Arroz
Irrigação e drenagem
Autores
Luís Fernando Stone - Embrapa Arroz e Feijão
Pedro Marques da Silveira - Embrapa Arroz e Feijão
Alberto Baeta dos Santos - Embrapa Arroz e Feijão
José Aloísio Alves Moreira - in memoriam
Introdução
O requerimento de água para o cultivo do arroz irrigado depende, principalmente, das condições climáticas, do manejo da cultura, das características físicas do solo, das dimensões e revestimento dos canais, da duração do ciclo da cultivar, da localização da fonte e da profundidade do lençol freático.
A quantidade de água necessária para o cultivo do arroz irrigado por inundação é considerada elevada quando comparada com outras culturas de grão. Isso ocorre porque outros componentes relacionados ao uso da água, além da evapotranspiração (evaporação da água mais transpiração da planta), são levados em conta, como percolação (movimento vertical da água no solo além da zona radicular) e perdas por fluxo lateral. Quando se considera apenas a evapotranspiração, a eficiência do uso da água pelo arroz, definida como a relação entre a produção do produto comercial pela quantidade de água evapotranspirada, é comparável com a de outros cereais. A produtividade do arroz por unidade de evapotranspiração situa-se ao redor de 1,1 kg/m3, podendo ser tão alta quanto 1,6 kg/m3. Assim, a irrigação deve ser conduzida de maneira a reduzir a fração da água aplicada que não contribui para a formação da produtividade.
A qualidade da água e a sua temperatura, assim como o seu adequado manejo, compreendendo o início da irrigação, a altura da lâmina de água e a drenagem final, são de fundamental importância para o sucesso na produção do arroz irrigado por inundação. A água interfere na disponibilidade de nutrientes, na população e nas espécies de plantas daninhas e na incidência de alguns insetos-pragas e doenças, além de influenciar o crescimento e o desenvolvimento das plantas de arroz.
Necessidade de água
Valores típicos de evapotranspiração de arroz nos trópicos são 4 mm a 5 mm por dia, na estação chuvosa, e 6 mm a 7 mm por dia, na estação seca. Em pequenas lavouras irrigadas, a evapotranspiração pode ser maior, por causa da energia advectiva (trazida até elas por ventos provenientes de áreas não irrigadas). Na região tropical do País, a maior área de arroz irrigado encontra-se no Tocantins. Nesse estado, o método tradicional de irrigação é a inundação contínua com lâmina de água estática. Nos últimos anos, a crescente preocupação com a racionalização do uso da água tem incrementado o uso da inundação intermitente nas planícies irrigadas tropicais. Nessa região, é comum a manutenção do solo na condição de saturação durante grande parte do ciclo da cultura, o que minimiza os efeitos do estresse por alta temperatura da água.
O consumo de água pelas lavouras tocantinenses depende, principalmente, da altura do lençol freático, que, por sua vez, depende do nível de água dos rios, o qual é afetado pelo regime de chuvas. Assim, na época em que ocorrem menos precipitações pluviais durante a estação chuvosa, normalmente a partir de janeiro, a dotação de rega requerida é da ordem de 4,0 L/ha a 4,5 L/ha por segundo. Vale lembrar que 4,0 L/ha por segundo equivalem, aproximadamente, a uma chuva de 35 mm. É necessário, portanto, ajustar o tamanho da área cultivada à possibilidade de fornecimento da dotação de rega requerida no período mais crítico. Em anos em que ocorrem estiagens durante o ciclo da cultura ou em que a distribuição das chuvas é muito irregular, em muitas propriedades não é possível o fornecimento dessa quantidade de água. Nessas propriedades, especialmente quando esse período coincide com a fase reprodutiva, essa condição favorece a ocorrência de brusone nas panículas. Por sua vez, o excesso de água na lavoura nas fases iniciais de desenvolvimento do arroz prejudica a germinação, afoga as plântulas e inibe o perfilhamento. O excesso de água deve ser retirado da área, no máximo, em 48 horas. Para tanto, deve-se dimensionar o tamanho dos tabuleiros, especialmente em situação de nivelamento total, em que o escoamento horizontal é mais lento.
Qualidade da água
As características da água de irrigação que determinam sua qualidade quanto à salinidade são as seguintes: concentração total de sais minerais; relação entre o sódio e os outros cátions (moléculas com cargas positivas), concentração de boro e outros elementos; e, sob algumas situações, concentração de bicarbonato em relação à concentração de cálcio e magnésio. Somente a determinação de todos esses fatores permitirá a melhor avaliação da qualidade da água para irrigação. O excesso de sais nas proximidades do sistema radicular reduz o crescimento das plantas devido a efeitos específicos e não específicos, os quais, por sua vez, dependem da qualidade e da quantidade dos sais presentes, respectivamente. Os efeitos específicos, ou fisiológicos, são aqueles causados por um desequilíbrio nas concentrações relativas de várias espécies de íons com relação a outro, enquanto os efeitos não específicos, ou osmóticos, são causados pela concentração total de sais, independentemente das espécies presentes. Os sintomas mais comuns produzidos pela salinidade, além da redução do crescimento, são a ocorrência de branqueamento nas pontas das folhas, com a consequente morte e, se a planta de arroz estiver próxima da maturidade, a ocorrência de panículas brancas e vazias na época da floração. As cultivares de arroz não toleram irrigação com água salinizada em nível igual ou superior a 0,25% de NaCl. Águas com esse teor, aplicadas a partir do início da fase reprodutiva, podem determinar reduções superiores a 50% na produtividade. Toda a irrigação deve ser suspensa quando a condutividade elétrica atingir valores iguais ou maiores que 2,0 dS/m.
As diferentes fases de crescimento do arroz apresentam diferenças quanto à tolerância à salinidade. O arroz é muito tolerante à salinidade durante a germinação, mas muito sensível durante o estádio de plântula, ganha tolerância progressivamente durante o perfilhamento, torna-se novamente sensível quando floresce e é tolerante durante o período de maturação do grão.
Temperatura da água
A planta de arroz, desde a fase inicial de irrigação até o início da formação da panícula, é mais afetada pela temperatura da água que pela do ar. Isso ocorre porque as gemas responsáveis pelo desenvolvimento das folhas, dos perfilhos e das panículas permanecem sob a água. À medida que a panícula se desenvolve e ultrapassa o nível da água, a influência da temperatura do ar aumenta e a da água diminui. Na maioria dos casos, esta última é superior à temperatura do ar.
A temperatura da água de irrigação, de um modo geral, não causa problemas nos climas tropicais, exceto quando for excessivamente alta e a água não sofrer processo de renovação. Nesses casos, pode causar danos no início da formação da panícula, reduzindo o seu número, e provocar a podridão das raízes.
As temperaturas ótimas da água encontram-se entre 25 °C e 30 °C. Em locais onde foi comprovado o efeito adverso de temperaturas elevadas sobre a produtividade, tem sido observado, ao mesmo tempo, a diminuição da absorção de silício e de potássio, a ocorrência de menor número de perfilhos e de maior porcentagem de grãos chochos. No estado do Tocantins, a temperatura da água de irrigação do arroz frequentemente alcança valores acima de 35 °C no período das 12h às 18h, atingindo índices térmicos de até 52 °C, o que pode reduzir a produtividade, dependendo da cultivar utilizada. O uso de lâmina de água estática dificulta a solução desse problema. Tanto a lâmina de água corrente como a inundação intermitente contribuem para diminuir esse problema.
De maneira geral, a ausência de lâmina de água até a floração reduz esse problema, propiciando maior produtividade de grãos. Entretanto, a inundação intermitente não deve ser usada a partir do início da floração do arroz, pois a ausência de lâmina de água nesse estádio da cultura favorece a ocorrência de brusone nas panículas. A ausência de lâmina de água durante todo o ciclo também aumenta a produtividade, mas reduz a qualidade dos grãos.
Manejo de água
Se não houver umidade suficiente no solo para germinação, a área deve ser irrigada logo após a semeadura, por um período que não exceda 24 horas, sob o perigo de acarretar o apodrecimento da semente. O início da irrigação propriamente dita ocorre de 15 a 20 dias após a emergência das plântulas. Atraso no início da irrigação favorece a ocorrência de brusone nas folhas.
A altura da lâmina de água influencia a produtividade do arroz, sendo ideal, sempre que possível, mantê-la ao redor de 10 cm, quando for usada a inundação contínua. Lâminas de água mais profundas reduzem o perfilhamento, predispõem as plantas ao acamamento, aumentam as perdas por evaporação e percolação, embora sejam mais eficientes no controle de plantas daninhas.
A irrigação é necessária, no mínimo, até 20 dias após a emergência da panícula. Logo após esse período, deve-se paralisar a irrigação, o que deve ocorrer de 10 a 15 dias antes da colheita.