Manejo de plantas daninhas

Conteúdo migrado na íntegra em: 01/10/2021

Autores

André Andres - Embrapa Clima Temperado

Matheus Bastos Martins - Consultor autônomo

 

A presença de plantas daninhas no cultivo de arroz irrigado (Figura 1) interfere na produtividade da cultura. As plantas daninhas ocorrem simultaneamente com a cultura e competem por espaço e recursos do ambiente, como água, luz e nutrientes. A competição normalmente se inicia após a emissão da quarta folha definitiva do arroz e, na ausência de estratégias de controle durante todo o ciclo produtivo, as perdas na produtividade podem chega a 100%. Perdas indiretas são consideradas principalmente quando interferem na operação da colheita e na qualidade de grãos ou sementes. É importante salientar que as lacunas na produtividade da cultura também podem ser ocasionadas por erros na época de semeadura, adubação não equilibrada e manejo de doenças e insetos, entre outros fatores.

 
 Foto: Matheus Bastos Martins
Figura 1. Infestação típica de plantas daninhas em uma lavoura de arroz irrigado no RS: plântulas de arroz daninho (1), capim-arroz (2), angiquinho (3) e ciperáceas (4).  
 

Folhas largas

Uma série de espécies está associada à produção de arroz irrigado nas terras baixas do RS, desde o período de preparo das áreas para a semeadura da cultura, até o momento de sua colheita. No caso das eudicotiledôneas, destacam-se espécies de angiquinho (Figura 2) (Aeschynomene denticulata, Aeschynomene indica, Aeschynomene rudis e Aeschynomene sensitiva) e o chápeu-de-couro (Figura 3) (Sagittaria montevidensis), sendo a primeira planta daninha considerada como de maior grau de dificuldade de controle.

 Foto: Matheus Bastos Martins
Figura 2. Plantas de angiquinho (Aeschynomene denticulata e Aeschynomene indica) adultas na lavoura de arroz irrigado.

 

Foto: Matheus Bastos Martins
Figura 3. Planta adulta de chapéu-de-couro (Sagittaria montevidensis).

 

Ciperáceas

A família Cyperaceae (Figura 4) está presente em áreas de cultivo de arroz irrigado, especialmente nos gêneros Cyperus, como Cyperus difformis e Cyperus iria. Essa classe de plantas daninhas normalmente ocorre em situações em que o solo permanece saturado e sem lâmina d’água estabelecida, seja por grandes volumes de chuva seja por intermitência na irrigação.

Fotos: Matheus Bastos Martins
Figura 4. Inflorescência de três espécies de ciperáceas: Cyperus difformis (a), Cyperus esculentus (b) e Cyperus iria (c).

 

Arroz daninho

Indiscutivelmente, as plantas daninhas que causam os maiores prejuízos na cultura são o arroz daninho (Figura 5) (Oryza sativa) e o capim-arroz (Figura 6) (complexo Echinochloa). No caso do arroz daninho, a proximidade genética entre os biótipos da planta daninha com a planta cultivada e algumas vantagens adaptativas tornam seu manejo extremamente complicado, existindo ainda biótipos resistentes aos herbicidas do grupo químico das imidazolinonas presentes em uma grande porcentagem das lavouras do RS. Uma das principais estratégias adaptativas que o arroz daninho desenvolveu ao longo de seu processo evolutivo é o degrane de suas sementes antes da colheita do arroz cultivado. Esse fenômeno permite que nova geração de “rebentos” da planta daninha chegue ao banco de sementes e incremente a infestação de uma determinada área, sem que possam ser colhidos simultaneamente com a cultura e consequentemente retirados do ambiente. Essas sementes se separam da planta-mãe com diferentes graus de dormência, o que garante a sua emergência em momentos distintos, sendo essa uma estratégia que possibilita a distribuição da infestação ao longo do tempo. Além das adaptações evolutivas citadas, as sementes de arroz daninho podem apresentar maior longevidade que as do arroz cultivado e capacidade de emergir em uma ampla faixa de condições ambientais, principalmente quando incorporadas em profundidades superiores a 10 cm.

Fotos: Matheus Bastos Martins
Figura 5. Arroz daninho em lavoura de arroz irrigado e sementes da infestante sob o solo após degrane.

 

Capim-arroz

Já o capim-arroz tem características ecofisiológicas que o tornam altamente competitivo no ambiente em que o arroz é cultivado, além de ser tolerante a alguns métodos de controle utilizados na cultura. Por se tratar de espécie com metabolismo fotossintético C4, o capim-arroz é naturalmente mais eficiente no aproveitamento dos recursos disponíveis no ambiente do que o arroz cultivado. Dessa forma, o capim-arroz tem a capacidade de produzir uma grande quantidade de sementes em um curto espaço de tempo e em condições em que a maioria das espécies não se desenvolve adequadamente, tornando-o dominante nas condições de cultivo do arroz irrigado. A alta prolificidade, os diferentes níveis de dormência e a ampla faixa de condições favoráveis para germinação das sementes dessas espécies fazem com que sua infestação nas áreas de produção de arroz seja extremamente alta, gerando um fluxo contínuo de emergência de plântulas durante o período de estabelecimento da cultura e início da irrigação, o que torna seu manejo ainda mais complexo.

 

Fotos: Matheus Bastos Martins
Figura 6. Inflorescências de três espécies de capim-arroz: Echinochloa colona (a), Echinochloa crus-galli var. crus-galli (b) e E. crus-galli var. crus-pavonis (c).

 

Gramíneas secundárias

Algumas gramíneas presentes principalmente em culturas de sequeiro vêm ganhando espaço na lavoura arrozeira (Figura 7), como o papuã (Urochloa plantaginea), a milhã (Digitaria sanguinalis) e o capim-pé-de-galinha (Eleusine indica). Essas espécies ocupam o topo das taipas das lavouras, onde não é estabelecida a lâmina d’água, permitindo que se desenvolvam e se multipliquem. A intermitência da irrigação, quando o solo fica saturado ou na capacidade de campo, também favorece o estabelecimento dessas espécies, principalmente em lavouras com declive acentuado, onde as taipas são construídas próximas umas das outras.

 

Fotos: Matheus Bastos Martins

Figura 7. Plântulas de gramíneas secundárias: Urochloa plantaginea (a), Digitaria sanguinalis (b) e Eleusine indica (c).

 

Manejo integrado de plantas daninhas em arroz irrigado

Os orizicultores têm adotado diversos métodos de controle, visando desenvolver estratégias de manejo integrado das plantas daninhas. Os mais utilizados são os métodos mecânico, cultural, físico-biológico e químico.

Inicialmente, é importante salientar que, devido a questões culturais, a maioria dos orizicultores no Rio Grande do Sul realiza a colheita da cultura com a lavoura inundada (Figura 8), o que reduz a probabilidade de atolamento das máquinas durante a operação e, consequentemente, seu desgaste e depreciação. Contudo, essa prática provoca a desestruturação do solo, já que, após a colheita, as áreas ficam marcadas por rastros profundos de pneus devido ao intenso trânsito de máquinas pesadas.

Foto: Matheus Bastos Martins
Figura 8. Lavoura de arroz sendo colhida ainda com lâmina d’água.

 

As lavouras de arroz do Rio Grande do Sul são, em sua grande maioria, implantadas após intenso trabalho de implementos de revolvimento e nivelamento do solo, que tem três principais objetivos:

a) readequar a estrutura do solo após a colheita;

b) acelerar a decomposição dos restos culturais; e

c) controlar fluxos de plantas daninhas que se estabelecem na entressafra.

 

Controle mecânico

Após a colheita na água, o preparo do solo pode ter início ainda com a lavoura inundada. O rolo-faca é muito utilizado nessa condição por possibilitar o contato da resteva da cultura com o solo sem revolvimento, permitindo que essa seja decomposta pela microbiota do solo. Uma opção adotada com a lavoura inundada ou não (Figura 9) é o revolvimento do solo, visando enterrar a resteva, com arado de aiveca ou grade aradora. Independentemente do implemento usado no preparo primário do solo, a grade niveladora é utilizada posteriormente no intuito de reduzir o tamanho das partículas do solo e controlar plantas daninhas que tenham se estabelecido no intervalo entre essas práticas. Posteriormente é realizado o nivelamento do solo com plainas para planificação do microrrelevo do solo, que permite o estabelecimento uniforme da lâmina de irrigação no próximo ciclo de cultivo.

Fotos: Matheus Bastos Martins
Figura 9. Preparo do solo com grade aradora em seco e com rolo-faca em solo inundado.

 

A dessecação da resteva após seu rebrote é uma estratégia adotada recentemente para reduzir o número de operações de revolvimento do solo. A pulverização do herbicida glyphosate na resteva provoca a morte dos restos culturais e facilita sua decomposição após ter contato com o solo, sem a necessidade da utilização do arado ou da grade aradora, que atuam em profundidade. Além disso, essa prática controla plantas daninhas que emergiram em razão das condições ambientais favoráveis do início do outono.

Em propriedades onde a produção de arroz e a pecuária estão presentes, os rebrotes da resteva do arroz são aproveitados como uma pastagem de baixo custo para bovinos. Nesses casos, quando a lotação de animais é alta o suficiente, a resteva do arroz é colocada em contato com o solo devido à ação do pisoteio dos animais, o que pode substituir o revolvimento do solo com arado ou grade aradora, bem como a prática de enterrio da resteva, utilizando o rolo-faca. Outra prática associada à pecuária, que visa reduzir o volume de palha presente na lavoura após a colheita, sem a utilização de distribuidores de palha, é o enfardamento desse resíduo que é deixado pelas colhedoras em forma de leiras sobre a resteva do arroz (Figura 10). Após o enfardamento, os rolos de palha são ofertados para bovinos, sendo uma alternativa para períodos de redução de disponibilidade de alimentos.

Fotos: Matheus Bastos Martins
Figura 10. Fardos de palha de arroz após a colheita da cultura e pastejo intensivo da resteva do arroz com gado de corte.

 

Nos exemplos citados anteriormente, as práticas de preparo do solo têm início entre os meses posteriores à colheita (abril/maio) e término próximo da janela de semeadura da cultura, o que influencia diretamente o nível de infestação presente durante o estabelecimento do arroz. Como o solo é revolvido de três a quatro vezes na entressafra, muitas sementes de plantas daninhas são movimentadas verticalmente no perfil do solo, e as sementes produzidas no último ciclo de cultivo são enterradas, enquanto as sementes velhas com dormência superada que aguardam apenas as condições favoráveis para germinação são transportadas para as camadas mais superficiais, provocando alto fluxo de emergência nas lavouras.

Uma alternativa a esse ciclo é o preparo antecipado do solo, conhecido como preparo de verão, que é adotado em propriedades com áreas extensas em que é possível não cultivar arroz durante o verão. Essa prática segue os mesmos processos de revolvimento do solo do sistema convencional, contudo distribui as práticas de preparo do solo durante os meses de primavera/verão. Com as condições ambientais mais favoráveis para a emergência de plantas daninhas, as práticas de controle mecânico tendem a controlar um maior número de indivíduos. Esse processo de preparo de verão pode ser repetido por diversos anos, mantendo a área em pousio, reduzindo significativamente o banco de sementes de plantas daninhas. Outro efeito intrínseco do preparo de verão é que, com o solo pronto no início do outono, a semeadura da próxima safra está garantida dentro da janela preferencial de cultivo, o que se configura como uma prática de controle cultural, uma vez que, semeando o arroz antes da infestação de plantas daninhas, a competição é reduzida em comparação com a do final da janela de semeadura.

 

Controle físico

A lâmina d’água é um dos exemplos mais importantes de controle físico de plantas daninhas, inibindo a germinação de sementes das infestantes, uma vez que o oxigênio presente nos poros do solo é substituído por água, impedindo que a semente inicie o processo germinativo. Assim, a manutenção da lâmina d’água durante todo o ciclo da cultura é fundamental, complementando a ação de herbicidas utilizados e favorecendo o desenvolvimento da cultura.

Recentemente, a realização da colheita do arroz com solo seco tem ganhado espaço devido à diversificação nas áreas arrozeiras e ao aumento no interesse na integração lavoura-pecuária. Com a colheita sendo realizada sem água, os problemas de desestruturação do solo causados pelo trânsito de máquinas são eliminados, permitindo implantação imediata de pastagens (Figura 11) ou culturas de cobertura.

Foto: Matheus Bastos Martins

Figura 11. Pastagem de azevém e trevo-persa estabelecida em lavoura de arroz cuja colheita foi realizada em solo seco.

 

Para acelerar a decomposição dos restos culturais, a pecuária desempenha papel fundamental, uma vez que o pisoteio durante o consumo dos rebrotes da resteva ou de uma pastagem implantada antecipadamente coloca os restos culturais (palha e resteva) em contato direto com o solo. A dessecação da resteva é uma alternativa que pode contribuir para sua rápida decomposição, desde que uma pastagem já esteja estabelecida para consumo dos bovinos. O enfardamento da palha também contribui, pois remove o alto volume que permanece sobre a resteva, o qual pode prejudicar o estabelecimento das pastagens. Contudo, remover esse resíduo do sistema pode causar uma alta exportação de potássio, sendo necessário realizar adubação com fontes desse nutriente na pastagem. Uma alternativa seria a utilização de um espalhador de palha adequado na colhedora. Dessa forma, quando os bovinos forem pastejar os rebrotes da resteva, a palha será colocada em contato com o solo pelo pisoteio e posteriormente decomposta.

Essa prática, além de auxiliar na decomposição da palhada, apresenta diversas vantagens para o manejo de plantas daninhas, uma vez que o revolvimento do solo é praticamente inexistente e, assim, sementes velhas com dormência superada presentes nas camadas mais profundas do solo não são movimentadas para a superfície e tendem a ser consumidas, decompostas ou ter suas reservas exauridas. Ainda, a manutenção do solo coberto reduz a infestação de plantas daninhas durante o período de estabelecimento da cultura de verão, uma vez que a incidência de luz na superfície do solo é reduzida, e isso impossibilita a germinação de plantas daninhas com sementes fotoblásticas positivas, reduzindo também a variação e a amplitude térmica, que são estímulos para a superação da dormência e fundamentais para a germinação de sementes. Além disso, constitui uma barreira física para a emergência das plantas daninhas, dificultando seu estabelecimento enquanto são dependentes das reservas das sementes, o que pode levar ao exaurimento antes de alcançarem a luz e poderem iniciar a fotossíntese. Contudo, assim como pode prejudicar o estabelecimento das plantas daninhas, nesse sistema o estabelecimento das culturas pode ser um desafio, já que as mesmas condições citadas anteriormente também se aplicam às sementes da cultura.

 

Controle cultural

Entre os principais métodos culturais que os produtores podem adotar para manejar as plantas daninhas, destacam-se a implantação de pastagens de alta qualidade e plantas de cobertura durante a entressafra. Além disso, a rotação de culturas do arroz com cultivos, como a soja e o milho, também se torna uma realidade, desde que a drenagem da área seja adequada e posteriormente se adote o sistema de semeadura semidireta de arroz na resteva do cultivo anterior, sendo a soja o exemplo mais comum, no qual a única prática de revolvimento do solo é a construção de taipas e a dessecação da vegetação de sucessão. A introdução dessas novas espécies no ambiente de cultivo do arroz irrigado permite também a utilização de herbicidas com mecanismos de ação alternativos, os quais podem controlar espécies que desenvolveram resistência aos herbicidas utilizados na cultura do arroz. O principal benefício desse método de controle é a redução do banco de sementes de plantas daninhas no solo (Figura 12). Sendo assim, a rotação de culturas do arroz irrigado, principalmente com a soja, já é consolidada na maioria das regiões de produção de arroz irrigado no RS, e tem crescido com a introdução do sistema de cultivo em sulco-camalhão.

Figura 12. Possíveis rotações de culturas e integração com a pecuária que são adotadas atualmente nas terras baixas, visando à redução do banco de sementes de plantas daninhas e à diversificação das propriedades.

 

Outro método cultural que pode ser adotado para favorecer a cultura em detrimento das plantas daninhas é a semeadura antecipada, que evita fluxos de emergência com grandes populações de plantas daninhas que irão competir com a cultura durante os momentos iniciais de estabelecimento do arroz. Ainda, a adubação em linha e equilibrada, principalmente a nitrogenada em cobertura, também se caracteriza como método de controle cultural.

 

Controle químico

Associado aos métodos de controle mecânico e culturais para manejo do arroz daninho e do capim-arroz, algumas estratégias químicas são utilizadas visando reduzir o banco de sementes dessas espécies. Nas lavouras onde o preparo do solo é realizado imediatamente após a colheita ou em áreas que permaneceram em pousio por mais de ano e tiveram o solo preparado durante o verão, o herbicida de ação total glyphosate é amplamente utilizado. Seu objetivo é controlar fluxos de emergência que ocorrem na entressafra, em áreas onde o preparo do solo já foi concluído e nas áreas de pousio. Essa prática reduz o banco de sementes, uma vez que controla plântulas provenientes de sementes que superaram o estado de dormência e ainda impede a sua reprodução e, consequentemente, o incremento do banco de sementes.

Outra estratégia química que foi desenvolvida no início dos anos 2000 é a aplicação no ponto de agulha. Trata-se da pulverização do herbicida glyphosate após a semeadura do arroz cultivado, mas antes de sua emergência, controlando o fluxo de emergência de arroz daninho e capim-arroz que já está estabelecido antes da emergência da cultura. Com isso, evita-se a competição inicial da plântula de arroz com plantas daninhas em estádio avançado de desenvolvimento, uma vez que, por estarem a um longo período no solo, já ocorreram condições ideais para superação do estado de dormência e para germinação de suas sementes.

Contudo, a utilização de herbicidas pré-emergentes vem se mostrando indispensável para a orizicultura gaúcha, devido à alta densidade de sementes de capim-arroz e arroz daninho presentes no solo. Esses herbicidas apresentam características físico-químicas que permitem que sejam absorvidos por sementes em processo de germinação e plântulas em emergência, prevenindo que se estabeleçam e passem a competir com a cultura pelos recursos do ambiente. Além disso, alguns deles apresentam efeito residual, podendo controlar mais de um fluxo de emergência das plantas daninhas, caso as condições ambientais sejam favoráveis para sua ação.

Na Tabela 1, são listados os herbicidas registrados para utilização na cultura do arroz irrigado, sua modalidade de aplicação, amplitude de doses de registro e seu espectro de controle.

 
 
A suscetibilidade das principais espécies de plantas daninhas aos herbicidas encontra-se na Tabela 2.