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Pesquisa contribui para caracterização de queijo artesanal da Serra da Mantiqueira
A Embrapa Gado de Leite (MG), em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), estruturou projeto de pesquisa para levantar dados que fundamentem a regulamentação do queijo de Alagoa (MG), município das terras altas da Serra da Mantiqueira. O Brasil produz um milhão de toneladas de queijo por ano, e um quinto desse total é feito artesanalmente, com leite cru – que não passou pelo processo de pasteurização. Boa parte do queijo artesanal brasileiro é vendido informalmente, pois falta ao produto o registro nos serviços de inspeção sanitária, seja municipal, estadual ou federal. É o caso do queijo artesanal produzido em Alagoa, principal fonte de renda da cidade e uma iguaria apreciada por consumidores de Minas, Rio de Janeiro e São Paulo.
Com a regulamentação, o produto estará apto a receber o selo de inspeção estadual emitido pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Segundo a pesquisadora Maria de Fátima Ávila Pires, coordenadora do projeto, que envolveu 25 profissionais, o primeiro passo foi caracterizar o sistema de produção. Os pesquisadores da Embrapa selecionaram 30 produtores, identificando-os do ponto de vista econômico e social. “Traçamos o perfil do produtor alagoense e resgatamos os aspectos históricos e culturais da produção do queijo no município”, conta.
Entre as contribuições do trabalho está a de estabelecer um protocolo de maturação para o queijo, que ainda não conta com um prazo definido para essa etapa de produção. Os pesquisadores também fizeram diversos estudos que envolveram o solo e a água da região (aspectos físicos, químicos e microbiológicos), a alimentação das vacas e as análises do leite e do queijo.
Esses estudos incluíram o levantamento de informações sobre o processo de produção do leite e a fabricação do queijo, caracterizando o “saber fazer” da comunidade, ou seja, como os alagoenses construíram as tradições que resultaram no modo próprio de fazer seu queijo artesanal. “Reunir essas informações em um documento é uma das exigências do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) para a regulamentação do queijo artesanal”, explica a laticinista da Emater-MG Marciana de Souza Lima. O trabalho da Embrapa e da Emater já está sendo útil para que a prefeitura de Alagoa conceda aos produtores o Selo de Inspeção Municipal (SIM), mas essa certificação permitirá a venda do produto apenas no município.
O escritório da Emater-MG na cidade trabalha para que as queijarias de Alagoa sejam regularizadas no IMA para que possam obter, posteriormente, o registro de Indicação de Geográfica (IG), como já ocorre com os queijos do Serro, Canastra, Salitre e Campos das Vertentes. No entanto, a legislação mineira sobre o assunto ainda necessita ser regulamentada. A lei estadual de 2002 (Lei 14.185), que tratava do Queijo Minas Artesanal, foi revogada em 2012 por outra lei (Lei 20.549), que aguarda regulamentação. Os técnicos afirmam que a nova lei possui pontos questionáveis e carece de modificações.
Do tipo parmesão
Município de 2.700 habitantes, a 447 quilômetros da capital mineira, Alagoa é conhecida como a “terra do queijo parmesão.” Tal designação, no entanto, é incorreta. “Parmesão” é um tipo de queijo italiano, com Denominação de Origem Protegida (DOP). Para ser considerado parmesão, o queijo tem que ser produzido nas regiões de Parma, Régia Emília, Módena, Bolonha ou Mântua. Por possuir algumas similaridades com o queijo italiano, o de Alagoa pode ser considerado como “do tipo parmesão”. Ambos são produtos artesanais, feitos com leite cru e a massa passa por um processo semelhante de aquecimento na produção. Mas as semelhanças param por aí. No parmesão, o período de maturação, também chamado de “cura”, por exemplo, precisa durar no mínimo 12 meses (alguns ultrapassam dois anos). Já o queijo alagoense não possui um padrão de maturação, alguns são vendidos após apenas cinco dias de cura, o que interfere na qualidade do sabor. “Essa é uma prática que tem que ser mudada. É preciso estabelecer um padrão de maturação”, afirma o técnico da Emater-MG Júlio César Seabra. Esse é, também, um dos focos da pesquisa.
Estabelecer padrões é como a tradição, leva tempo. O queijo parmesão precisou de 800 anos para conquistar a fama que tem hoje em todo mundo, mas o produto alagoense caminha para isso e está perto de completar 100 anos. A fabricação de queijos surgiu em Alagoa nos anos 20 do século passado, quando um italiano de nome Paschoal Poppa chegou à cidade e abriu o primeiro laticínio. Popa viu no queijo curado, característico da região de Parma, o produto ideal para aquela cidade no alto das montanhas, cujo clima lembrava o da Itália. Por ser um tipo de queijo menos perecível, ele se adequava aos períodos em que a cidade ficava isolada. O produto era transportado no lombo de burros, em formas de bambu, e na época das chuvas era praticamente impossível descer pelas precárias estradas da região para levar a produção até os mercados urbanos.
Apesar das diversidades, o negócio foi prosperando. Poppa trouxe um queijeiro de fora do estado para trabalhar no laticínio. Esse queijeiro acabou se casando com a filha de um coronel da região, Porfírio Mendes Filho, que, por influência do genro, investiu na abertura de cinco laticínios. Os agricultores da região migraram para a pecuária de leite, atendendo à demanda das queijarias. Passado algum tempo, os grandes laticínios fecharam, mas os pecuaristas já haviam assimilado a cultura das queijarias e passaram a produzir, eles mesmos, o próprio queijo. É nessa época que o fermento, o que dá o sabor diferenciado do queijo da região, segundo os alagoenses, foi compartilhado entre os produtores.
Produção familiar
A pesquisa da Embrapa contabilizou 130 queijeiros produzindo o “parmesão alagoense.” Os produtores são de base familiar, com a produção variando de cinco a 50 quilos de queijo por dia. As fazendas são pequenas, com cerca de 18 hectares, e o relevo acidentado da Serra da Mantiqueira limita o uso de pastagem. Capim verde picado, cana-de-açúcar, silagem de milho e concentrado representam boa parte da alimentação das vacas. O rebanho é predominantemente mestiço (Holandês/Gir Leiteiro), com ordenha média de 15 litros por vaca/dia. A produção média de leite em Alagoa é de 150 litros/dia/propriedade.
Em um dos pontos mais altos da cidade (1.700 metros de altitude), fazendo divisa com o Parque Estadual Serra do Papagaio, está o Sítio do Garrafão. O proprietário, Darci Lopes de Menezes, é um dos queijeiros mais antigos da região. Menezes guarda na memória boa parte da história do município e é uma referência para qualquer pesquisa sobre a evolução do queijo alagoense. Com problemas de saúde, Menezes transferiu a produção para o filho Marcos Rodrigues. São 15 vacas no rebanho, responsáveis por uma produção média de dez quilos de queijo por dia. Marcos e a mulher, Rita de Cássia, cuidam de todas as tarefas da propriedade e ainda sobra um tempo para construir a casa do casal, que já está quase pronta. Ele diz que, assim que terminar a construção, sobrará um pouco de dinheiro para investir mais na queijaria.
Com produção maior (40 quilos de queijo/dia), o Sítio Mato Dentro fica no lado oposto ao Garrafão. São 27 vacas, responsáveis por 400 litros/dia. O espaço pertence a Francisco Antônio de Barros, tataraneto do coronel Porfírio, o pioneiro do “parmesão alagoense”. Barros toca o sítio com a mulher, Priscila Almeida Mendes de Barros, e os três filhos do casal, de 18, 14 e 12 anos. A produção diária de 40 quilos de queijo é toda vendida para mercados e empórios do Sul de Minas e São Paulo. Como os demais queijeiros da região, Barros nunca fez cursos de laticínio. Todo o conhecimento foi herdado dos pais e avós.
Aos poucos, o “parmesão alagoense” vai se enriquecendo com a tradição. A pesquisa agropecuária incorpora os conhecimentos científicos, fundamentando os legisladores, que constroem as bases legais para tirar o produto da clandestinidade. Mas a lei costuma demorar, assim como a formação de uma tradição, e os consumidores não esperam. O “parmesão alagoense” é vendido pelo produtor a um preço que varia de R$ 15 a R$ 30 o quilo. Já o parmesão de verdade, feito na Itália, chega a custar mais de R$ 100. A legalização pode melhorar o preço pago ao produtor e será um passo importante para que o queijo das terras altas da Mantiqueira conquiste um dia a Indicação Geográfica, como já ocorre com o legítimo parmesão italiano.
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