09/12/16 |   Produção animal  Agricultura de Baixo Carbono

Agropecuária sustentável é possível na Amazônia

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Foto: Ronaldo Rosa

Ronaldo Rosa -

Maior bioma brasileiro, e possivelmente o mais mítico, a Amazônia não ficaria de fora dos estudos da Rede Pecus.  Em meio a lendas e histórias, os búfalos e sua produção intensiva, o bovino de corte em várzeas e em pastagens consorciadas e os sistemas integrados em áreas de babaçu foram alvo de pesquisas.

Entre várias alternativas para reduzir as emissões de metano entérico (CH4), gás produzido após o processo de fermentação  que ocorre durante a digestão dos ruminantes, destacam-se a espécie animal, o consumo e o grau de digestibilidade dos alimentos ingeridos. A mudança na dieta, neste caso, dos bubalinos foi objeto de estudo liderado pela pesquisadora Lucieta Guerreiro Martorano, da Embrapa Amazônia Oriental (PA), que avaliou a inclusão da torta de palmiste na alimentação de búfalas no período de escassez hídrica, e os resultados iniciais apontam que essa alteração mostrou-se eficaz.

A torta é um coproduto da polpa seca da amêndoa do dendê (Elaeis guineenses), que, após moagem e extração do óleo, pode ser usada como fertilizante ou ingrediente de ração animal. O Pará possui um parque industrial composto por empresas de grande porte associadas à cadeia produtiva do dendê e é o maior produtor brasileiro, responsável por cerca de 85% do total do óleo de palma produzido no Brasil. A geração desse resíduo possibilita a inclusão do coproduto na alimentação bubalina.

Nos experimentos, cada búfala alimentada com 1% de torta em relação ao seu peso corporal (PC) emitiu 65% menos metano por ano quando comparado a animais não alimentados com a torta. Isso significa que  ruminantes submetidos ao tratamento com torta emitiram 27,65 kg de CH4 por ano, bem abaixo dos valores estimados pelas equações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2006), em que as emissões de búfalos são registradas como 55 kg por ano. Já os animais não alimentados com a torta de palmiste emitiram 78,15 kg no mesmo período.

Por sua vez, a proporção que trouxe resultado mais positivo em relação à redução da emissão de CH4 foi a que incluiu mais de 0,5% de torta em relação ao peso vivo do animal. Esses estudos foram conduzidos por pesquisadores da Embrapa e Universidades, Federal Rural da Amazônia (UFRA), do Estado do Pará (Uepa), Federal do Pará (UFPA), Estadual do Maranhão (Uema), de São Paulo (USP) e Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os testes foram feitos com quatro diferentes níveis de inclusão de torta: 0%, 0,25%, 0,50% e 1% (PC). Também compuseram a dieta 0,15% de farelo de trigo, que agiu como agente de palatabilidade, e silagem de milho, usada como volumoso.

"A composição química da torta apresenta proteína, energia e teores de fibras que atendem às necessidades de nutrientes dos bubalinos, ajudando no desempenho produtivo dos animais em períodos de escassez de água no solo, que reduz a oferta de forragem", explica Martorano. Os testes mostraram ainda que os animais ingeriram maior quantidade de proteína bruta e extrato etéreo (gordura) quando houve a inclusão máxima de torta, 0,70 e 0,47 kg por dia, respectivamente.

João Maria do Amaral Júnior informa ainda que o búfalo, por seu metabolismo, consome no máximo 0,7% (PC) da torta de palmiste. "A partir disso é desperdício. Assim, oferecer entre 0,5 a 1% favorece a mantença de carne e leite, sem interferência no desempenho animal e, consequentemente, promove a mitigação na produção de metano", reforça o médico-veterinário, doutorando da Universidade Federal do Pará (UFPA), que trabalha com o tema em sua tese. O acadêmico conta que as fêmeas avaliadas estavam com 34 meses, eram mestiças de Murrah e Mediterrâneo, pertencentes ao rebanho da Embrapa Amazônia Oriental, passaram por 21 dias de adaptação e foram suplementadas durante os meses de setembro e outubro de 2015, em confinamento, com livre acesso à água e à mistura mineral. Experimentos a campo são o próximo passo.

Para a pesquisadora Lucieta Martorano, como o rebanho brasileiro de búfalos está centralizado na região Norte e como, no Estado do Pará, os resíduos de palma de óleo provenientes de agroindústrias têm custos mais competitivos aos produtores em comparação com outros suplementos utilizados na dieta dos animais (milho, soja e trigo), a junção desses dois expoentes paraenses foi uma oportunidade à vista, que agrega valor, incorpora novas práticas às respectivas cadeias produtivas e apresenta alternativas de baixa emissão de carbono e pegada de lixo pela pecuária na região.

Combater estresse térmico ameniza emissões
Em outra vertente do mesmo trabalho, a termografia infravermelha foi utilizada para avaliar o conforto térmico dos bubalinos. Os dados revelaram que, quando a temperatura do ar aumenta, a temperatura da superfície corporal dos animais também aumenta, reforçando a relação entre a temperatura e a umidade relativa do ar e a temperatura corporal. Essas variáveis interagem e a alteração de um único elemento ambiental altera consideravelmente todos os fatores envolvidos no equilíbrio térmico e compromete o processo de emissões. No estudo, observaram-se as superfícies anatômicas dos bubalinos, como cabeça (fronte, globo ocular e espaço internasal) e região posterior (ísquio, ílio, sacro e garupa). Nessa observação, encontrou-se uma correlação entre o aumento da temperatura do ar e a temperatura corporal da região da fronte.

Os búfalos são homeotérmicos, esclarece Amaral Júnior, com um sistema de termorregulação e evaporação menos eficiente que o dos bovinos, devido a fatores como cor da pele, menor número de glândulas sudoríparas e camada da epiderme da pele grossa, e isso os torna mais propensos a problemas de termorregulação. Eles são especialmente mais sensíveis à irradiação solar direta e a ambientes com altas temperaturas. Quando submetidos a altos índices de temperatura e umidade relativa do ar, entram em estresse térmico, capaz de desencadear diversos processos fisiológicos, que se refletem na emissão de gases de efeito estufa (GEE).

As condições ideais para o crescimento e a reprodução de búfalos são temperatura do ar entre 13 e 18°C e umidade relativa média entre 55 e 65%. Ambientes acima de 30°C são prejudiciais aos índices produtivos e reprodutivos dos animais, influenciando a temperatura corpórea e, consequentemente, o metabolismo.

Com o uso da termografia, considerada pelos técnicos um método não invasivo e sem interferência no comportamento animal, a equipe de Martorano avaliou o conforto térmico. Martorano ressalta que a redução das emissões é um somatório de evidências, equilibrada em uma equação formada por ambiência, alimentação e sistema produtivo. Segundo ela,  estudos sobre conforto térmico devem estabelecer sistemas de informação e análise de dados capazes de valorizar e identificar animais com fenótipos mais adaptados a situações extremas.

Pesquisadores buscam animais que possam digerir alimentos que não são usados em outras cadeias de produção nem na alimentação humana, com menor potencial de emissão de gases, que consumam proporcionalmente menos água, que se adaptem a sistemas integrados de produção e que tenham maior capacidade termorregulatória. Tudo isso "visando maior produtividade, associada à rentabilidade, eficiência e sustentabilidade".

De vilão a município verde
Distante mais de 300 km da capital está Paragominas (PA), cidade que em 2008 passou por uma revolução socioambiental, com o apoio de políticas públicas e, assim, de vilã do desmatamento, despontou como um município de referência em produção agropecuária sustentável no Estado do Pará. Desde então, observa-se uma redução significativa no incremento do desmatamento, intensa recuperação de áreas de pastagens degradadas para implantação de sistemas integrados, adequação das propriedades rurais ao cadastro ambiental rural (CAR), que renderam a Paragominas o título de "Município Verde".

Em parceria com a Embrapa Amazônia Oriental, por meio das redes de pesquisa ILPF e Pecus, o proprietário da Fazenda Vitória, em Paragominas, implantou em 2009 o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), com o objetivo de promover recuperação da pastagem para bovinos e diversificação produtiva. O sistema foi composto por capim Brachiaria brizantha (cultivar BRS Piatã) e espécies florestais − eucalipto, muito utilizado no Brasil para produção de celulose e carvão vegetal; mogno-africano, introduzido no País como alternativa para produção de madeira nobre; e paricá, leguminosa nativa da Amazônia, bastante aproveitada na fabricação de laminados e na produção de lenha destinada a indústrias. Durante os três primeiros anos, ocorreu rotação entre milho e capim, em sistema plantio direto, até o estabelecimento das espécies arbóreas. Após o período, introduziram-se os bovinos na área para pastejo direto.

Após cinco anos de condução, verificou-se um aumento significativo no estoque de carbono no solo, com um incremento de 13,4 toneladas de carbono por hectare na camada de 0-30 cm em comparação com a pastagem degradada. Tais dados são resultado da dissertação de  mestrado  da estudante da Universidade de São Paulo Siglea Chaves, e demonstram que a recuperação de uma pastagem em conjunto com a aplicação de práticas de manejo sustentáveis contribui, efetivamente, para a incorporação de matéria orgânica no solo. Lucieta Martorano salienta que "os cultivos integrados em plantio direto proporcionaram adições de carbono pela criação de raízes nas plantas, manutenção da matéria orgânica no solo, beneficiando a estrutura física do solo e a melhoria nas taxas de infiltração de água".

Além dos búfalos e sua produção intensiva, a Pecus Amazônia também avaliou bovinos de corte em várzeas e em pastagens consorciadas e os sistemas integrados (integração lavoura-pecuária-floresta) em áreas de babaçu.

Vantagens da pastagem consorciada
No Acre, também foi avaliado o teor de carbono do solo em pastagens com diferentes manejos. A pesquisa aliou ainda estudos sobre produtividade do rebanho bovino, e o ganho de peso dos animais em áreas com maior estoque de carbono foi animador. Os dados demonstram que a quantidade de carbono em uma pastagem bem manejada é maior do que em solos de floresta nativa, o que era esperado pelos especialistas. Segundo o pesquisador Falberni Costa da Embrapa Acre, "o estoque foi maior nas pastagens do que na floresta devido ao manejo das forrageiras: 36% a mais na pastagem pura e 23% na consorciada. A introdução da leguminosa na pastagem é recente e, em médio prazo, espera-se que o estoque de carbono na pastagem consorciada supere o da pura".

Para avaliar a quantidade de carbono nas pastagens acreanas, o estudo comparou três situações: Floresta Amazônica, pastagem convencional com braquiária humidícola, e área na qual a braquiária é consorciada com amendoim forrageiro, leguminosa com alto valor nutricional.

O especialista em solos destaca ainda que as avaliações foram realizadas em área de baixa permeabilidade, pastejada há cerca de 30 anos, a Fazenda Guaxupé (Rio Branco). "Esses dois aspectos [baixa permeabilidade e pastejo intenso] poderiam ter causado a degradação do solo e da pastagem, mas por terem sido sempre bem manejados, não estão degradados e ainda foi possível encontrar altos níveis de carbono mesmo no pasto convencional. Esses resultados reforçam a importância da adoção de tecnologias de manejo do solo para recuperação e manutenção de sua qualidade, o que garante um uso mais intensivo, diminuindo a pressão por abertura de novas áreas", afirma o pesquisador.

Os dados de produtividade, coletados na mesma área, confirmam as vantagens de um bom manejo. Os animais, da raça Nelore, mantidos no pasto consorciado com apenas 8% de amendoim forrageiro, obtiveram ganho de peso 42% superior aos animais mantidos em pastagem pura, no período da seca, quando as gramíneas estão enfraquecidas.

No período de chuvas, quando as duas pastagens estão vigorosas, o ganho de peso foi  17,7% superior  ao da pastagem pura. Conforme o pesquisador da Embrapa Maykel Sales, "o ganho de peso se deve à melhora na qualidade da dieta, que faz com que os animais ganhem peso em menor tempo. O amendoim forrageiro apresenta baixa proporção de fibras e alta quantidade de nitrogênio, o que aumenta o aproveitamento do alimento, além de possuir alta quantidade de nitrogênio, ideal para manter a qualidade do solo".

Sinônimo de grandeza 

A Amazônia é o maior bioma brasileiro, com 4,1 milhões de km², segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004). Grandeza é uma palavra que se encaixa perfeitamente com o bioma – possui a maior bacia hidrográfica, maior biodiversidade e reserva de madeira tropical do planeta. É líder na produção de peixes e bubalinos. Desse mamífero ruminante, concentra o maior rebanho do País, com 720 mil das 1,15 milhão de cabeças existentes em nível nacional. Só o Pará detém 39% (461.275) desse rebanho, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Leia também:

Dalízia Aguiar
Embrapa Gado de Corte

Colaboração: Priscila Viudes
Embrapa Acre

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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