Arroz
Terraceamento
Autores
Pedro Luiz Oliveira de Almeida Machado - Embrapa Arroz e Feijão
Paulo Guilherme Salvador Wadt - Embrapa Rondônia
A erosão hídrica está entre os mais relevantes processos determinantes da degradação das terras na agricultura brasileira, o que torna a adoção de práticas adequadas para seu controle um dos grandes desafios para a sustentabilidade da produção de grãos no Brasil.
O terraceamento da lavoura é uma prática de combate à erosão fundamentada na construção de terraços com o propósito de disciplinar o volume de escoamento das águas das chuvas. Essa prática deve ser utilizada concomitantemente com outras práticas edáficas (formas de manejo ou tratos ou manipulação do solo), como, por exemplo, cobertura do solo com palha (Figura 1), calagem e adubação fertilizante balanceadas, e com práticas de caráter vegetativo, por exemplo, rotação de culturas com plantas de cobertura e cultivo em nível ou em contorno. A combinação dessas práticas de controle da erosão compõe o planejamento conservacionista da lavoura.
Foto: Pedro Machado |
Figura 1. Palha de braquiária como planta de cobertura cobre o solo de uma lavoura de arroz de terras altas em Latossolo de textura argilosa, em Santo Antônio de Goiás, GO. Ao fundo, observa-se o terraço em nível. |
O terraceamento consiste na construção de uma estrutura transversal ao sentido do maior declive do terreno. Apresenta estrutura composta de um dique e um canal e tem a finalidade de reter e infiltrar, nos terraços em nível, ou escoar lentamente para áreas adjacentes, nos terraços em desnível ou com gradiente, as águas das chuvas. Mesmo em terrenos onde a declividade seja de 1%, o terraceamento deve ser feito.
A função do terraço é a de reduzir o comprimento da rampa, área contínua por onde há escoamento das águas das chuvas, e, com isso, diminuir a velocidade de escoamento da água superficial. Ademais, por permitir a retenção de água da enxurrada contribui para a recarga de aquíferos.
Plantio direto sem terraço não evita erosão
Em solos sob plantio direto a presença de palha contribui para aumentar a rugosidade do terreno, estabilizar os agregados do solo e impedir a desagregação das partículas pelo contato direto com as gotas de chuva, o que resulta em maiores taxas de infiltração e diminuição do volume de escoamento da água pela enxurrada.
Mesmo em solos sob plantio direto, a enxurrada pode ser expressiva principalmente com chuvas de alta intensidade e se agrava em terrenos com rampas longas ou de declividade acentuada. Nessas situações, pode até mesmo ocorrer a remoção da palha pela enxurrada, o que agrava a perda de água e de matéria orgânica, mesmo que se perca pouco solo. Por isso, há um grande equívoco em se afirmar que lavouras sob sistema de plantio direto não necessitam de terraceamento. Argumenta-se, erroneamente, que a palha que recobre o solo retém a enxurrada, quando, na verdade, a palha aumenta a velocidade de infiltração e diminui a desagregação do solo, mas não reduz completamente a enxurrada.
A eliminação dos terraços em sistema de plantio direto também é motivada pela maior facilidade na operação de implementos agrícolas destinados à semeadura, pulverização de agrotóxicos e colheita dos grãos. Contudo, não há dados científicos que auxiliem no estabelecimento de critérios para a retirada total de terraços em lavouras sob sistema de plantio direto. A maior rugosidade do terreno e a menor desagregação dos agregados do solo sob sistema de plantio direto contribuem para o maior espaçamento entre terraços, mas não para sua eliminação.
Adicionalmente, o terraceamento contribui para o manejo das águas das estradas e para o retardamento e a contenção do aporte de agroquímicos aos mananciais hídricos. Em sistema de plantio direto, isso é ainda mais relevante, já que os corretivos, fertilizantes e herbicidas tendem a permanecer um maior tempo na superfície do solo, o que os torna mais predispostos à movimentação pela enxurrada e, dessa forma, aumenta o risco de poluição de rios e lagos.
Terraceamento agrícola
Consiste na distribuição de terraços em áreas agrícolas. Os terraços são distribuídos de acordo com as características da chuva, como quantidade, duração e intensidade, e da paisagem, comprimento da rampa, rugosidade do terreno, profundidade e permeabilidade do solo, e com as práticas de manejo agrícola, como plantio convencional, cultivo mínimo e plantio direto.
O terraço é composto de duas partes: a) o canal coletor, de onde é retirada a massa de solo, e b) o camalhão ou dique, construído com a massa de solo movimentada do canal (Figura 2).
Figura 2. Corte transversal de um terraço com seção trapezoidal: B = base maior do trapézio; b = base do canal do terraço ou base menor do trapézio; H = altura do camalhão; L = largura da crista.
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Classificação dos terraços
Quanto à função
Terraço em nível, de retenção ou de infiltração
São terraços construídos sobre as niveladas demarcadas em nível e com as bordas bloqueadas, cuja função é interceptar a enxurrada e permitir que a água seja retida e infiltre. São terraços recomendados para solos de boa permeabilidade, como os Latossolos, Nitossolos, anteriomente denominados Terras Roxas Estruturadas, além dos arenosos, como os Neossolos Quartzarênicos e as Areias Quartzosas (Figura 3).
Foto: Pedro Machado |
Figura 3. Cultivo de arroz de terras altas sobre palha de braquiária em um Latossolo Vermelho de textura argilosa, em Santo Antônio de Goiás, GO. |
Terraço em gradiente, em desnível, de escoamento ou de drenagem
São construídos com pequeno gradiente ou desnível transversal em relação ao maior declive da rampa. Acumula o excedente de água e permite seu escoamento lentamente para fora da área protegida, por uma ou duas extremidades abertas, até canais escoadouros vegetados. São recomendados para solos com permeabilidade moderada ou lenta que dificultam a infiltração de água da chuva na intensidade necessária. São recomendados para solos das classes dos Cambissolos, Argissolos, antigos Podzólicos e Neossolos Litólicos.
Terraço misto
Construído com um canal de pequeno declive e com um volume de acumulação do escoamento superficial. Uma vez que esse volume de acumulação seja preenchido, começa a funcionar como terraço em gradiente.
Quanto à construção
Tipo Nichols
Na sua construção, o solo é cortado com arado (não se deve usar grade aradora) e movimentado sempre de cima para baixo, de modo que a massa de solo que forma o camalhão seja retirada da faixa imediatamente superior, o que resulta no canal (Figuras 4 e 5). Esse tipo de canal pode ser construído em rampas com declive de até 15% e, excepcionalmente, de 18%, se o solo apresentar boa cobertura de palha.
Ilustração: Pedro Machado |
Figura 4. Esquema de terraço do tipo Nichols disposto numa rampa. |
Foto: Aluísio Goulart Silva |
Figura 5. Detalhe de terraço do tipo Nichols construído em um Latossolo de textura argilosa, em sistema de plantio direto de arroz de terras altas sobre palha de braquiária, em Brazabrantes, GO. |
Ilustração: Pedro Machado |
Figura 6. Esquema comparativo da secção transversal de terraços de base larga (A), média (B) e estreita (C). |
Os terraços de base larga e nivelados devem ser construídos em Latossolos e Neossolos Quartzarênicos, solos arenosos. Têm a vantagem de permitir o cultivo em praticamente toda a sua superfície e de facilitar sua manutenção com as operações normais de preparo do solo.
Os terraços de base média são indicados para pequenas ou médias propriedades onde há maquinaria suficiente para os implementos recomendados, com declividade do terreno de até 15%.
Os terraços de base estreita são recomendados apenas em condições em que não seja possível instalar terraços de base média ou larga. Normalmente, são recomendados para pequenas propriedades, com baixa intensidade de mecanização agrícola e devem ser construídos em terrenos com declividade acima de 12%. Sua principal desvantagem é a diminuição da área útil para o cultivo agrícola.
Os procedimentos para instalação de terraços em nível com o uso de mangueira e pequeno trator com arado de discos podem ser visualizados em: https://www.youtube.com/watch?v=tPJzm39kmoQ
Dimensionamento dos terraços
- os espaços entre os terraços devem ser estabelecidos rigorosamente de acordo com a declividade da área, de forma a evitar super ou subdimensionamento dessas distâncias; e
- as secções mínimas dos terraços devem ser estabelecidas conforme a velocidade de infiltração da água no solo, intensidade máxima provável de chuvas e volume de água a ser captado, inclusive da drenagem das estradas.
O espaçamento entre terraços é calculado de acordo com a capacidade de infiltração de água no solo, a resistência que o solo oferece à erosão e o uso e manejo do solo. Vale ressaltar que a metodologia de cálculo utilizada é a mesma para terraços em nível e para terraços em desnível.
Existem vários modelos para a determinação do espaçamento entre os terraços. O mais apropriado é baseado nos valores toleráveis de perda de solo obtidos com o uso da Equação Universal de Perdas de Solo Revisada (Rusle). Entretanto, seu emprego para as condições brasileiras tem restrições em razão dos limitados bancos de dados para estimar os fatores considerados no modelo, bem como as informações de pesquisa de campo nas várias regiões. Face a essas limitações, pode-se utilizar metodologia proposta por Lombardi Neto, com adaptações para o sistema de plantio direto.
Atualmente, há um modelo matemático transformado em um programa (software) denominado Terraço 3.0 ou Terraço for Windows, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Recursos Hídricos da Universidade Federal de Viçosa (http://www.gprh.ufv.br/index.php?area=softwares).
O programa é bastante prático, ágil e preciso para dimensionamento e locação de sistemas de conservação de solos, especialmente o terraceamento. O programa é utilizado para dimensionamento de terraços tanto em gradiente como em nível, considerando dados regionais e características da planta cultivada, ou seja, chuva máxima (precipitação pluvial máxima em milímetros) esperada para períodos de retorno escolhidos pelo produtor ou técnico. Considera ainda a taxa de infiltração de água no solo, a declividade do terreno, o manejo do solo, das culturas e dos resíduos de plantas. A altura da crista do terraço pode ser dimensionada de acordo com a topografia do terreno e o maquinário disponível para a sua construção. O programa Terraço 3.0 foi validado também para as condições do Rio Grande do Sul, particularmente para um Latossolo argiloso no município de Sarandi.
Caso não haja disponibilidade de computador para executar o programa Terraço 3.0, como regra geral, e uma vez consideradas iguais as variáveis relativas à classe de solo e ao tipo de cultivo, o espaçamento vertical entre os terraços é determinado de acordo com o manejo do solo e dos restos culturais, na seguinte proporção:
E = ev x n,
em que:
E = espaçamento vertical entre os terraços
ev = espaçamento vertical entre os terraços em sistemas de preparo do solo com grade aradora ou grade pesada ou enxada rotativa, e com incorporação ou queima dos restos culturais.
n = fator de distanciamento dos terraços de acordo com o preparo do solo e o manejo dos restos culturais, conforme Tabela 1.
Tabela 1. Valores para o fator n de acordo com o manejo do solo. |
Fonte: Adaptado de Rio Grande do Sul (1985). |
Conhecido o espaçamento vertical, que é a diferença de cotas entre dois terraços consecutivos, pode-se então determinar o espaçamento horizontal (EH) entre os terraços e, dessa forma, determinar a área de captação pluvial, para que finalmente sejam dimensionados os terraços, canais em nível ou em desnível, ou seja, calcular as secções mínimas dos terraços. As dimensões dos canais vão variar de acordo com a situação dos terraços, se em nível ou desnível.
Referência
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Agricultura. Manual de conservação do solo. 3.ed. Porto Alegre, 287p.