Manejo da irrigação
Autores
Luís Fernando Stone - Embrapa Arroz e Feijão
Pedro Marques da Silveira - Embrapa Arroz e Feijão
José Aloísio Alves Moreira - in memoriam
Introdução
A irrigação suplementar é uma alternativa para minimizar os riscos de deficiência hídrica durante o ciclo da cultura, possibilitando o maior uso de tecnologia, e assegurando maiores produtividades. O manejo da irrigação visa o melhor aproveitamento das precipitações pluviais pela cultura e a determinação do momento mais adequado de aplicação da irrigação suplementar. Com isso, é possível reduzir a lâmina total de irrigação aplicada na cultura, proporcionando diminuição no número de horas de funcionamento do sistema de irrigação, com redução no consumo de energia elétrica.
Necessidade de água
É difícil quantificar com exatidão o volume total de água necessário para irrigação quando se utiliza irrigação suplementar, uma vez que esse volume depende da quantidade e da distribuição das chuvas. A necessidade total de água para o cultivo do arroz de terras altas varia em torno de 400 mm a 700 mm, dependendo da cultivar, da região do País, da época de semeadura, do manejo do solo, entre outros. No sistema convencional de preparo do solo, a evapotranspiração (evaporação do solo mais transpiração da planta) do arroz de terras altas para vários municípios, em diferentes estados brasileiros, variou de 487 mm em Primavera do Leste, MT, a 629 mm em Guaíra, SP. Sob plantio direto, para os mesmos municípios, ela variou de 417 mm a 530 mm (HEINEMANN et al., 2009).
O requerimento de água do arroz irrigado por aspersão pode ser estimado a partir da relação existente entre a evapotranspiração de referência (ETo) e a evapotranspiração da cultura (ETc). A relação é obtida utilizando-se coeficientes de cultura (Kc), de modo que:
ETc = ETo x Kc (Equação 1)
Existem diversos métodos para a estimativa da ETo, os quais, na sua maioria, são baseados em equações matemáticas empíricas e/ou com fundamentação física. Várias dessas equações estão detalhadas em Stone e Silveira (1995). A utilização de uma ou outra equação depende da dificuldade de obtenção dos elementos meteorológicos necessários para o cálculo da ETo. Internacionalmente, o método Penman-Monteith-FAO (PM-FAO) é considerado o mais apropriado para a estimativa da ETo, sendo adotado como padrão. Esse método utiliza quase todos os elementos meteorológicos observados em estações meteorológicas de superfície. Na página da Embrapa Arroz e Feijão na internet, em Produtos, pode ser encontrado o software intitulado INFOCLIMA - Informações Climáticas (https://www.cnpaf.embrapa.br/infoclima), que fornece a evapotranspiração de referência para diversas localidades do país. Além das equações matemáticas, outros métodos têm sido usados para a estimativa da ETo, como o uso de redes neurais e imagens de satélites.
Os valores de Kc para o arroz semeado a 50 cm entre linhas são 0,70; 0,90; 1,24 e 0,90, para os estádios de plântula, vegetativo, final do vegetativo-reprodutivo e enchimento dos grãos. O manejo da cultura e do solo alteram os valores do coeficiente de cultura. O valor máximo de Kc para o arroz semeado a 20 cm entre linhas é maior que o obtido para o arroz semeado a 50 cm entre linhas. Da mesma forma, os valores de Kc para o arroz cultivado em solo preparado convencionalmente são maiores que os do arroz sob plantio direto (Tabela 1).
Tabela 1. Coeficientes de cultura referentes ao arroz de terras altas semeado no espaçamento de 20 cm entre linhas. |
1 Preparo convencional do solo; 2 Plantio direto. Fonte: Stone e Silveira (2004). |
A simulação da semeadura do arroz de terras altas no início de novembro, utilizando os coeficientes de cultura para o arroz semeado a 20 cm entre linhas, sob preparo convencional do solo e sob plantio direto, mostrou que a evapotranspiração sob plantio direto é cerca de 15% menor que no preparo convencional do solo. Isso faz com que ocorra substancial redução na necessidade de irrigação suplementar (Tabela 2).
Tabela 2. Estimativa da evapotranspiração e da necessidade de irrigação suplementar na cultura do arroz de terras altas, no sistema convencional de preparo do solo em plantio direto. |
1 Preparo convencional do solo; 2 Plantio direto. Fonte: Stone e Silveira (2004). |
Manejo de água
Um aspecto importante a ser considerado na irrigação por aspersão é o intervalo entre as irrigações. A frequência de irrigação pode ser baseada no consumo de uma determinada fração da água disponível no solo, entre 30% e 40%, ou em um valor limite da tensão matricial da água do solo. Nesse último caso, aliando-se produtividade e economicidade, a irrigação do arroz por aspersão deve ser conduzida de maneira que a tensão da água do solo, medida a 15 cm de profundidade, não atinja valores maiores que 25 kPa. Essa tensão pode ser medida com tensiômetros (Figura 1).
Ilustração: Sebastião Araújo |
Figura 1. Desenho esquemático de um tensiômetro. |
Os tensiômetros devem ser instalados no solo em duas profundidades, 15 cm e 30 cm, em pelo menos três locais da área plantada, quando se trata de irrigação por pivô-central. Esses locais devem corresponder a 4/10, 7/10 e 9/10 do raio do pivô, em linha reta a partir da base. O tensiômetro de 15 cm é chamado tensiômetro de “decisão”, porque indica o momento da irrigação, enquanto o de 30 cm é chamado tensiômetro de “controle”, porque indica se a irrigação está sendo bem conduzida, sem excesso ou falta de água. A irrigação deve ser efetuada quando a média das leituras dos tensiômetros de decisão estiver em torno de 25 kPa.
O procedimento para determinação da quantidade de água a ser aplicada é o seguinte: de posse da curva de retenção de água (Figura 2), que é uma propriedade físico-hídrica do solo, determinada em laboratório, e que relaciona o conteúdo de água do solo com a força com que ela está retida por ele, verifica-se a quanto 25 kPa corresponde em conteúdo de água no solo, dado em m3 de água/m3 de solo. Em seguida, calcula-se a diferença entre o conteúdo de água a 8 kPa (capacidade de campo) e a 25 kPa. Essa diferença, multiplicada pela profundidade de 30 cm, indicará a lâmina líquida de irrigação. Isso se deve ao fato de que a camada de solo de 0-30 cm de profundidade engloba a quase totalidade das raízes do arroz irrigado por aspersão e de que a leitura do tensiômetro de decisão representa a tensão média da água do solo nessa camada (STONE et al., 2009).
Outra possibilidade é que a irrigação seja realizada toda vez que a evapotranspiração acumulada, calculada pela equação 1, atingir o valor da lâmina líquida de irrigação determinada como descrito anteriormente.
Gráfico: Sebastião Araújo |
Figura 2. Curva de retenção da água do solo. |
Outra maneira de manejar a irrigação do arroz de terras altas é com o uso do aparelho denominado irrigâmetro (Figura 3), com o qual é possível determinar quando irrigar, qual a lâmina de água necessária à cultura e qual o tempo de irrigação.
O irrigâmetro é um aparelho evapotranspluviométrico dotado de um tubo transparente interconectado a um evaporatório com nível de água constante, sendo que a posição do nível de água no tubo transparente em relação a réguas apropriadas indica o momento de irrigar a cultura e o tempo de funcionamento ou a velocidade de deslocamento do equipamento de irrigação. O uso de evaporatórios com diferentes superfícies líquidas expostas à atmosfera possibilita introduzir os efeitos do coeficiente do tanque, do coeficiente da cultura e do coeficiente de localização, fornecendo valores de evaporação, de evapotranspiração de referência e de evapotranspiração da cultura. O aparelho também permite medir a chuva e computar a sua efetividade no manejo da água de irrigação.
A operação do irrigâmetro é muito simples, consistindo na abertura e no fechamento de válvulas existentes no aparelho, de acordo com uma sequência definida. Para que o irrigâmetro funcione de maneira adequada, ele deve ser previamente ajustado para os tipos de solo e de cultura e para as características do equipamento de irrigação existentes na propriedade agrícola. O momento de irrigar é decidido pelo operador do equipamento de irrigação, que não precisa ter formação técnica especializada. Não é necessário fazer cálculos, usar gráficos ou programas computacionais. A quantidade de água que a cultura necessita é indicada diretamente na escala existente no tubo de alimentação do irrigâmetro.
No sistema de irrigação por aspersão convencional, o irrigâmetro é equipado com a régua temporal. Uma vez verificada a necessidade de irrigar, o tempo de funcionamento do equipamento de irrigação é indicado diretamente na régua temporal do irrigâmetro. Nos sistemas de movimentação mecânica, como o pivô-central e o sistema linear, o irrigâmetro é equipado com a régua percentual, situada à esquerda do tubo de alimentação. A velocidade de deslocamento do equipamento de irrigação para aplicação da quantidade de água necessária à cultura é indicada diretamente na régua percentual do irrigâmetro.
Ilustração: Sebastião Araújo |
Figura 3. Desenho esquemático de um irrigâmetro. |
Recentemente, a Embrapa Arroz e Feijão lançou o software de manejo da irrigação do arroz sob pivô central, o irrigaArroz (https://www.cnpaf.embrapa.br/irrigaArroz/) (https://www.cnpaf.embrapa.br/irrigaArroz) (Figura 4). Inicialmente, o programa foi feito para duas regiões produtoras, Goiás e alguns municípios de Minas Gerais. O software fornece um calendário de irrigação a partir da data de semeadura, com as respectivas lâminas, frequência de irrigação e velocidade de deslocamento do equipamento, baseado nas normais climatológicas da região e em coeficientes de cultivo (kc) da cultura, determinados pela pesquisa. Por ser muito prático e embasado cientificamente, entende-se que é de grande utilidade para os produtores de arroz de terras altas, no manejo da água de irrigação da cultura.
Foto: Fábio Fernandes Noleto |
Figura 4. IrrigaArroz |
Referências
STONE, L. F.; SILVEIRA, P. M. da. Determinação da evapotranspiração para fins de irrigação. Goiânia: EMBRAPA-CNPAF, 1995. 49p. (EMBRAPA-CNPAF. Documentos, 55). https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPAF/11695/1/doc_55.pdf.
STONE, L. F.; SILVEIRA, P. M. da. Arroz irrigado por aspersão. Informe Agropecuário, v. 25, n. 222, p. 67-73, 2004.
STONE, L. F.; MOREIRA, J. A. A.; SILVEIRA, P. M. da; HEINEMANN, A. B. Curva de retenção da água do solo: centrifugação versus câmara de pressão de Richards. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA AGRÍCOLA, 38., 2009, Juazeiro, Petrolina. Planejamento da bacia hidrográfica e o desenvolvimento da agricultura: anais. Juazeiro, Petrolina: UNIVASF: Embrapa Semi-árido: CEFET: SBEA, 2009. 1 CD-ROM.
HEINEMANN, A. B.; STONE, L. F.; SILVA, S. C. da Arroz. In: MONTEIRO, J. E. B. A. (Org.). Agrometeorologia dos cultivos: o fator meteorológico na produção agrícola. Brasília, DF: Instituto Nacional de Meteorologia, 2009. p. 63-79.
DOORENBOS, J.; KASSAM, A. H. Efectos del agua sobre el rendimiento de los cultivos. Roma: FAO, 1979. 212 p. (Estudio FAO. Riego y Drenaje, 33).