Extrativismo

Conteúdo migrado na íntegra em: 20/12/2021

Autores

Dalva Maria Mota - Embrapa Amazônia Oriental

Josué Francisco Silva Júnior - Embrapa Tabuleiros Costeiros

Raquel Fernandes de Araújo Rodrigues - Embrapa Tabuleiros Costeiros

 

A crescente valorização da mangaba, fruta nativa do litoral do Nordeste e cerrados do Brasil, no mercado regional contrasta com a avassaladora onda de privatização das áreas remanescentes de mangabeiras, quase extintas em alguns estados do Brasil, mas ainda significativas em outros, nos quais, 90% de toda a fruta comercializada provém das áreas nativas nas quais populações tradicionais praticam o extrativismo há séculos.

 Em decorrência, as populações tradicionais locais responsáveis pela conservação in situ das plantas e portadoras de saberes e formas de manejo construídas secularmente na estreita relação com o recurso (plantas), encontram-se sob ameaça de perda de uma das suas principais fontes de renda em virtude da pressão exercida pelos proprietários das áreas naturais de mangabeiras que as utilizam, cada vez mais, para o cultivo de coqueiro, cana-de-açúcar e outras atividades agrícolas, construção de infraestruturas turísticas, loteamentos e viveiros de camarão, atividades cuja implantação dependem do corte das mangabeiras.

Essas comunidades se reconhecem como populações tradicionais e se autodenominam “catadoras de mangaba”, o que originou o registro na literatura nacional por Mota & Silva Júnior, em 2003. As catadoras de mangaba subsistem graças aos recursos fornecidos pela restinga e tabuleiros (mangaba e outras frutas nativas e naturalizadas), pelo manguezal (crustáceos e moluscos) e pelo mar (peixes).

Recentemente, a situação tem se agravado em função das iniciativas que estimulam o cultivo das mangabeiras por proprietários das terras onde tradicionalmente as catadoras catam os frutos nas plantas nativas. Nos últimos anos, registra-se a ocorrência do corte de plantas. Em paralelo a esse tipo de iniciativa, instituições públicas do governo estadual têm discutido alternativas para a cadeia produtiva da mangaba, mas com pouco envolvimento das catadoras.

Catadoras de mangaba são as mulheres que assim se autorreconhecem, agrupadas no segmento mais genérico de produtores familiares rurais que praticam o extrativismo paralelo a outras atividades como agricultura, pesca, artesanato, assalariamento temporário no turismo, etc. segundo arranjos que variam no tempo e no espaço, mas com técnicas de baixo impacto. A produção é voltada para o consumo e o mercado. Como outras mulheres extrativistas que vivem no espaço rural, a concepção do tempo social e individual encontra-se mediada pela percepção sobre o tempo da natureza. Suas jornadas de trabalho, organizadas e significadas segundo o calendário agroextrativista. Assim, o modo de organização da vida social está, necessariamente, marcado pelo tempo de caçar, de pescar, de coletar, de plantar, de colher, de se assalariar, etc., em sintonia com as atividades da reprodução no exercício da denominada “conciliação” ou dupla jornada. Apesar deste reconhecimento, a literatura pouco trata dessas mulheres quando comparadas às residentes nas zonas urbanas e detentoras de uma condição de assalariamento.