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Tecnologia viabiliza exportação da manga brasileira para a África do Sul
Foto: Fernanda Birolo
Método consiste em mergulhar as frutas em água aquecida e não utiliza químicos
Em setembro, a África do Sul recebeu o primeiro lote de mangas brasileiras. Foram 25 toneladas exportadas após cinco anos de negociações. A transação só foi possível graças ao tratamento hidrotérmico de frutas, uma tecnologia desenvolvida por uma rede de pesquisa liderada pela Embrapa há mais de duas décadas.
O obstáculo veio de decisões dos principais mercados importadores de frutas, que não aceitam a aplicação de produtos químicos para o controle da mosca-das-frutas (Ceratitis capitata), uma das maiores ameaças à fruticultura mundial por atingir diversos tipos e variedades de frutas.
Durante muito tempo, o Brasil só usava o controle químico para combater a praga, prática que fechou as portas de vários mercados internacionais que adotam barreiras fitossanitárias exigentes.
Água quente e controle do inseto
Desenvolvida no início da década de 1990, a técnica brasileira foi uma adaptação de um tratamento de frutas utilizado em outros países, como o México, e consiste em mergulhar frutas de até 425 gramas em água aquecida a 46ºC por 75 minutos e frutas entre 426g e 650g, por 90 minutos. O processo mata ovos ou larvas do inseto que estejam presentes. O trabalho dos cientistas brasileiros foi desenvolver parâmetros para as condições nacionais e para o combate à mosca-das-frutas, já que à época a técnica só era utilizada para outras pragas.
Além do tratamento hidrotérmico, foi indicado o monitoramento das populações da mosca no campo, a fim de subsidiar o combate feito com métodos isentos de químicos, como a instalação de iscas no pomar e outras técnicas de manejo integrado de pragas (MIP).
O sucesso da solução levou a um novo modelo brasileiro de certificado fitossanitário, o que abriu à fruticultura nacional os mercados da Coreia do Sul, Japão, Chile, Argentina, Estados Unidos, União Europeia e, recentemente, da África do Sul.
A rede de pesquisa responsável pelo desenvolvimento da técnica é composta por especialistas da Embrapa, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) e da biofábrica Moscamed Brasil, com a supervisão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e o apoio da Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco (Valexport).
O vale das frutasA região do Vale do Rio São Francisco é o principal polo frutícola do País, em especial de mangas das variedades Tommy Atkins, Kent, Palmer e Keitt. Em 2009, por suas uvas de mesa e manga de qualidade diferenciada, recebeu do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o selo de Indicação de Procedência, requerido pelo Conselho da União das Associações e Cooperativas dos Produtores de Uvas de Mesa e Mangas do Vale do Submédio São Francisco (Univale). Segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), atualmente o Vale do São Francisco é responsável por 90% da manga brasileira exportada e gera 200 mil empregos diretos. “De janeiro a setembro de 2018 as exportações totais de manga somaram US$ 93,43 milhões. Dos 93 mil hectares plantados em 2017, 35.630 hectares produzem manga”, informa Eduardo Brandão, da Abrafrutas, que cita uma curiosidade: de acordo com o pacto firmado entre o Brasil e os Estados Unidos, todos os packing houses [casas de embalagem] do Vale têm a presença de um técnico americano para assegurar o uso correto da técnica. “Quem não tem packing house aluga essa estrutura e paga pelo serviço do técnico americano. É um investimento alto, mas o valor pago pelos Estados Unidos, que é o maior consumidor da manga nacional, compensa”, afirma. |
Novos mercados
Segundo o presidente da biofábrica Moscamed Brasil, Jair Fernandes Virgínio, o tratamento hidrotérmico foi fundamental para que os frutos de manga alcançassem o nível de qualidade necessário para embarcar mundo afora e abrir novos mercados. “Foi um grande desafio posto. Além de matar os ovos e as larvas, o protocolo não poderia comprometer a qualidade dos frutos e o shelf life, que é o tempo de prateleira. A estratégia também levou em conta o risco de infestação para o país importador. Outra grande preocupação foi descobrir a temperatura adequada de acordo com o tamanho do fruto”, lembra.
Organização social reconhecida pelo Mapa e pelo Governo da Bahia, a Moscamed é a única responsável pela certificação, em todo o Brasil, para quem exporta manga para os Estados Unidos produzidas em pomares com algum grau de infestação de moscas-das-frutas. Na região do Vale do São Francisco, a empresa monitora semanalmente 5.339 hectares de manga com potencial para exportação. A certificação é fornecida apenas aos pomares com índice Mosca-Armadilha-Dia (MAD) inferior a 1. “Um MAD acima de 0,5 é um gatilho e a propriedade precisa usar medidas de controle”, declara Jair Virgínio.
Solução para mercados exigentes
O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), o engenheiro-agrônomo José Eduardo Brandão Costa, ratifica a importância do tratamento. “Ele foi a solução encontrada pelo setor para entrar em mercados exigentes como o americano. O maior receio deles era que, nos oito a dez dias de transporte até lá, houvesse a possibilidade de que os frutos levassem os ovos ou as larvas da mosca”, relata.
Endossado pelos produtores, o tratamento ganhou importância, em especial pela rentabilidade. Frederico Costa, diretor comercial da Ibacem Agrícola, localizada em Curaçá, na região norte da Bahia, fala sobre a contribuição da Embrapa na pesquisa que culminou com o protocolo. “Sem ele não seria possível exportar manga para Estados Unidos, Japão, Chile e Argentina, que são mercados que exigem o tratamento hidrotérmico, desenvolvido em parceria com os produtores exportadores com interesse nesses mercados”.
Empregando 900 colaboradores durante o pico da safra, a Ibacem Agrícola exporta, anualmente, cerca de 1,5 milhão de caixas de manga da variedade Tommy Atkins para os Estados Unidos. “Indiscutivelmente, a Moscamed presta um serviço extraordinário no Vale do São Francisco, fazendo o monitoramento técnico-científico e recomendando os tratamentos que são necessários a campo, de maneira que sejam minimizados os problemas dos produtores exportadores. Nada pode ser feito de forma empírica em uma atividade como a nossa, com o nível de exigência do mercado de frutas. É muito importante a união dos produtores, em sintonia com a Moscamed, para que o combate à mosca-das-frutas seja sistêmico, permanente, e não de forma eventual”, afirma Frederico Costa.
Segundo Tássio Lustoza Silva Gomes, gerente executivo da Valexport, associação criada em 1988 que reúne cerca 70% dos produtores exportadores da região em seu quadro de associados, a região tem 40 exportadores de manga, mas apenas dez utilizam packing houses com estrutura para o tratamento hidrotérmico nos municípios de Petrolina (PE), Juazeiro e Casa Nova (BA). “No pico da safra, são 11 inspetores americanos acompanhando todo o processo. As regras são bem parecidas para Estados Unidos, Japão, Argentina e Chile, porém, temos algumas distinções técnicas quanto ao uso de sensores no ato da realização do hidrotérmico, como também para alguns países se faz necessário o monitoramento da mosca-da-fruta”, declara.
Quatro empregos diretos por hectare
Os dados da Valexport indicam que, em média, cada propriedade que cultiva manga na região gera quatro empregos diretos por hectare irrigado somente com a exportação. No pico da safra, nos 6 mil hectares destinados à exportação, o número total de empregos diretos chega a 24 mil e os indiretos, a aproximadamente 30 mil.
Os Estados Unidos são o principal consumidor individual de mangas do Brasil, com uma particularidade: “O país fica atrás somente da Alemanha, que não é o consumidor final das frutas enviadas para lá, servindo como um hub [central de distribuição] para os demais países da Europa”, salienta Tássio Gomes.
“Sabemos que o mercado da África do Sul tem muito potencial, porém ainda é cedo para falarmos em volume anual de exportação. Até o momento são quatro empresas credenciadas e a Abrafrutas está trabalhando para aumentar esse número. A primeira remessa foi enviada pela empresa Argofruta”, conta Eduardo Brandão.
No fim de 2017, a manga nordestina chegou aos consumidores da Coréia do Sul, um dos mercados mais exigentes do mundo em relação à sanidade e à qualidade dos alimentos. Pelo acordo bilateral, a contrapartida brasileira é importar peras frescas do país asiático.
Levando em consideração as etapas de geração e transferência entre os anos de 1987 e 2003, o investimento total na tecnologia foi estimado pela Embrapa em R$ 2,4 milhões.
O tratamento hidrotérmicoDesenvolvido em conformidade com o acordo bilateral nos campos sanitário e fitossanitário entre o Brasil, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e os Estados Unidos, representado pelo Departamento de Agricultura daquele país (USDA), o trabalho resultou na tese de doutorado do pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Antonio Souza do Nascimento, intitulada “Aspectos bioecológicos e tratamento pós-colheita de moscas-das-frutas em manga”, pela Universidade São Paulo (USP). A pesquisa definiu a combinação de duas técnicas no controle das moscas-das-frutas: o monitoramento populacional e o tratamento hidrotérmico. No campo, o monitoramento das moscas-das-frutas antes da colheita determina o nível populacional de insetos existentes nos pomares. Se necessário, deve-se utilizar o controle cultural (medidas que podem afetar a disponibilidade de alimento ao inseto e reduzir a incidência da praga) e a aplicação de iscas atrativas com produtos orgânicos. “O ideal é que a manga chegue no packing house com o mínimo de infestação da praga, seja em forma de ovos ou de larvas”, explica Antonio Nascimento. Na casa de embalagem, os frutos são submetidos ao tratamento hidrotérmico. “Essa tecnologia era utilizada em outros países, como o México, mas não contemplava as espécies de importância quarentenária, que são a Ceratitis capitata, Anastrepha oblique e A. fraterculus”, conta Nascimento, que também é professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (URFB). Os experimentos duraram três anos e totalizaram 1.800 testes. “Foram 200 para cada espécie de mosca, multiplicada por variedade de manga”, recorda Nascimento. “Havia a necessidade de sincronizar a criação e a idade das diferentes espécies de mosca-das-frutas e o grau de maturação das diferentes variedades de manga. Essas dificuldades foram amenizadas porque se contou com uma boa equipe de laboratório e o apoio financeiro e logístico da Valexport e de outros produtores de manga”, relembra. |
Léa Cunha (MTb 1.633/BA)
Embrapa Mandioca e Fruticultura
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