Qualidade de grãos

Conteúdo atualizado em: 06/12/2024

Autor

Alessandra Ferraiolo de Freitas - Embrapa Arroz e Feijão

José Manoel Colombari Filho - Embrapa Arroz e Feijão

 

A qualidade de grãos em arroz envolve um conjunto de caraterísticas físico-químicas e sensoriais, as quais são influenciadas por fatores genéticos e ambientais, tais como, condições de cultivo; manejo fitotécnico da lavoura, bem como, processos de pós colheita, armazenamento e beneficiamento. Tais características estão intimamente ligadas ao processo industrial, à composição nutricional, ao aspecto físico (aparência) e aos atributos sensoriais dos grãos (Figura 1). Essas impactam diretamente no valor econômico, influenciam a adoção das cultivares e determinam a preferência ou aceitação do produto no mercado consumidor. Por isso, a qualidade dos grãos é um dos principais focos dos programas de melhoramento genético de arroz em todo o mundo, sendo de fundamental importância para todos os atores da cadeia produtiva, incluindo produtores, indústrias de beneficiamento e consumidores.

Ilustração: Alessandra Ferraiolo de Freitas
Figura1. Características que afetam a qualidade de grãos de arroz

 

Aspecto físico dos grãos

O aspecto físico é um dos primeiros parâmetros considerados por pesquisadores do melhoramento genético no desenvolvimento de novas cultivares para produção em escala comercial. Esse aspecto está principalmente relacionado às dimensões dos grãos (comprimento, largura e razão comprimento/largura) e à opacidade (gessamento), sendo esta, a característica de maior importância, devido à sua influência no rendimento de grãos inteiros e nas propriedades tecnológicas e sensoriais.

A mensuração manual das dimensões dos grãos, realizada com instrumentos, como régua ou paquímetro Vernier, é uma atividade laboriosa e demorada. Além disso, a avaliação visual dos grãos gessados, usando ampliadores fotográficos, está sujeita à subjetividade. Atualmente, métodos de análise de imagem, como os analisadores de arroz S21 e CS-Rice, têm substituído os métodos manuais, oferecendo maior precisão e eficiência.

Processo industrial

No processo industrial, a principal característica de qualidade é o rendimento de grãos inteiros, que se refere ao percentual de grãos de arroz que permanecem inteiros após o beneficiamento. Esse rendimento pode ser determinado tanto pelo uso de um moinho de prova, quanto por métodos de análise de imagens, como os analisadores de arroz S21 e CS-Rice.

Características sensoriais

O sabor, o aroma e a textura dos grãos, após o processo de cocção, são atributos essenciais que influenciam diretamente a aquisição, o consumo e a preferência dos consumidores. Parâmetros como teor de amilose, temperatura de gelatinização, propriedades de pasta e consistência do gel são de fundamental importância, pois estão diretamente relacionados às características sensoriais do arroz.

Teor de amilose

O amido, principal carboidrato constituinte do grão, é composto por cadeias de amilose e amilopectina. A proporção, estrutura e organização física dessas cadeias dentro da estrutura granular do amido influenciam diversas propriedades funcionais, como gelatinização, reologia, textura, retrogradação e digestibilidade enzimática. Com base no teor de amilose, os grãos podem ser classificados em diferentes categorias: cerosos (de 0% a 4% de amilose), com teor muito baixo (de 5% a 12%), baixo (de 12% a 20%), intermediário (de 20% a 25%), e alto (acima de 25%). O teor de amilose pode ser quantificado por diversos métodos, como titulação potenciométrica, espectrofotometria, cromatografia líquida de exclusão por tamanho, espectroscopia na região do infravermelho próximo e análise térmica por calorimetria exploratória diferencial.

Temperatura de gelatinização

A temperatura de gelatinização é o ponto no qual os grânulos de amido absorvem água e perdem a sua cristalinidade, resultando na desorganização das moléculas de amilose e amilopectina, e consequentemente, à capacidade de refração. Esse parâmetro está diretamente relacionado à quantidade de energia térmica, tempo e água necessários para a cocção dos grãos, isto é, quanto maior for a tempetura de gelatinização, maior será a demanda de energia térmica, tempo e água para os grãos atingirem a textura desejada. A temperatura de gelatinização pode variar entre 55 e 79 °C, sendo classificada como baixa (de 55 a 69 °C), intermediária (de 70 a 74 °C) e alta (acima de 74 °C). Para determinar a temperatura de gelatinização, utilizam-se métodos como a fotometria digital, valor de dispersão alcalina e calorimetria exploratória diferencial. Embora o método calorimétrico seja robusto e preciso, ele é dispendioso, por isso, praticamente inviável para análises de rotina em programas de melhoramento genético de arroz, que utilizam, em geral, o método de dispersão alcalina.

Consistência do gel

A consistência do gel é um parâmetro que avalia a qualidade de grãos com base nas propriedades de gelificação do amido. Após dispersão do amido em água, aquecimento e resfriamento da solução, o comprimento do gel formado permite classificar os grãos em três categorias: consistência macia (comprimento ≥ 61 mm), média (41 mm ≤ comprimento ≤ 60 mm) e dura (comprimento ≤ 40 mm). Grãos com consistência de gel macia apresentam menor tempo de cocção e tendem a manter a textura macia após o resfriamento.

Propriedades de pasta

As propriedades de pasta são analisadas por meio de um perfil viscoamilográfico, que descreve como a viscosidade de uma mistura homogênea de amido e água (pasta de amido) varia ao longo do tempo quando submetida a aquecimento e resfriamento. Esse perfil, obtido com um analisador rápido de viscosidade ou um viscoamilógrafo de Brabender, fornece informações detalhadas sobre o tempo de gelatinização, viscosidade máxima (ponto de pico), viscosidade mínima, viscosidade final e retrogradação.

Teste de cocção

O teste de cocção simula o preparo caseiro e é muito utilizado em programas de melhoramento genético e indústrias de beneficiamento de arroz para avaliar o comportamento dos grãos, após a cocção. Os grãos são submetidos a análises sensoriais que, dependendo do objetivo, podem exigir uma equipe de provadores treinados, o que demanda tempo, mão de obra e esforços significativos para manter um painel de avaliadores. As propriedades relacionadas à textura do grão cozido podem ser estimadas por meio de um analisador de textura, que mede a amplitude da deformação e/ou a resistência dos grãos à compressão, fornecendo informações sobre a dureza, adesividade, coesividade, entre outros atributos. A correlação entre os métodos instrumentais e sensoriais permite validar e complementar as informações obtidas, proporcionando uma compreensão mais abrangente e precisa das propriedades de textura.

Embora existam diversos métodos analíticos e instrumentais para determinar os parâmetros relacionados às características sensoriais do grão cozido, nenhum deles é capaz, isoladamente, de explicar completamente as variações na qualidade sensorial entre diferentes materiais genéticos. Para prever ou estimar a qualidade com maior precisão, diversos modelos estatísticos, como análise de componentes principais, regressão linear múltipla e análise de regressão de mínimos quadrados parciais, bem como métodos de aprendizado de máquina, como redes neurais artificiais, k-vizinhos mais próximos, florestas aleatórias e árvores de decisão impulsionadas por gradiente, têm sido usados para correlacionar dados analíticos e instrumentais.
 

Composição nutricional

A composição nutricional do grão de arroz abrange os teores de macronutrientes, como proteínas, lipídeos, e polissacarídeos amiláceos e não amiláceos, além de micronutrientes, incluindo vitaminas e minerais. A quantificação dos macronutrientes pode ser realizada por meio de métodos como gravimetria, titulometria, enzimático-gravimétrico, espectroscopia na região do infravermelho próximo, eletroforese capilar e cromatografia líquida ou gasosa, associada ou não à espectrometria de massa. Para a determinação dos micronutrientes, utilizam-se espectroscopia de emissão óptica com plasma induzido por laser e diversos métodos espectrométricos, incluindo espectrometria de absorção atômica, espectrometria de emissão ótica com plasma indutivamente acoplado, espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado e espectrometria de fluorescência de raios-X.

A percepção de qualidade do arroz pode variar significativamente, sendo influenciada por fatores históricos, geográficos e socioculturais das populações onde o consumo desse alimento é parte essencial da dieta. No Brasil, os consumidores demonstram preferência por arroz que apresente elevado percentual de grãos inteiros e tamanho uniforme. Em relação ao aspecto físico, há uma preferência por grãos longos, finos e translúcidos. Quanto aos aspectos sensoriais, o mercado consumidor brasileiro valoriza grãos que requerem menor tempo de cocção, exibem boa expansão de volume durante o processo e, após cozidos, sejam enxutos, soltos, macios, e que não possuam aroma ou sabor pronunciados.