Alimentação do rebanho é o maior problema da pecuária de leite no Brasil
Alimentação do rebanho é o maior problema da pecuária de leite no Brasil
Foto: Alcides Okubo Filho
Sem alimentação adequada, animais não atingem todo o seu potencial na produção leiteira
A alimentação inadequada ou insuficiente do rebanho é responsável pelo baixo desempenho da produção brasileira de leite, especialmente nas pequenas e médias propriedades. O problema foi considerado o mais importante da pecuária leiteira nacional por técnicos e pesquisadores que atuam no Balde Cheio, programa da Embrapa que capacita profissionais da extensão rural.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Brasil tem pouco mais de um milhão de propriedades leiteiras, responsáveis pela produção de 35 bilhões de litros de leite por ano. Segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Glauco Carvalho, apenas a metade desse contingente pode ser considerada de produtores comerciais (que entregam leite aos laticínios). “Embora o Brasil tenha fazendas com produtividade comparável à dos maiores países do mundo, a grande maioria dos produtores brasileiros tira em torno de 100 litros por dia”, diz o pesquisador. E são essas pequenas e médias propriedades que sofrem o problema da alimentação do rebanho.
O Balde Cheio, programa que permitiu esse diagnóstico, completou 20 anos em 2018 e já atendeu cerca de dez mil pecuaristas. O pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste Artur Chinelato, idealizador do programa, já visitou centenas de propriedades no País e afirma que a alimentação dos animais é a principal responsável pela baixa produtividade das fazendas que ingressam no Balde Cheio. É tão comum que o cientista criou até uma brincadeira com os produtores que aumentam a produção quando corrigem a alimentação do rebanho: pedir perdão às vacas por as terem tratado tão mal.
A afirmação de Chinelato é compartilhada por todos os técnicos e pesquisadores do programa. O engenheiro-agrônomo Walter Miguel Ribeiro, coordenador do Balde Cheio em Minas Gerais pela Federação de Agricultura do Estado de Minas Gerais (FAEMG), insiste em suas palestras que a genética só vai se tornar um gargalo quando a vaca estiver sendo alimentada com qualidade e quantidade suficientes.
“Às vezes a vaca não mostra sua qualidade genética em termos de produção de leite porque está passando fome”, alerta. Segundo Ribeiro, os produtores acreditam que, para produzir muito, o animal tem que comer ração; por isso, não se preocupam em ter um bom volumoso (capim, silagem, feno etc com bom teor de nutrientes) na propriedade ou mesmo água de qualidade. “Visitamos muitas fazendas onde os animais ainda bebem água em córregos ou em buracos cheios de lama”, relata ao frisar que em condições assim, o resultado da produção é influenciado diretamente.
Orientação que mudou uma fazendaNo entanto, os técnicos afirmam que a questão da alimentação do rebanho pode ser revertida e se obter resultados rápidos. É o que pensa o engenheiro-ambiental Adriano Ferreira da Silva, que está há três anos no Balde Cheio prestando assistência a produtores no Triângulo Mineiro. Silva cita como exemplo desse tipo de problema a propriedade familiar Estância do Vovô, em Prata (MG). Quando o técnico conheceu a propriedade, viu que havia ali muito investimento em equipamentos, mas o pasto era mal manejado e insuficiente para o rebanho. A Estância do Vovô, tocada por Paulo Oliveira e sua mulher, Talita, foi herança da esposa. Para ficar mais próximo da mulher e dos dois filhos, há sete anos, ele resolveu largar a profissão de fotógrafo especialista em imagens aéreas para se tornar produtor de leite. Com a visão de que produção elevada só se consegue com investimento em máquinas, comprou ordenhadeira mecânica, tanque de expansão, silos e montou um sistema de irrigação para cinco hectares. Chegou a produzir 1.200 litros diários de leite, mas, sem orientação técnica adequada, não conseguiu obter lucro. Para piorar, o rebanho foi contaminado por Trypanosoma. Perdeu animais e a produção despencou. Precisou vender vacas para pagar dívidas. Em 2015, chegou ao seu pior momento. Restavam seis vacas em lactação, uma tremenda frustração com a atividade e a completa descrença nas tecnologias. “Já estava praticamente desistindo da pecuária de leite”, relembra Oliveira. Foi quando, em visita a uma fazenda em Araxá, conheceu o Balde Cheio. Silva visitou a “Estância do Vovô” e constatou que havia sérios problemas de gestão na propriedade. E o rebanho estava mal alimentado, não respondendo ao seu potencial produtivo. “Nossa primeira recomendação foi reduzir a área de pastagem para um hectare, economizando água, tempo e dinheiro.” A principal orientação passada ao produtor foi que adotasse as técnicas corretas de manejo do pasto, que incluíam a adubação, de acordo com a análise do solo da propriedade. Com a alimentação adequada, de acordo com o número de vacas da propriedade, a Estância do Vovô foi se recuperando economicamente e o fluxo de caixa passou a ser positivo. Atualmente, a produção gira em torno de 300 litros por dia, com 16 vacas em lactação. A área total da propriedade soma 69 hectares, com dois hectares de Tifton irrigado, divididos em 18 piquetes. As vacas são mestiças, com a produção variando de 10 a 30 litros por animal. Sob a orientação técnica do Balde Cheio, junto com a alimentação, a Estância do Vovô solucionou uma série de outros problemas relacionados à gestão da propriedade e mantém em dia todas as anotações econômicas e zootécnicas. A propriedade se tornou uma Unidade Demonstrativa do programa e é referência para outros produtores. |
Como calcular o pasto suficiente
De modo geral, as pastagens rotacionadas são a forma mais comum para alimentar o rebanho. A área de pastagem depende da capacidade de investimento do produtor. As adubações para recuperar a fertilidade do solo precisam ser mantidas. A área máxima trabalhada no primeiro ano é definida pela seguinte equação: número de vacas em lactação dividido por dois, e o resultado deve ser dividido por dez, que é a lotação mínima de vacas por hectare, esperada em pastagens corretamente adubadas e manejadas. Por exemplo, um rebanho com média de 20 vacas em lactação ao longo do ano deve trabalhar no primeiro ano com um hectare de pastagem rotacionada.
Cada propriedade deve definir qual o alimento volumoso será utilizado no período de menor produção das gramíneas forrageiras tropicais. As opções podem ser cana-de-açúcar, palma forrageira, feno ou silagens. O uso de alimentos concentrados também é estudado caso a caso, considerando o nível de produção, a qualidade do volumoso e a viabilidade econômica local.
O Balde Cheio é um projeto de capacitação continuada de profissionais que atuam na extensão rural, utilizando uma pequena propriedade de cunho familiar como “sala de aula prática”. Nesse ambiente, instrutores, técnicos e produtores combinam as tarefas a serem executadas na propriedade leiteira, visando torná-la eficiente e rentável. Artur Chinelato (veja entrevista abaixo) afirma que o programa não utiliza um pacote tecnológico fixo. “Os técnicos são treinados a interpretar as diferenças agroecológicas de cada propriedade, assim como a complexidade dos diferentes perfis de produtores.” O treinamento aplica conceitos de produção intensiva de leite.
20 anos de Balde CheioEntrevista com o pesquisador Artur Chinelato Pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos (SP), Artur Chinelato é especialista em produção animal (bovinocultura leiteira), com ênfase em transferência de tecnologia. Chinelato tornou-se um dos nomes mais conhecidos do setor, no Brasil, graças ao Balde Cheio, programa de capacitação da assistência técnica em pecuária de leite, que ele idealizou. O Balde Cheio completou 20 anos em 2018. O que mudou nesse período? Artur Chinelato - A primeira visita a uma propriedade leiteira pelo Balde Cheio ocorreu em março de 1998. Desde então, cerca de dez mil produtores já passaram pelo programa. Em março deste ano, o Balde Cheio deixou de ser uma ação da Embrapa Pecuária Sudeste e se tornou um projeto em rede da Embrapa, do qual participam 14 Unidades da Empresa. Do Rio Grande do Sul a Roraima, cobrimos todos os territórios do País. Há também demandas de outros países da América Latina, como a Colômbia, Guatemala e Panamá. O que há de positivo nessa expansão é que um número maior de técnicos e instituições participa do trabalho. Com isso, conseguimos alcançar mais propriedades. Hoje, há no programa 1.400 propriedades. O ideal seria atingirmos todos os produtores do Brasil, mas sabemos que isso não é possível. No entanto, cada pecuarista que conseguimos tirar do ‘brete da exclusão’ será uma grande vitória. Qual é o principal problema da pecuária de leite que o senhor identificou nessas duas décadas de trabalho? A. C. - O mais frequente é a alimentação do rebanho, tanto do ponto de vista da qualidade quanto da quantidade. Esse é o ponto inicial do trabalho dos técnicos que atuam conosco na quase totalidade das propriedades. Quando conseguimos equacionar essa questão, as vacas passam a demonstrar o seu potencial produtivo. A genética só se torna um problema em uma segunda etapa. Com comida no cocho em quantidade e qualidade suficientes, as vacas que forem boas se apresentarão e as que não forem serão trocadas por outras mais produtivas. Resolvendo a questão da alimentação, a produção cresce rápido? A. C. - O resultado é bastante rápido. Geralmente, a propriedade tem uma pastagem formada, mas que está maltratada, mal adubada e mal manejada. Quando o produtor foca na melhoria dessa pastagem, as vacas respondem imediatamente. Depois de uns 60 dias já é possível ver os resultados positivos. Então, o produtor fica animado e quer comprar tudo o que imagina, pois existe uma demanda represada de vários anos. É nessa hora que o técnico precisa ‘dar uma segurada’ no produtor. Um bom técnico deve ser capaz de perceber o estado de espírito do pecuarista. Se ele está desanimado, atua motivando-o; mas se ele se anima muito e começa a comprometer a boa administração do negócio, é hora de jogar ‘água fria’. Se o técnico for capaz de passar as orientações necessárias e agir como um contrapeso no momento certo, o negócio progride. O técnico é, então, um elo importante do Balde Cheio? A. C. - Os técnicos são a matéria-prima do programa. O Balde Cheio não é um projeto de assistência técnica. Trata-se de um programa de capacitação de técnicos, que se utiliza das propriedades como ‘salas de aula’ para atender tanto a capacitação dos técnicos quanto a dos produtores. Os técnicos aprendem o que é uma produção intensiva de leite e, principalmente, que cada propriedade tem as suas particularidades, com histórias diferentes umas das outras. Não é a Embrapa que presta assistência ao produtor, mas profissionais autônomos ou de cooperativas, laticínios e instituições estaduais de assistência técnica e extensão rural como a Emater [empresas de assistência técnica e extensão rural] em vários estados; a Cati, em São Paulo; e assim por diante. A Embrapa atua na capacitação desses profissionais, preparando-os para entender o universo do produtor, propondo mudanças de acordo com cada peculiaridade. Para que tipo de produtor o Balde Cheio é indicado? A. C. - Não existe um tipo de produtor específico, todos eles estão aptos a participar do Balde Cheio. Temos propriedades com um hectare e outras que produzem dez mil litros de leite por dia. Desde que haja um técnico do programa na região, estão convidados a participar. |
Rubens Neiva (MTb 5445/MG)
Embrapa Gado de Leite
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