Desordens nutricionais

Conteúdo atualizado em: 13/09/2023

Autores

Nand Kumar Fageria - In memoriam

Pedro Luiz Oliveira de Almeida Machado - Embrapa Arroz e Feijão

 

Os procedimentos mais usados para detectar deficiência de nutrientes em plantas são a observação visual de seus sintomas e a análise química do tecido vegetal. A observação ou diagnose visual é uma técnica baseada na constatação de que as plantas com deficiência ou toxidez acentuada de um nutriente normalmente apresentam sintomas claros dos distúrbios causados pela falta ou excesso de determinado nutriente. Normalmente não se utilizam  equipamentos para a diagnose. Ela é complementar a outras técnicas como a análise de solo. Para detectar deficiência ou toxicidades de nutrientes em plantas, cinco aspectos importantes devem ser considerados:

  1. Sintomas de deficiência ou toxidez nem sempre são claramente definidos.

  2. A observação dos sintomas na lavoura pode ser mascarada por outros nutrientes, doenças e ataque de insetos, o que pode levar a uma diagnose equivocada.

  3. Os sintomas de deficiência sempre indicam fome severa e jamais uma deficiência leve ou moderada.

  4. A maioria das culturas começa a perder produção muito antes de os sintomas de deficiência ou toxidez estarem evidentes.

  5. A perda de produção sem sintomas de deficiência é chamada de fome oculta, e a perda de produção e qualidade da colheita é alta mesmo que a planta não apresente sinal de fome.

A observação visual exige que o técnico tenha experiência com a condução da cultura e seus estádios de crescimento na lavoura. Com o intuito de orientar os profissionais na identificação de desordens nutricionais na cultura do arroz, são apresentados a seguir os principais sintomas.

 

Principais sintomas de deficiência de nutrientes

 

Nitrogênio: é o nutriente de maior demanda, constituinte de aminoácidos (proteínas), ácidos nucleicos e clorofila. Devido à complexidade das reações no nitrogênio no solo e sua alta mobilidade, a análise do solo é bastante limitada. Assim, apesar de também ter algumas limitações, avaliações feitas diretamente nas plantas são as principais condutas para a recomendação de adubação, especialmente a adubação de cobertura. O uso de clorofilômetro tem sido uma alternativa. O nitrogênio também é móvel nas plantas, portanto os sintomas de deficiência ocorrem inicialmente nas folhas mais velhas, com amarelecimento uniforme. Com o agravamento da deficiência, os sintomas se espalham por todas as folhas (Figura 1).

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 1. Planta de arroz na fase de maturação sem (esquerda) e com (direita) a aplicação de nitrogênio.

 

Os sintomas na planta, em geral, se dão pelo crescimento atrofiado, perfilhamento reduzido e baixo número de panículas por área. A lavoura toda se apresenta amarelada e os sintomas normalmente ficam bastante evidentes durante o perfilhamento e a iniciação da panícula, quando a demanda pelo nutriente é bastante alta.

Fósforo: o fósforo é componente essencial para o fornecimento de energia para as plantas via fotossíntese, respiração e expansão celular. Os sintomas de deficiência de fósforo no arroz se dão por folhas novas bem estreitas, eretas e com uma coloração bronzeada ou roxa nas pontas, se a cultivar tiver tendência para produzir antocianina. A planta, em geral, apresenta baixo perfilhamento, porte baixo, maturação atrasada e com alta porcentagem de espiguetas vazias (Figuras 2 e 3).

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 2. Plantas de arroz sem (-P) e com (+P) fósforo.

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 3. Arroz de terras altas em Latossolo Vermelho adubado com e sem fósforo.

 

Potássio: importante componente de vários processos fisiológicos na planta. Atua na formação de proteínas, na regulação da osmose, na fotossíntese e na tolerância a ataque de pragas e variações de temperatura. Os sintomas, inicialmente, surgem com o aparecimento de uma clorose na ponta das folhas mais velhas. À medida que a clorose aumenta, surge amarelecimento internerval e o tecido necrótico toma uma forma parecida com a da letra V invertida, partindo da ponta para as margens da folha (Figuras 4 e 5). O acamamento pode se agravar com os sintomas na lavoura, ocorrendo de forma mais localizada, em manchas do que na área total.

 

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Figura 4. Folhas de arroz com sintomas de deficiência avançada de potássio, apresentando necrose em forma de “V” invertido. 

 

 

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Figura 5. Folha de arroz com amarelecimento internerval típico da deficiência de potássio.

 

Cálcio: esse nutriente tem especial importância no crescimento radicular. Por ser imóvel na planta, ele não se desloca da parte aérea para as raízes nas situações de deficiência. Assim, as raízes são inicialmente afetadas, predispondo as plantas à toxidez por ferro. Inicialmente as folhas novas tornam-se esbranquiçadas e depois os pontos terminais de crescimento morrem, causando severo atrofiamento das plantas (Figura 6).

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 6. Planta de arroz com deficiência de cálcio. 

 

Magnésio: o magnésio é um macronutriente que participa de várias atividades enzimáticas nas plantas, incluindo a assimilação de gás carbônico e a síntese de proteínas. A deficiência pode reduzir a qualidade do grão. Em caso de deficiência, as folhas mais velhas adquirem coloração amarelo-alaranjada entre as nervuras da folha (Figura 7). As plantas apresentam reduzida massa de grãos.

 

Fotos: Nand Kumar Fageria

Figura 7. Sintoma de deficiência de magnésio em folhas de arroz.

 

Enxofre: macronutriente importante para a síntese da clorofila e de proteína. Os sintomas de deficiências de enxofre são muito parecidos com os de nitrogênio. A diferença é que os sintomas de deficiência de enxofre se manifestam nas folhas novas e os de nitrogênio nas folhas mais velhas. O sintoma típico é o amarelecimento generalizado especialmente na fase vegetativa. A deficiência de enxofre reduz o sistema radicular do arroz, gerando atraso de 1 a 2 semanas no desenvolvimento da cultura (Figuras 8 e 9).

 

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Figura 8. Plantas de arroz com sintomas de deficiência de enxofre.

 

 

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Figura 9. Sistema radicular do arroz sem e com enxofre.

 

Boro: micronutriente com papel importante na síntese da parede celular das plantas, promovendo a integridade da membrana. A deficiência de boro afeta inicialmente as folhas jovens nas extremidades, que apresentam coloração esbranquiçada e se enrolam de modo similar ao que ocorre na deficiência de cálcio (Figura 10). Sob condições severas, os pontos de crescimento podem morrer, mas novos perfilhos continuam a aparecer. As plantas, em geral, apresentam crescimento reduzido e, no início da formação da panícula, as plantas deficientes em boro não geram panículas.

 

Fotos: Nand Kumar Fageria

Figura 10. Sintoma de deficiência de boro em folhas de arroz.

 

Cobre: micronutriente presente na fotossíntese e na respiração. Sua deficiência pode causar diminuição na viabilidade do pólen e causar aumento na esterilidade de espiguetas, gerando grande quantidade de espiguetas vazias. As folhas novas se enrolam, apresentando clorose em ambos os lados da nervura principal (Figura 11).

 

Fotos: Nand Kumar Fageria

Figura 11. Sintoma de deficiência de cobre em folhas de arroz.

 

Ferro: esse micronutriente está envolvido na síntese da clorofila e na estrutura do cloroplasto nas plantas. Os sintomas de deficiência nas folhas novas se dão pelo aparecimento de clorose internerval que se torna esbranquiçada à medida que os sintomas progridem. As folhas perdem as nervuras e tomam uma coloração amarelo-clara generalizada quase transparente (Figuras 12 e 13).

 

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Figura 12. Plantas de arroz em fase inicial de crescimento com deficiência de ferro.

 

 

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Figura 13. Folhas de arroz com sintomas de deficiência de ferro.

 

Manganês: o manganês é um micronutriente que ativa a enzima responsável para produção de aminoácidos, além de participar da fotossíntese. Assim, os sintomas de deficiência aparecem nas folhas mais novas com uma clorose internerval, formando um reticulado verde bem largo. Podem aparecer manchas pardas e necróticas, dependendo do grau de deficiência (Figura 14).

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 14. Sintomas de deficiência de manganês em folha de arroz.

 

Molibdênio: micronutriente presente em diversas enzimas essenciais para o metabolismo de nitrogênio, enxofre e carbono nas plantas, além da formação do pólen. Deficiência de molibdênio pode ocorrer em solos ácidos (pH < 5,0) com baixo teor de matéria orgânica, situação comum em pastagens degradadas. É comum no cultivo de arroz de terras altas na recuperação dos solos. Os sintomas de deficiência podem ser confundidos com falta de nitrogênio em folhas velhas, bem maduras, apresentando clorose que se espalha por toda a folha (Figura 15). Num estádio mais avançado, as folhas apresentam pontos com necrose.

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 15. Sintomas de deficiência de molibdênio em folhas de arroz.

 

Zinco: importante micronutriente presente em enzimas, como o triptofano. O primeiro sintoma aparece nas folhas mais novas, caracterizado por uma clorose verde esbranquiçada. Posteriormente, nas folhas mais velhas aparecem manchas longitudinais cor de ferrugem (Figura 16). Normalmente ocorre em solos nos quais tenha sido praticada a calagem superficial acima de 3 t/ha.

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 16. Sintomas de deficiência de zinco em folha de arroz.

 

 

Principais sintomas de toxidez de nutrientes

 

Ferro: a toxidez por excesso de ferro em arroz gera aumento na produção de polifenóis oxidados. As folhas velhas apresentam pequenas manchas pardas, que começam nas pontas e avançam para a base foliar (Figura 17). As plantas, em geral, apresentam forte redução no perfilhamento com sistema radicular escurecido de forma esparsa.

 

Fotos: Nand Kumar Fageria

Figura 17. Folhas de arroz com sintomas de toxidez por ferro.

 

Herbicidas: não apenas nutrientes, mas operações executadas na lavoura, como a pulverização de herbicidas, também podem gerar danos na planta que são diferentes e importantes para a boa condução da cultura. Problemas com a aplicação de herbicidas acontecem, se os produtos são aplicados em doses não recomendadas ou aplicados em épocas equivocadas da fase da cultura. Os danos ocorrem imediatamente após a pulverização (Figuras 18 e 19).

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 18. Sintomas de toxidez de herbicidas em folhas de arroz.

 

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 19. Sintomas de toxidez de herbicidas em folhas de arroz, provavelmente a Fenoxaprop-p.

 

Na Figura 20, é apresentada uma chave para auxiliar diagnoses embasadas na mobilidade dos nutrientes nas plantas.

 

Figura 20. Esquema para observação visual de deficiência de micronutrientes e alguns macronutrientes.
Fonte: Röhmheld (2001).

 

Na Figura 21, encontram-se folhas de arroz dispostas lado a lado, com sintomas de deficiência de nitrogênio, fósforo e potássio e uma folha bem nutrida como referência. Na imagem, pode-se ter uma visualização mais nítida das diferenças sintomáticas.

 

Foto: Nand Kumar Fageria

Figura 21. Folhas de arroz com sintomas de deficiência de nitrogênio (N deficiency), fósforo (P deficiency) e potássio (K deficiency) ao lado de uma folha bem nutrida (normal nutrition).

 

 

Referências

Abreu, C.A.A., Lopes, A.S., Santos, G.C.G. 2007. Micronutrientes. In: Novais, R.F., Alvarez V., V.H., Barros, N.F., Fontes, R.L.F. Cantarutti, R.B., Neves, J.C.L. Fertilidade do Solo. p. 645-736. Viçosa, MG: SBCS.

Chen, L., Lin, L., Cai, G., Sun, Y., Huang, T., Wang, K., Deng, J. 2014. Identification of Nitrogen, Phosphorus, and Potassium Deficiencies in Rice Based on Static Scanning Technology and Hierarchical Identification Method. PLoS One. 2014; 9(11): e113200

Ferreira, C.M., Santiago, C.M. 2012. Informações técnicas sobre o arroz de terras altas: estados de Mato Grosso e Rondônia. Documentos. Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão. 112p.

IRRI, 2020. Rice Knowledge Bank. http://www.knowledgebank.irri.org/training/fact-sheets/nutrient-management/deficiencies-and-toxicities-fact-sheet

Röhmheld, V. 2001. Aspectos fisiológicos dos sintomas de deficiência e toxicidade de micronutrientes e elementos tóxicos em plantas superiores. In: Ferreira, M.E., Cruz, M.C.P., Van Raij, B., Abreu, C.A. (eds) Micronutrientes e Elementos Tóxicos na Agricultura. Jaboticabal: CNPq, FAPESP, POTAFOS. p. 71-85.

Silva, M.A.S., Stone, L.F., Santos, A.B., Carvalho, M.C.S., Ferreira, C.M., Nascente, A.S., Santos, B.M. 2019. Nutrição e adubação do arroz irrigado na região do Cerrado. In: Flores, R.A., Cunha, P.P., Marchão, R.L., Moraes, M.F. (eds.) Nutrição e Adubação de Grandes Culturas na Região do Cerrado. p. 225-281. Goiânia: Gráfica UFG