomentar a produção nacional de grão-de-bico, além do desenvolvimento de cultivares, a pesquisa também vai precisar entregar respostas sobre o controle de pragas e doenças que afetam a produtividade da cultura, principalmente porque o cultivo está sendo recomendado em sucessão com soja e outras commodities. Portanto, é preciso considerar as pragas e doenças presentes em todas as culturas que compõem a paisagem agrícola das regiões produtoras. Quando se trata de doenças do solo, o grão-de-bico é bastante suscetível aos nematoides-das-galhas e, por isso, os pesquisadores vêm testando diferentes materiais de grão-de-bico com o intuito de identificar uma fonte de resistência que possa subsidiar os programas de melhoramento genético na obtenção de cultivares resistentes e/ou tolerantes. Os agrônomos também estão buscando entender a dinâmica populacional de diferentes gêneros de nematoides no plantio de grão-de-bico quando em rotação com a cultura da soja, que é vulnerável ao nematoide-das-lesões e o nematoide-de-cisto-da-soja. Em um experimento instalado em Campo Novo do Parecis (MT), que teve início em março desse ano, foi observada a infestação da lavoura de grão-de-bico por nematoides em quatro momentos: plantio, florescimento, formação dos grãos e colheita. “Os resultados preliminares indicaram uma tendência de redução do nematoide-de-cisto-da-soja ao longo do ciclo do grão-de-bico”, assinala o pesquisador Jadir Pinheiro, da Embrapa Hortaliças, que faz uma ressalva: “A diminuição da população de nematoides vai depender do material genético de grão-de-bico cultivado”. Ainda haverá a coleta de dados em um ciclo de soja e em outro ciclo de grão-de-bico para consolidar os resultados, mas os primeiros indícios foram promissores para, no futuro próximo, indicar a leguminosa como uma alternativa ao cultivo da soja em épocas de alta infestação do solo por nematoides. Outra doença que está relacionada a patógenos de solo na cultura do grão-de-bico é a podridão-de-raiz, causada pelos fungos Fusarium e Rhizoctonia. O fitopatologista da Embrapa Hortaliças Ailton Reis ressalta que as pesquisas neste momento estão direcionadas à coleta de amostras e à identificação de espécies e grupos desses dois fungos para identificar os materiais genéticos mais tolerantes. Em relação às pragas, os principais problemas no grão-de-bico são ocasionados pelas lagartas do gênero Heliothis e Helicoverpa. No Distrito Federal, em pouco mais de um ano de monitoramento, os pesquisadores detectaram a presença dessas duas espécies ocorrendo simultaneamente nos cultivos de grão-de-bico. Na cultura, as lagartas ocasionam desfolha e destruição dos grãos dentro de vagens ainda verdes. Segundo o entomologista da Embrapa Hortaliças Miguel Michereff Filho, os próximos passos da pesquisa devem verificar três pontos: quando ocorrem as maiores infestações dessas lagartas ao longo da safra; a influência de outras culturas sobre a infestação no grão-de-bico e se a praga predominante na lavoura difere entre as regiões produtoras no Brasil. “A partir dessas informações poderemos orientar sobre a melhor forma de controle para cada uma dessas pragas”, diz o pesquisador. Existem poucos inseticidas químicos registrados para o controle de lagartas no grão-de-bico, mas em contrapartida há várias opções de controle biológico à disposição e, de acordo com Michereff, elas têm demonstrado bons resultados nas culturas da soja e do algodão. |
Paula Rodrigues (MTb 61.403/SP)
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Colaboração:
Gislene Alencar e Robinson Cipriano
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