Pimenta
Plantas invasoras
Autor
Sidnei Douglas Cavalieri - Embrapa Algodão
A interferência proporcionada pelas plantas daninhas constitui um dos fatores que mais limitam a produtividade da cultura da pimenta (Capsicum sp.). Assim, para que não ocorra redução de produtividade, é necessário controlar as plantas daninhas até que a cultura cubra suficientemente a superfície do solo, e não sofra mais a interferência negativa delas. A necessidade de controle depende do nível de infestação e da agressividade das espécies infestantes.
A intensidade da interferência normalmente é avaliada por meio de decréscimos na produção e/ou pela redução no crescimento da pimenteira, em resposta à competição por recursos de crescimento disponíveis no ambiente (CO2, água, luz, nutrientes e espaço) e à aleloquímicos. O nível de interferência depende da cultura (espécie, cultivar, densidade e espaçamento de plantio) e da população de plantas daninhas (espécie, densidade, distribuição e duração do período de convivência), podendo ser modificado pelas condições edáficas (classe, textura, fertilidade e umidade do solo), climáticas e práticas culturais (sucessão, rotação e consórcio de cultivos). O conhecimento acerca disso é essencial para definir medidas de prevenção e estratégias de controle. Práticas inadequadas de manejo de plantas daninhas tendem a aumentar o banco de sementes do solo, agravando ainda mais o problema em cultivos subsequentes.
O espaçamento e a densidade de plantio são fatores importantes no balanço competitivo, pois influenciam a precocidade e a intensidade do sombreamento promovido pela cultura. Plantios mais densos dificultam o desenvolvimento das plantas daninhas, as quais têm que competir mais intensamente com a cultura na utilização dos fatores de produção.
No Brasil, não existem estudos sobre o período crítico de prevenção da interferência (PCPI) de plantas daninhas em cultivos de pimenta. Esse período é importante, pois caracteriza o tempo (normalmente em dias ou semanas) após a semeadura, emergência ou transplante, que a cultura deve permanecer livre da interferência imposta pelas plantas daninhas para que não ocorra redução de produtividade.
Um dos poucos trabalhos realizados para estimar o PCPI na cultura da pimenta (Capsicum annuum) foi realizado no México, na década de 90. Nesse estudo, utilizando espaçamento nas entrelinhas de 0,76 m e população de 65.000 plantas ha-1, os autores citam que, tolerando 5% de redução de produtividade, o PCPI de plantas daninhas na pimenteira cv. Mirasol foi de 0,7 a 14,7; 2,3 a 7,4; e 3,2 a 14,7 semanas após o transplante considerando a produtividade total de frutos e; 0,7 a 15,3; 0,9 a 6,7; e 1,2 a 14,8 semanas após o transplante para produtividade de frutos comerciais, para três anos de experimentação, respectivamente. Todavia, como conclusão geral, os autores enfatizam que medidas de controle devem ser realizadas até a primeira metade do ciclo da cultura. Os PCPIs longos observados podem estar atribuídos à menor capacidade competitiva da cultura em relação às plantas daninhas. Em outro estudo, realizado em duas estações do ano no estado da Flórida, Estados Unidos, constatou-se que o PCPI de tiririca (Cyperus esculentus) na densidade de 45 tubérculos m-2 para a mesma espécie de pimenta cv. X3R Camelot foi de 3 a 5 e 1 a 7 semanas após o transplantio, respectivamente, para a primavera e outono. Nessas condições, as pimenteiras foram transplantadas em canteiros de 0,61 m de largura superior, em fileiras duplas e espaçamento entre fileiras simples de 0,31 m. O espaçamento entre plantas na fileira foi de 0,31 cm e a distância entre canteiros foi de 0,89 m. Os resultados sugerem que em estações mais frias o crescimento da pimenteira é menor, aumentando assim o PCPI da cultura em decorrência do maior tempo necessário para o fechamento da cultura.
Ao término do período total de prevenção da interferência (PTPI), as plantas daninhas não interferem significativamente na produtividade, mas podem amadurecer e aumentar o banco de sementes no solo, bem como hospedar insetos-praga, fitopatógenos e nematoides, além de dificultar e onerar a colheita. Com a introdução da mosca-branca, que hospeda as plantas daninhas para se alimentar e reproduzir, a incidência de viroses em cultivos de pimenta tem crescido muito, reforçando a necessidade de adotar programas de manejo integrado de plantas daninhas.
De forma geral, programas de manejo integrado de plantas daninhas visam a integração de vários métodos de controle (preventivo, cultural, mecânico e químico), não considerando cada um de forma isolada. No modelo de agricultura atual, há uma tendência de se adotar apenas o controle químico devido a sua praticidade e eficiência, porém, até o momento não há herbicidas registrados para a cultura da pimenta no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Diante disso, levando em consideração que o método manual (capina) e mecânico (cultivo nas entrelinhas) são os mais utilizados para controlar plantas daninhas na cultura, sendo esses métodos não tão eficazes quanto o método químico, medidas preventivas e culturais devem ser contempladas para reduzir a infestação, diminuindo assim, a frequência de capinas e operações de cultivo nas entrelinhas. As medidas preventivas visam evitar o estabelecimento, a produção e a disseminação de propágulos (sementes, rizomas, tubérculos etc.) de plantas daninhas, ao passo que as medidas culturais visam tornar a cultura mais competitiva em relação às mesmas. Nesse último caso, medidas como rotação de culturas, utilização de cultivares mais adaptadas e competitivas ao agroecossistema em questão, opção pelo transplante ao invés da semeadura (devido à vantagem competitiva) e uso de plantas de cobertura com potencial alelopático para o controle das espécies infestantes como integrantes de um sistema de rotação de culturas, aumentam a possibilidade de sucesso.
Na Turquia, um estudo revelou que as culturas de cobertura de inverno: ervilhaca peluda (Vicia villosa), azevém (Lolium multiflorum), aveia-branca (Avena sativa) e ervilhaca comum (Vicia sativa), incorporadas mecanicamente ao solo (profundidade de 10 cm) no estádio de florescimento, cerca de 12 a 19 dias antes da semeadura da pimenta (Capsicum annuum), podem ser utilizadas em programas de manejo integrado de plantas daninhas para reduzir a infestação de plantas daninhas na cultura. Dentre as espécies avaliadas, a ervilhaca peluda foi a mais promissora, reduzindo a densidade de plantas daninhas em 73% e 70% aos 28 e 56 dias após a incorporação, respectivamente, sendo a produtividade de pimenta também maior quando essa espécie foi utilizada.
A utilização de cobertura plástica do solo (mulching) é uma das estratégias de controle de plantas daninhas em hortaliças que tem se destacado nos últimos anos, podendo ser também utilizada em áreas de produção de pimentas. Basicamente, caracteriza-se pela utilização de plástico não transparente sobre a linha de plantio, onde há perfurações que permitem que somente a planta cultivada se desenvolva, impedindo a emergência e o desenvolvimento de plantas daninhas. Adicionalmente, a cobertura plástica do solo apresenta como vantagem uma melhor conservação da umidade do solo reduzindo perdas por evaporação e, consequentemente, a necessidade de irrigação e a lixiviação de nutrientes móveis no solo (nitrogênio e potássio, por exemplo), fatores esses que podem resultar em maior produtividade da cultura. Contudo, a utilização de cobertura plásticas do solo apresenta como inconveniente o custo do plástico (embora possa ser reutilizado).
A utilização de cobertura plástica de cor preta sobre as linhas de plantio associado com o cultivo nas entrelinhas é uma opção que tem apresentado resultados satisfatórios no sul da Europa, principalmente para produtores de tomate orgânico e melão, podendo ser utilizado em cultivos de pimenta. Outros materiais como a casca e palha de resíduos vegetais podem ser usados, especialmente se houver uma fonte barata disponível nas proximidades, apresentando vantagens semelhantes às coberturas plásticas. Entretanto, plantas daninhas de sementes grandes, como corda-de-viola (Ipomoea spp.) e guanxuma (Sida spp.), por exemplo, podem romper essa camada atingindo a superfície, caso não seja suficientemente espessa.
Em pequenas áreas de cultivo de pimenta, o produtor pode utilizar a solarização para a desinfestação do solo, que é um processo hidrotérmico. A solarização atua nas sementes ou propágulos das plantas por meio da ação direta do calor e da umidade, na queima de plântulas germinadas e nas alterações no balanço de gases O2/CO2, acetaldeído, etileno, entre outros, que afetam a dormência e a germinação das sementes e a sobrevivência das plantas. A solarização do solo é realizada através da cobertura do solo úmido com filme de polietileno transparente, nas estações mais quentes do ano. Quando realizada antes do plantio, tem demonstrado efetivo controle de patógenos de solo e de plantas daninhas, configurando-se em uma alternativa de controle para sistemas orgânicos de produção.
Os propágulos de plantas daninhas podem ser distribuídos pelo vento, água, máquinas e implementos, matéria orgânica, animais e por meio do transplantio de mudas com torrões e lotes de sementes de hortaliças que contenham misturas de sementes de plantas daninhas. Fundamentalmente, a introdução e a disseminação das plantas daninhas nas áreas agrícolas são evitadas quando os mecanismos de disseminação delas são rigorosamente observados. Dentro desse contexto, inspeções de campo devem ser realizadas periodicamente a fim de identificar possíveis reboleiras iniciais e adotar medidas de controle dirigido de forma a erradicá-las antes que produzam propágulos e aumentem o banco de sementes no solo. A eficácia de controle dependerá do grau de infestação e agressividade das espécies de plantas daninhas presentes na área de cultivo, época do controle, estágio de desenvolvimento das plantas, condições climáticas, classe de solo, disponibilidade mão-de-obra e de equipamentos e conhecimento da interação entre as plantas de pimenta e as plantas daninhas.
Uma estratégia interessante para reduzir a infestação de plantas daninhas durante o ciclo da pimenteira é a realização do preparo do solo duas a três semanas antes da implantação da cultura para eliminação das espécies presentes e estimulação de novos fluxos de emergência a serem controlados pela aplicação de herbicidas de manejo imediatamente antes da semeadura/transplantio (paraquat, diquat ou glyphosate). Esse fluxo de emergência normalmente é o mais numeroso e tal procedimento tende a contribuir para redução do número de capinas e/ou cultivos nas entrelinhas a serem realizados durante o ciclo da cultura, levando em consideração que não há herbicidas seletivos registrados para aplicação em pré ou pós-emergência, permitindo assim o melhor estabelecimento da cultura da pimenta e redução dos custos com mão-de-obra e equipamentos.
Com relação ao cultivo mecânico realizado entre as linhas da cultura, esse é mais eficaz quando as plantas daninhas estão nos primeiros estádios de desenvolvimento, por serem facilmente removidas com menor possibilidade de danos ao sistema radicular da cultura. Entretanto, quando a cobertura com plástico não é utilizadas, esse método não controla plantas daninhas na linha de plantio, onde a interferência é mais prejudicial, e apresenta baixa eficácia no controle de plantas daninhas perenes, podendo até aumentar o problema se os propágulos vegetativos forem removidos para locais não infestados.
O produtor deve evitar a rotação da pimenteira com culturas da mesma família (Solanaceae) como o tomate, a batata, o pimentão, o tabaco e a berinjela, dificultando, assim, o aparecimento de fitopatógenos comuns a essas culturas. A rotação adequada de culturas é importante para o manejo de plantas daninhas, pois as práticas culturais provocam mudanças na população de plantas, havendo a cada ano uma nova relação de interferência entre as diferentes espécies. Uma boa recomendação de rotação de cultura seria da pimenta sucedendo alguma cultura de folha estreita de interesse comercial, como milho, sorgo, arroz, trigo ou milheto, em que os métodos de controle de plantas daninhas dessas culturas promovem também uma redução na população de plantas daninhas na cultura da pimenta. Numa comunidade mista de plantas, existe sempre um balanço competitivo entre as espécies, predominando as mais agressivas e adaptadas aos sistemas de cultivo sucessivos ou em rotação.
Porém, não só o milho possibilita isso. O uso de outras culturas que permitem a utilização de herbicidas é bem vinda, desde que esses não apresentem atividade residual no solo que prejudique a pimenta em rotação/sucessão.
Finalmente, em virtude de não existir um método de controle que, aplicado isoladamente, proporcione resultados satisfatórios capazes de prevenir o crescimento e a reprodução de todas as espécies de plantas daninhas, reduções substanciais nos níveis de infestação só poderão ser alcançadas com a integração dos métodos de controle. Dentro desse contexto, para possibilitar um melhor manejo das plantas daninhas, espera-se que tanto os órgãos governamentais quanto as empresas fabricantes se sensibilizem no sentido de possibilitar o registro de herbicidas seletivos que venham a ser uma ferramenta adicional em programas de manejo integrado de plantas daninhas para a cultura da pimenta, contribuindo para o aumento da produtividade da cultura, o que consequentemente, remunerará melhor o produtor.