Arroz
Soca
Autor
Alberto Baeta dos Santos - Embrapa Arroz e Feijão
O uso sustentável das várzeas compreende o emprego de sistemas de cultivos múltiplos, dos quais a soca de arroz – que é a capacidade das plantas de regenerarem os perfilhos férteis após o corte dos colmos na colheita – pode ser uma das alternativas viáveis para aumentar a produtividade de grãos em regiões tropicais, visto que o arroz é a espécie mais adaptada ao ecossistema várzeas.
Em um dado sistema de produção, como o do arroz irrigado, a melhoria pode ser alcançada mediante o aumento da produção por unidade de área, com maior relação benefício-custo, ou pela manutenção do nível da produtividade com redução do custo de produção. A soca de arroz oferece oportunidade para aumentar a produção de grãos por unidade de área cultivada, pois apresenta menor duração do ciclo que um novo cultivo.
No Brasil, esse sistema de cultivo de arroz é amplamente usado no estado de Santa Catarina, que detém um dos maiores índices de produtividade de grãos. No Alto Vale do Itajaí, encontram-se as áreas onde os produtores alcançam produtividades próximas de 15 t ha-1 em um único cultivo. As condições edafoclimáticas das regiões do Médio e Baixo Vale e Litoral Norte, que compreendem 30 mil hectares, não permitem esse nível de produtividade em um único cultivo, entretanto o cultivo da soca do arroz é praticado, obtendo-se produtividades entre 2 t ha-1 e 5 t ha-1 . Com isso, em uma única safra, os produtores podem alcançar de 10 t ha-1 a 12 t ha-1 .
No estado do Tocantins, a soca tem se mostrado vantajosa, com uma relação custo-benefício mais favorável; pois, em áreas mais bem conduzidas, têm sido obtidas 22 sacas de 60 kg ha-1, com custo de produção equivalente a cerca de cinco a nove sacas e ciclo ao redor de 55 dias (Figura 1). No entanto, resultados de pesquisa têm mostrado que, com o uso de tecnologia, é possível obter produtividades mais expressivas, o que tem estimulado o uso dessa prática em áreas extensivas. Com isso, o cultivo da soca possibilita aumentar a produtividade das várzeas com qualidade da produção, reduzir a sazonalidade do uso de máquinas e implementos, aumentar a ocupação da mão de obra rural e incrementar a renda líquida do produtor.
Foto: Alberto Baêta dos Santos |
Figura 1. Cultivo da soca da cultivar Epagri 108 de arroz irrigado no Tocantins. |
Para obter êxito no cultivo da soca, é necessário um planejamento do sistema de produção de arroz, compreendendo desde o estabelecimento do cultivo principal até a segunda colheita. Deve-se cultivar a soca de genótipos com reconhecida capacidade produtiva nas duas colheitas. Como a soca representa um percentual da produtividade do cultivo principal, é interessante que, para o seu cultivo, sejam selecionadas, preferencialmente, as áreas mais produtivas.
A constituição genética das cultivares, o ambiente e o manejo do cultivo principal influenciam diretamente o crescimento e o desenvolvimento e, consequentemente, a produtividade da soca.
Cultivares
As cultivares comportam-se diferentemente quanto ao seu potencial produtivo. Sob condições favoráveis, as cultivares de ciclo médio apresentam maior produtividade biológica que as de ciclo curto, tanto no cultivo principal quanto na soca. Na maioria dos genótipos, há redução da produtividade de grãos na soca em relação à do cultivo principal.
A relação entre as produtividades da soca e as do cultivo principal de diferentes cultivares e linhagens de arroz varia de 5% a 89%. Entre os componentes da produtividade, o número de grãos por panícula é o que apresenta maior diferença entre as duas colheitas, havendo redução em torno de 50%. Com isso, para aumentar a produtividade na soca, há necessidade de aumentar esse componente, seja mediante o melhoramento de plantas seja pelo emprego de manejo apropriado para a cultura.
Algumas cultivares de arroz podem apresentar alta produtividade no cultivo principal e não serem produtivas na soca, como é o caso da 'Metica 1', enquanto outras, como a 'BRS Formoso' e a 'BRS Ourominas', têm alto potencial produtivo nos dois cultivos.
Fatores climáticos
Entre os fatores climáticos que influenciam o crescimento e o desenvolvimento das plantas de arroz, a temperatura e a luz têm sido relatadas como os de maior importância no comportamento da soca. A temperatura apresenta valores críticos, tanto baixos quanto altos, dependendo da fase da cultura. Valores abaixo de 20 °C e acima de 35 °C são geralmente prejudiciais.
Manejo do cultivo principal
Em geral, as práticas culturais influenciam tanto o crescimento da planta quanto o da soca. Contudo, algumas práticas específicas determinam, em grande parte, o sucesso do cultivo da soca. A capacidade produtiva da soca é influenciada pelos seguintes fatores: época de semeadura ou de transplante, sistema de plantio, população de plantas, manejo de água e fertilizantes e sistema de colheita.
Época de semeadura ou de transplante
Épocas diferentes de semeadura ou de transplante expõem as plantas do cultivo principal a diferentes comprimentos do dia, temperaturas e condições de luz que, por sua vez, influenciam o comportamento da soca. As épocas de semeadura do cultivo principal mais favoráveis à soca correspondem ao início da época recomendada. A definição das épocas de semeadura se baseia no conhecimento das condições climáticas preponderantes na região e na disponibilidade de água para irrigação. Como exemplo pode ser citado o estado do Tocantins, caracterizado pela ocorrência de dois regimes pluviais bastante definidos. No início da época recomendada de semeadura, que vai de outubro a dezembro, o nível do lençol freático e dos rios é baixo na grande maioria das áreas e a semeadura é dependente da ocorrência de precipitação pluvial.
O requerimento em radiação solar pela cultura de arroz difere de um estádio de desenvolvimento para outro. A radiação solar na fase reprodutiva tem maior efeito sobre a produtividade de grãos que nas fases vegetativa e de maturação.
Sistema de plantio
A semeadura direta, em solo seco ou úmido, e o transplante constituem os dois métodos de plantio de arroz. Uma das vantagens da semeadura direta no cultivo da soca, em comparação ao transplante, é o maior número de plantas por unidade de área. Independentemente do sistema de plantio, uma população adequada de plantas é um pré-requisito para uma soca produtiva.
População de plantas
A população de plantas por unidade de área é determinada pela combinação entre espaçamento entre linhas e número de plantas na linha. A competição entre plantas por nutrientes, água e luz é determinada, em grande parte, por esses fatores. Maiores populações de plantas no cultivo principal aumentam o número de perfilhos por unidade de área e, com isso, é também aumentado o número potencial de perfilhos na soca. Não obstante, esse acréscimo não é proporcional para aumentar a população da soca, pois maior número de plantas propicia maior número de perfilhos inviáveis.
Manejo de fertilizantes
O nitrogênio e o fósforo influenciam o crescimento da soca, e o fósforo é especialmente importante, pois promove um bom desenvolvimento das raízes. De modo geral, a aplicação de fósforo e potássio na soca não é necessária se o cultivo principal recebeu quantidades adequadas desses nutrientes. As doses, os métodos e as épocas de aplicação adequadas de fertilizantes de fontes apropriadas são práticas importantes para a obtenção de altas produtividades de grãos no cultivo principal, o que irá refletir na produtividade da soca.
Sistema de colheita
Outra preocupação no planejamento é com a colheita do cultivo principal, especialmente quanto à época, à altura de corte e aos equipamentos das colhedoras. O sistema de colheita influencia a produtividade de grãos da soca e a qualidade do produto colhido. Deve-se evitar o "passeio" desnecessário de colhedoras e graneleiros, para não danificar excessivamente as plantas de arroz, pois a área pisoteada pela esteira da colhedora pode corresponder a até 38% da área total cultivada.
Época de colheita
A duração do período de formação e enchimento de grãos oscila entre 30 e 40 dias. Essa diferença decorre especialmente da variação da temperatura do ar, havendo pouca influência do ciclo da cultivar. Os grãos passam pelas etapas de grãos leitosos, grãos pastosos e grãos em massa dura até atingirem a maturação fisiológica. Nessa fase, as sementes estão praticamente desligadas da planta-mãe, considerando-se armazenadas nas condições de campo. Para o cultivo da soca, a melhor época de colheita do cultivo principal é quando os seus colmos ainda estão verdes. Atraso na colheita reduz o ciclo e a produtividade da soca.
Altura de corte
A altura de corte determina o número de gemas úteis para o perfilhamento e a origem dos perfilhos da soca. Algumas cultivares apresentam maior número de perfilhos nos nós superiores, outras nos nós da base, as quais não são afetadas pela altura de corte.
Menor altura de corte das plantas do cultivo principal alonga o ciclo da soca e, consequentemente, aumenta a produtividade de grãos. As maiores respostas são obtidas com alturas de corte em torno de 20 cm. Em condições de lavoura, os colmos cortados muito rente podem permanecer submersos por longo período, especialmente nas áreas com nivelamento imperfeito, o que causa o seu apodrecimento e impossibilita a sua brotação.
Equipamento de colheita
A colheita do cultivo principal realizada com colhedoras equipadas com picador de palha (Figura 2) propicia, na soca, maior produtividade de grãos e rendimento de grãos inteiros que a realizada com colhedora sem esse equipamento (Figura 3). Quando se emprega colhedora que não possui picador, há formação de uma leira de palha, que, além de dificultar o crescimento dos perfilhos, favorece a ocorrência de doenças. Com isso, o uso do picador de palha é fundamental.
Foto: Alberto Baêta dos Santos |
Figura 2.Área de arroz irrigado colhida com colhedora equipada com picador de palha. |
Foto: Alberto Baêta dos Santos |
Figura 3. Área de arroz irrigado colhida com colhedora sem picador de palha. |
Manejo da soca
Práticas culturais que promovam uma rápida e uniforme brotação são especialmente importantes. No cultivo da soca, as práticas culturais que influenciam o desempenho da planta de arroz são, a fertilização nitrogenada, o manejo de água e os tratos fitossanitários..
Fertilização nitrogenada
O nitrogênio é o elemento que proporciona maior resposta à soca de arroz. Quantidades adequadas de fósforo e de potássio aplicadas no cultivo principal têm propiciado aumento significativo na produtividade de grãos da soca, o que mostra, com isso, que ainda se encontram disponíveis para seu crescimento e desenvolvimento. O nitrogênio deve ser aplicado na soca logo após a colheita do cultivo principal (Figura 4), pois, assim, obtém-se uma brotação mais rápida e perfilhos mais sadios, o que incrementa a produtividade de grãos. A maior resposta da soca é obtida com a aplicação de 56 kg ha-1 de N, logo após a colheita do cultivo principal.
Foto: Alberto Baêta dos Santos |
Figura 4. Adubação nitrogenada na soca de arroz irrigado efetuada logo após a colheita do cultivo principal. |
Manejo de água
Para o êxito da soca, é necessário um manejo adequado da água de irrigação, ainda que aproximadamente apenas 60% da água normalmente exigida pelo cultivo principal seja requerida. O melhor desempenho da soca é obtido quando a inundação é iniciada 9 dias após a colheita do cultivo principal, o que proporciona uma economia de água de 14%.
Tratos fitossanitários
As condições climáticas durante o cultivo da soca são menos favoráveis à ocorrência de doenças. Excepcionalmente, a aplicação de fungicidas pode ser necessária para a obtenção de maior produtividade e melhoria da qualidade dos grãos da soca, dependendo da ocorrência de condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento de doenças. Com o uso de fungicidas obtém-se menor porcentagem de manchas-de-grãos, causadas especialmente pelo fungo Bipolaris oryzae, o que resulta em maior rendimento de grãos inteiros. Quanto aos insetos-praga, o controle pode ser necessário em caso de ocorrência de percevejos-do-grão (Oebalus spp.). A soca aparentemente não é favorável ao desenvolvimento de populações daninhas de bicheira-da-raiz (Oryzophagus oryzae). Portanto, a necessidade de fazer o seu controle durante o cultivo da soca mostra-se bastante remota.
Veja também
http://www.cbai2015.com.br/anais/index.php?secao=trabalhos&acao=view&id_trabalho=177