Irrigação

Conteúdo atualizado em: 18/02/2022

Autores

Waldir Aparecido Marouelli - Embrapa - Secretaria Geral

Henoque Ribeiro da Silva - Embrapa - Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento

 

A produção de pimentas em regiões de chuvas regulares e abundantes pode ser realizada sem o uso da irrigação. Já em regiões de precipitação mal distribuída ou deficitária, o uso da irrigação é decisivo para a produção da pimenteira.

A deficiência de água, especialmente durante as fases de floração e de pegamento de frutos, reduz a produtividade em decorrência da queda de flores e abortamento de frutos. Todavia, deficiência moderada de água no solo resulta em frutos mais pungentes, maior teor de sólidos solúveis e de matéria seca.

 O excesso de água também pode comprometer a produção da pimenteira. Chuva e irrigações excessivas, sobretudo em solos sujeitos a encharcamento, prejudicam a aeração e favorece o desenvolvimento de várias doenças de solo, como a causada por Phytophthora capsici.

 A produtividade, a qualidade de frutos e a ocorrência de doenças também podem ser afetadas pela forma com que a água é aplicada às plantas. A escolha do sistema de irrigação é fundamental para o sucesso da cultura. O manejo incorreto da irrigação e o uso de sistemas de irrigação inadequado podem acarretar vários problemas, tais como: baixa eficiência no uso de água, energia e nutrientes; maior incidência de doenças fúngicas e bacterianas; baixa produtividade; e redução na qualidade dos frutos (pungência, conservação, coloração etc.).

Sistemas de irrigação

A escolha do sistema de irrigação mais adequado deve ter como base a análise de vários fatores, tais como: tipo de solo, topografia, clima, custo do sistema, uso de mão-de-obra e energia, incidência de pragas e doenças, rendimento da cultura, quantidade e qualidade de água disponível.

No Brasil, a cultura de pimenta é irrigada principalmente pelos sistemas por aspersão, seguido pelos sistemas por sulco e gotejamento.

Dentre os sistemas por aspersão, o convencional semiportátil é o mais utilizado. Para a produção de pimentas em larga escala, a exemplo da páprica, tem sido utilizado o pivô central (Figura 1). A principal vantagem da aspersão é a possibilidade de ser utilizada nos mais diversos tipos de solo e topografia e ter menor custo que o gotejamento. Por outro lado, por remover agrotóxicos e propiciar condições de alta umidade junto ao dossel das plantas; favorece maior incidência de doenças foliares (exceto oídio).

Foto: Cláudia Silva daCosta Ribeiro
Sistema de irrigação por aspersão com pivô central na produção de páprica.
Figura 1. Sistema de irrigação por asperção com pivô central na produção de páprica.

 

Dentre os sistemas superficiais, o por sulco (Figura 2) é o mais indicado, sendo utilizado principalmente por pequenos produtores. Apresenta as vantagens de não molhar a parte aérea das plantas e ter custo inicial inferior aos demais sistemas. Não é recomendado para solos com alta taxa de infiltração, como os arenosos, e terrenos de topografia declivosa ou ondulada. Outros sistemas superficiais, a exemplo da irrigação por faixas e inundação, mesmo que temporária, não devem ser utilizados, haja vista que a cultura não tolera solos com aeração deficiente.

Foto: Waldir Aparecido Marouelli
Sistema de irrigação por sulco
Figura 2. Sistema de irrigação por sulco.

 

Nos últimos anos, muitos produtores de pimenta têm optado pelo uso do gotejamento (Figura 3), seja pela redução do custo do sistema e/ou de limitações no uso dos sistemas por aspersão e por sulco. A grande vantagem deste sistema consiste na aplicação da água de forma localizada na zona radicular sem atingir a parte aérea das plantas, minimizando a ocorrência de doenças. A aplicação de fertilizantes junto com a água de irrigação (fertigação) e a economia no uso de água, em geral entre 20-30%, são outros grandes atrativos do gotejamento frente aos demais sistemas de irrigação. As principais desvantagens são o maior custo e o risco de entupimento.

Foto: Waldir Aparecido Marouelli
Sistema de irrigação por gotejamento
Figura 3. Sistema de irrigação por gotejamento.

 

Por não molharem a folhagem das plantas, os sistemas por sulco e por gotejamento podem favorecer, por outro lado, maior ocorrência de ácaros e insetos-pragas, a exemplo de pulgões que são agentes transmissores de viroses. Pelo mesmo motivo, também favorece maior severidade de oídio. O uso da irrigação por sulco e por gotejamento, principalmente quando o solo é coberto com plástico (Figura 4), pode potencializar ainda mais as doenças de solo.

Foto: Waldir Aparecido Marouelli
Sistema de irrigação por gotejamento em solo coberto com plástico preto ("mulch").
Figura 4. Sistema de irrigação por gotejamento em solo coberto com plástico preto ("mulch").

 

Necessidade de água da cultura

A necessidade total de água da pimenteira é variável, pois além das condições climáticas, depende da duração do ciclo de desenvolvimento e sistema de irrigação. Em geral, varia de 500-800 mm, podendo ultrapassar 1.000 mm para cultivares de ciclo longo. A necessidade diária de água, denominada de evapotranspiração da cultura, engloba a quantidade de água evaporada do solo e transpirada pelas plantas, varia de 4-10 mm/dia quando as plantas atingem a máxima produção. O ciclo de desenvolvimento da cultura pode ser dividido em quatro fases distintas: inicial, vegetativa, reprodutiva e maturação.

Fase Inicial

A fase inicial de estabelecimento das plantas, no caso de semeio direto no campo, vai da semeadura até as plantas atingirem 4-6 folhas definitivas. Já para o caso do plantio por mudas, dura até 5-10 dias após o transplante. Nesta fase, a água é importante para a germinação de sementes e o pegamento de mudas. Irrigações em excesso, tanto nesta quanto nas fases subsequentes, favorecem a maior incidência de doenças.

Da semeadura até a emergência de plântulas, as irrigações devem ser leves e frequentes procurando manter a umidade da camada superficial do solo (0-15 cm) próxima à capacidade de campo. Dependendo do tipo de solo e das condições climáticas, o turno de rega deve ser de 1-4 dias. Em solos arenosos, clima quente e seco, por exemplo, as irrigações devem ser diárias ou até duas vezes ao dia quando se irriga por gotejamento.

No caso de mudas, o solo deve ser previamente umedecido, realizando uma irrigação logo após o transplante. Daí até o estabelecimento das mudas, irrigar a cada 1-2 dias. Da mesma forma, em solos arenosos, clima quente e seco, pode ser preciso irrigar mais de uma vez por dia.

A primeira irrigação antes do plantio deve umedecer bem os primeiros 30 cm do solo. A lâmina de água, dependendo do tipo e da umidade inicial do solo, deve ser entre 15-25 mm, para solos de textura grossa, e de até 30-50 mm, para os de texturas média ou fina.

Fase vegetativa

Vai do estabelecimento inicial das plantas até o florescimento. Limitações no desenvolvimento das plantas, resultantes de déficits hídricos moderados, têm pequeno efeito na produção desde que as irrigações sejam adequadas durante a fase reprodutiva (floração e frutificação).

Irrigações excessivas, sobretudo por aspersão, nesta e nas fases seguintes, favorecem doenças fúngicas e bacterianas, além de aumentar a lixiviação de nutrientes, especialmente nitrogênio.

Fase reprodutiva

No caso da pimenteira, existe um período onde existem flores, pimentas verdes e maduras, o que requer a realização de várias colheitas. Neste caso, a fase reprodutiva deve ser considerada do início da floração até cerca de três semanas antes da última colheita. Quando apenas uma colheita é realizada, o que pode ocorrer no caso de produção de páprica, deve-se considerar como o período entre a floração e o início da maturação de frutos.

É a fase que exige solo mais úmido, mas nunca encharcado. A falta de água favorece abortamento de flores e frutos, reduz o tamanho de fruto e favorece ocorrência de podridão apical. Irrigações em excesso, sobretudo em solos com drenagem difícil, prejudica a respiração das raízes e favorece doenças. Irrigações muito frequentes por aspersão devem ser evitadas para não provocar queda de flores e doenças foliares.

Fase de maturação

É a fase menos sensível à deficiência de água no solo. Irrigações frequentes podem prejudicar a qualidade de frutos e favorecer maior incidência de doenças, principalmente se realizadas por aspersão.

Melhor qualidade de frutos, como maior pungência nas pimentas picantes, maior teor de sólidos solúveis nas pimentas para molho líquido, maior teor de matéria seca e melhor coloração nas pimentas para páprica e maior concentração na maturação, pode ser obtida aumentando o intervalo entre irrigação, reduzindo o tempo de irrigação ou, até mesmo, paralisando as irrigações.

Manejo de Irrigação (Quando e Quanto Irrigar)

A reposição da água no momento e na quantidade correta requer informações relacionadas à planta, solo e clima. Existem vários métodos que podem ser utilizados para o manejo da água de irrigação da pimenteira, uns muito simples e outros sofisticados.

É apresentado a seguir um procedimento simples para o manejo da água de irrigação da pimenteira que não requer o uso de equipamentos e dispensa cálculos complicados. Permite estimar o turno de rega e a lâmina de irrigação, para cada fase da cultura, em função das condições climáticas médias da região, tipo de solo e profundidade efetiva das raízes (onde se concentram cerca de 80% das raízes).

Sistemas por aspersão e sulco

Passo 1: Determinar, na Tabela 1, a evapotranspiração de referência (ETo, mm.dia-1) a partir de dados climáticos médias históricas de temperatura e umidade relativa do ar disponíveis na região.

Passo 2: Determinar, na Tabela 2, o coeficiente de cultura (Kc) para cada fase da cultura.

Passo 3: Determinar a evapotranspiração da pimenteira (ETc, mm.dia-1), a partir dos valores obtidos nas Tabelas 1 e 2, pela expressão.

Passo 4: Determinar, na Tabela 2, a profundidade efetiva do sistema radicular para cada fase da cultura. Sempre que possível, é recomendável fazer uma avaliação visual no próprio local.

Passo 5: Determinar, na Tabela 3, o turno de rega (TR, dias).

Passo 6: Determinar a lâmina de água real necessária (LRN, mm) por irrigação pela expressão.

Passo 7: Calcular o tempo de irrigação (Ti, min).
Para irrigação por aspersão convencional,

Aonde Ia é a intensidade de aplicação dos aspersores (mm/h) e Ei a eficiência de irrigação do sistema (%). A intensidade de aplicação varia com o diâmetro de bocais, pressão de serviço e espaçamento entre aspersores, sendo obtida de catálogos técnicos ou em testes de campo. A eficiência de irrigação depende do tipo, qualidade e do estado de manutenção do sistema, devendo ser avaliada no campo. Como valores gerais, sugere-se 60-80% para aspersão convencional; 75-90% para pivô central.

Para pivô central, selecionar a velocidade que permite aplicar uma lâmina total igual ou ligeiramente superior a LTN = 100 x LRN/Ei. Onde LTN é a lâmina de água total necessária (mm).

Para irrigação por sulco, o tempo total de cada evento de irrigação é o necessário para a água atingir o final dos sulcos mais o tempo necessário para infiltrar a LRN.

Tabela 1. Evapotranspiração de referência (mm/dia),
conforme médias históricas de temperatura e umidade
relativa do ar (24 horas).

Temperatura
(oC)
 Umidade relativa (%)
30 40 50 60 70 80 90
10 5,1 4,4 3,7 2,9 2,2 1,5 0,7
15 6,7 5,8 4,8 3,8 2,9 1,9 1,0
20 8,5 7,3 6,1 4,9 3,6 2,4 1,2
25 10,5 9,0 7,5 6,0 4,5 3,0 1,5
30 12,7 10,9 9,1 7,3 5,4 3,6 1,8
35 15,1 13,0 10,8 8,6 6,5 4,3

2,2

Fonte: Marouelli e Silva, 2011.

 

Tabela 2. Coeficiente de cultivo e profundidade efetiva
de raízes (Z), conforme a fase de desenvolvimento.

Fase
 
Kc   Z (cm)
 
Aspersão / sulco Gotejamento
Inicial 0,35 0,40 5-10
Vegetativa  0,60 0,50 10-20
Reprodutiva 1,05 1,00 20-30
Maturação 0,85 0,80 30-50

* Se o destino da produção de pimentas é para páprica ou molhos
líquidos, usar Kc de 0,75 para aspersão ou sulco e 0,70 para
gotejamento. Fonte: Marouelli e Silva, 2011.
 


Tabela 3. Turno de rega (dias) para irrigação por aspersão e por sulco, conforme a profundidade de raízes, textura do solo e fase de desenvolvimento da cultura.

 ETc
(mm/dia) 
Profundidade efetiva de raízes (cm)
10 30 50
 Textura Textura Textura
 Grossa   Média   Fina   Grossa   Média   Fina   Grossa   Média   Fina 
Fases vegetativa e maturação
1 3 7 10 8 16 24 -- -- --
2 2 3 5 5 10 15 -- -- --
3 1 2 3 3 7 10 6 12 16
4 1 2 2 2 5 7 4 9 12
5 2 x dia 1 2 2 4 6 3 7 10
6 2 x dia 1 1 2 3 5 3 6 8
7 2 x dia 1 1 1 3 4 2 5 7
8 -- -- -- 1 2 4 2 4 6
9 -- -- -- 1 2 3 2 4 5
10 -- -- -- 1 2 3 1 3 5
Fase reprodutiva
2 -- -- -- 4 8 12 -- -- --
3 -- -- -- 3 5 8 4 9 12
4 -- -- -- 2 4 6 3 7 10
5 -- -- -- 1 3 5 2 5 8
6 -- -- -- 1 2 4 2 4 6
7 -- -- -- 1 2 3 2 4 5
8 -- -- -- 1 2 3 1 3 5
9 -- -- -- 1 1 2 1 3 4
10 -- -- -- 2 x dia 1 2 1 2 4
11 -- -- -- 2 x dia  1 2 1 2 3
12 -- -- -- 2 x dia  1 2 1 2 3

Obs. Para a fase inicial, considerar um turno de rega entre 25-40% do indicado para a fase vegetativa com profundidade de raízes de 10 cm. 
Fonte: Marouelli e Silva, 2011.

 

Sistema por gotejamento

Por suas características de irrigar um menor volume de solo, ser um sistema fixo e reduzir doenças foliares, deve-se irrigar mais frequentemente do que nos sistemas por aspersão e por sulco.

Passos 1: Seguir passos de 1 a 4 recomendados para aspersão/sulco.

Passo 2: Determinar, na Tabela 4, o turno de rega (TR) para cada fase.

Passo 3: Determinar o tempo de irrigação (Ti, min) por meio da seguinte equação:

Onde Sl é o espaçamento entre linhas laterais (m), Sg o espaçamento entre gotejadores (m) e Vg a vazão do gotejador (L/h). Em geral, para solos arenosos usar Ei entre 80-85% e para argilosos entre 90-95%. Para sistemas mal dimensionados ou com problemas de entupimento, Ei pode ser inferior a 60%.

Tabela 4. Turno de rega (dias) para irrigação por gotejamento, conforme a
profundidade de raízes, textura do solo e fase de desenvolvimento da cultura.

ETc
(mm/dia)
   
Profundidade efetiva de raízes (cm)         
10 30  50
 Textura        
Grossa Média Fina Grossa Média Fina Grossa Média Fina
1 1 1 2 3 5 7 -- -- --
2 2 x dia 1 1 1 2 3 2 4 6
3 3 x dia 2 x dia 1 1 2 2 1 3 4
4 3 x dia 2 x dia 2 x dia 2 x dia 1 2 1 2 3
5 4 x dia 2 x dia 2 x dia 2 x dia 1 1 1 2 2
6 5 x dia 3 x dia 2 x dia 2 x dia 1 1 1 1 2
7 -- -- -- 2 x dia 2 x dia 1 2 x dia 1 1
8 -- -- -- 2 x dia  2 x dia 1 2 x dia 1 1
9 -- -- -- 3 x dia  2 x dia 1 2 x dia 1 1
10 -- -- -- 3 x dia  2 x dia 2 x dia 2 x dia 1 1

Fonte: Marouelli e Silva, 2011. 


Manejo em condições de salinidade

Em regiões semiáridas, a água pode ser salina (CEa > 0,7 dS.m-1) e prejudicar o desenvolvimento da pimenteira. Neste caso, deve-se aplicar uma fração de água em excesso para lavar os sais. Procurar um técnico da extensão rural em sua região para assistência sobre como proceder.

Outros métodos para manejo   

Para produção de pimentas em grande escala recomenda-se usar métodos mais precisos que o anterior. Por exemplo, aqueles baseados no balanço ou na tensão de água no solo, que requerem o uso de sensores para medir a umidade do solo (tensiômetros, Irrigas® etc.) e/ou de equipamentos para estimar a evapotranspiração (tanque Classe A, estação meteorológica etc.).

Dentre os sensores para avaliar a disponibilidade de água no solo e controle das irrigações, o tensiômetro (Figura 5) é um dos mais utilizados em todo o mundo. Todavia, este tipo de sensor tem custo elevado (R$100-200 por unidade) e requer manutenção contínua, o que dificulta sua adoção e uso.

Foto: Waldir Aparecido Marouelli
Tensiômetros para manejo da água de irrigação.
Figura 5. Tensiômetros para manejo da
água de irrigação.

 

O Irrigas® (Figura 6), por outro lado, é um sensor desenvolvido pela Embrapa que apresenta custo reduzido (R$10-50 por unidade), baixa manutenção e é de fácil utilização. 

Foto: Waldir Aparecido Marouelli
Sensores Irrigas® para manejo da água de irrigação.
Figura 6. Sensores Irrigas® para manejo
da água de irrigação.