Bioma que sequestra carbono
Bioma que sequestra carbono
É possível produzir carne e leite em pastagens tropicais e ainda mitigar emissões de gases de efeito estufa. Os resultados das pesquisas da Rede Pecus no bioma Mata Atlântica indicam que sistemas pecuários bem manejados podem ter saldo positivo de carbono, ou seja, absorver maior quantidade do gás do que é capaz de gerar e assim obter créditos de carbono.
Recuperar e manejar bem pastagens também promove o efeito poupa-terra que diminui a pressão sobre as áreas florestais. "Com a recuperação de áreas degradadas e a intensificação do uso das pastagens é possível aumentar a produção de carne e leite, com redução ou com a mesma quantidade de terra utilizada, evitando assim a abertura de novas áreas e liberando-as para o cultivo de grãos ou outras atividades", destaca o pesquisador da Embrapa André Pedroso, responsável pelo bioma Mata Atlântica na Rede Pecus.
Por isso, entre as recomendações dos pesquisadores está a recuperação e o manejo intensivo das pastagens, adotando-se boas práticas pecuárias no uso de insumos. Em pastos manejados corretamente, é possível sequestrar mais de três toneladas de gás carbônico por hectare ao ano e ainda aumentar a matéria orgânica no solo, melhorando a fertilidade e a qualidade da forrageira.
Por outro lado, áreas de pastagem degradada apresentam altas emissões de gás carbônico. Segundo a pesquisadora da Embrapa Patrícia Anchão, não há pior opção para a pecuária do que pasto degradado. O solo perde matéria orgânica e libera maior quantidade de gás carbônico (CO2) para a atmosfera. Somente em perdas de carbono do solo, podem apresentar emissões médias de quatro toneladas de gás carbônico equivalente por hectare ao ano.
O manejo nutricional da criação, com uso de grãos e alimentos concentrados na dieta e processamento adequado das forragens conservadas, é mais um fator que contribui para a redução dos GEEs. A produção do metano entérico dos bovinos depende da quantidade e qualidade do alimento digerido e grau de digestibilidade, além do tipo de animal e condições de criação. A emissão média anual desse gás por bovino é de 57 kg. O alto desempenho favorece a redução da emissão pelo gado. De acordo com o pesquisador da Embrapa Alexandre Berndt, é possível diminuí-la para 37,7 kg.
Experimentos realizados no bioma Mata Atlântica avaliaram o balanço de carbono de cinco sistemas de produção de recria/engorda com novilhos de corte da raça Nelore durante dois anos em diferentes ambientes: pastagem degradada (referência negativa), mata nativa (referência positiva) e mais três sistemas com diferentes níveis de intensificação e lotação animal – recuperação direta, com correção do solo via calagem e fertilização de base, adubado com 200 kg de nitrogênio/ha e taxa de lotação moderada; adubada com 400 kg de nitrogênio/ha, mais bem manejada e de alta lotação; e, outro sistema mais intensificado (600 kg de nitrogênio/ha), irrigado e com alta lotação animal.
A tabela reflete o aumento da produtividade quando o pecuarista distancia-se de um modelo extensivo, de pasto degradado, para uma pastagem bem manejada e com adoção de tecnologias. O produtor sai de uma lotação animal de 1,7 por hectare para quase oito animais na mesma área. O aumento de peso vivo também é significativo, saltou de uma produção anual de 220 kg/ha para cerca de 1.400 kg/ha.
A quantidade de carcaça por hectare variou bastante entre os animais: de 117,5 kg/ha ao ano até 767,3. Ou seja, aumentou mais de seis vezes em relação à área degradada. Apenas recuperando o pasto, sem muito uso de tecnologia, a diferença já é considerável: mais de 200 quilos de carcaça por hectare/ano.
Apesar de as investigações mostrarem que a emissão de metano sofreu um acréscimo com a intensificação – de 100 kg para aproximadamente 500 kg CH4/ha/ano –, o balanço de carbono equivalente foi melhor nos sistemas intensivos, já que o sequestro de carbono no solo foi maior em decorrência do melhor manejo da planta forrageira e da fertilidade do solo. Pastos recuperados apresentaram balanços positivos em até 3,5 toneladas de CO2 equivalente/ha, evidenciando o potencial de mitigação. Ou seja, mesmo emitindo cinco vezes mais metano, a intensificação com manejo correto do pasto é capaz de sequestrar mais carbono, resultando em um balanço positivo.
A pior situação foi a da pastagem degradada que emitiu cerca de oito toneladas de carbono equivalente. Em situações muito intensivas, com altas doses de nitrogênio e uso de irrigação, o balanço também foi desfavorável, mas, ainda assim, melhor que o degradado quando se computa a emissão de CO2 equivalente por quilo de carne produzida. A emissão é compensada, conforme Pedroso, pela maior produtividade. O resultado em emissão por quilo de leite ou carne é menor ao obtido em sistemas degradados.
Outro resultado importante está relacionado à emissão de óxido nitroso. Os principais GEEs relacionados com a agricultura são dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Apesar de a concentração de N2O na atmosfera ser muito mais baixa em comparação com a de CO2, seu potencial é 265 vezes mais elevado do que o gás carbônico em um horizonte de 100 anos. As pesquisas da Rede comprovaram que as emissões de óxido nitroso foram baixas em todos os modelos produtivos avaliados.
Um experimento conduzido na Universidade de São Paulo (USP), em Pirassununga (SP), entre janeiro e novembro de 2014, considerou dois tipos de manejo de pastagem no bioma Mata Atlântica: rotacionado e contínuo (sem adição de fertilizante nitrogenado).
Os objetivos desse estudo, coordenado pela Embrapa Meio Ambiente (SP), foram quantificar as emissões de N2O nos dois tipos de manejo de pastagem e determinar os fatores de emissão associados à adição de fertilizante nitrogenado em pastagem rotacionada. Segundo a pesquisadora da Embrapa Magda Aparecida de Lima, as emissões de óxido nitroso mostraram-se muito inferiores ao esperado, com consequente baixo fator de emissão de N2O. Considerando apenas a estação de verão de 2014, foi calculado um total de emissão acumulada de 13,07 mg de nitrogênio por metro quadrado, equivalente a 0.13068 quilos de nitrogênio por hectare e um fator de emissão de apenas 0.0022.
Sistema de tratamento diminui emissões de dejetos da suinocultura
Análises propostas pela Rede Pecus também pretendem determinar a contribuição da produção confinada de suínos na emissão de GEE. Os resultados preliminares indicaram que é possível reduzi-la.
Segundo a pesquisadora Martha Higarashi, da Embrapa Suínos e Aves, a emissão de GEE pelos dejetos dos animais é bastante significativa. No entanto, os dejetos são passíveis de gerenciamento ou manejo. A implantação de sistemas de tratamento, por exemplo, pode mitigar o potencial de impacto poluente, tanto no solo como na água ou ar.
Resultados preliminares de experimentos em escala-piloto demonstraram que 50 % do potencial de aquecimento global do quilograma de dejetos podem ser reduzidos pela implantação de um biodigestor com um flare, bico de chama, para queimar o biogás. "Se o potencial energético desse biogás puder ser aproveitado na propriedade, como fonte de calor, eletricidade, etc., a matemática torna-se ainda mais favorável, porque se pouparia a queima de lenha ou combustível fóssil", ressalta Martha.
No entanto, o biodigestor não reduz a necessidade de áreas agrícolas para aplicação do efluente ou biofertilizante, visto que o sistema remove apenas a matéria orgânica do dejeto (convertido em biogás). Nutrientes, como nitrogênio e fósforo, permanecem no efluente e sua aplicação sem qualquer critério agronômico pode levar à contaminação do sistema solo, água e ar.
Martha conta que outros estudos vêm sendo conduzidos com novas tecnologias de tratamento para reduzir a dependência por áreas agrícolas. Dentre as alternativas promissoras, destacam-se a compostagem da fração sólida dos dejetos e os tratamentos de polimento para os efluentes pós-biodigestores utilizando reatores com microrganismos específicos ou algas.
"Essas tecnologias demonstram grande potencial, mas demandam maior controle de processos. A compostagem, por exemplo, pode reduzir grandemente a emissão de GEE, pois a maior parte da matéria orgânica passa a ser mineralizada na forma de gás carbônico e não mais de metano. Entretanto, caso o processo seja mal conduzido, pode ocorrer a formação e emissão de óxido nitroso, o que poderia anular o ganho obtido pela conversão de metano em gás carbônico", explica a pesquisadora.
Árvores por novilho
Nos sistemas degradados e muito intensivos (irrigados e com alta dose de nitrogênio), os pesquisadores fizeram o cálculo de quantos eucaliptos seriam necessários para abater a emissão de cada animal. De acordo com Patrícia, no ambiente degradado é necessária a manutenção de 65 eucaliptos por novilho. Já no mais intensivo, apenas 17 árvores. Nos outros sistemas o abatimento ou mitigação das emissões de GEE é realizado pelo sequestro de carbono no solo. "Se o produtor mantiver a criação de gado extensiva, com pasto degradado e sem aporte de tecnologia, ele terá que plantar muitas árvores, muito mais do que nos outros sistemas", destaca.
Reduzida, ameaçada e, ainda assim, acolhedora
Os remanescentes da vegetação nativa, segundo o Ministério do Meio Ambiente, estão hoje reduzidos a cerca de 22% da cobertura original. Apenas cerca de 7% estão bem conservados em fragmentos acima de 100 hectares. Ainda assim, reduzida e fragmentada, a Mata Atlântica abriga cerca de 20 mil espécies vegetais (cerca de 35% das espécies existentes no Brasil), incluindo diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.
No caso da fauna, agora de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, levantamentos realizados indicam que o bioma acolhe 849 espécies de aves, 370 espécies de anfíbios, 200 espécies de répteis, 270 de mamíferos e cerca de 350 espécies de peixes. Das 633 espécies de animais ameaçadas de extinção no Brasil, 383 ocorrem no bioma.
Cerca de 72% da população brasileira vive na região compreendida pela área, uma das mais ricas em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta. A Mata Atlântica é decretada Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e Patrimônio Nacional, na Constituição Federal de 1988.
O bioma é formado por um conjunto de formações florestais e ecossistemas associados como as restingas, manguezais e campos de altitude que originalmente se estendiam por aproximadamente 1.300.000 km2 em 17 estados do território brasileiro - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí.
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Gisele Rosso
Embrapa Pecuária Sudeste
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