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Genética brasileira
Na década de 80, a Embrapa iniciou um trabalho de coleta e avaliação de materiais de batata-doce cultivados em Brazlândia, área rural do Distrito Federal, para seleção daqueles mais adaptados às condições ambientais. A partir dessa iniciativa, algumas variedades foram recomendadas para plantio na região do Planalto Central com as respectivas indicações de manejo, o que contribuiu para a melhoria das lavouras. Desde então, o desenvolvimento de sistemas de produção e estudos para limpeza de vírus nas variedades de batata-doce também foram etapas importantes para melhoria da qualidade da produção. Na fase atual, a pesquisa comemora mais uma conquista: a aprovação do primeiro programa brasileiro de melhoramento genético de batata-doce que visa disponibilizar para o setor produtivo cultivares com melhor desempenho agronômico e qualidade de raiz, além de maior resistência aos fatores limitantes para que, assim, seja possível assegurar a sustentabilidade da cultura nas regiões produtoras.
O incremento do potencial produtivo vai ser o norte do primeiro programa nacional de melhoramento genético de batata-doce, cultura de grande importância socioeconômica para o Brasil. Embora a espécie seja originária das Américas, na época do descobrimento do continente e das grandes navegações, a batata-doce ganhou o mundo e, atualmente, são os países asiáticos que despontam com altos índices de produtividade, em virtude, principalmente, do nível tecnológico adotado pelo setor produtivo. Nos últimos anos, a média brasileira tem girado em torno de 13 toneladas por hectare, enquanto na Ásia, especialmente na China, os números atingem valores até três vezes maiores.
Segundo a pesquisadora Larissa Vendrame, líder do programa de melhoramento, esse cenário é retrato de dois fatores centrais: material genético e manejo da cultura. "Uma cultivar com alto potencial genético pode causar um impacto direto na produtividade, mas há também necessidade de propor ajustes nos tratos culturais para obter um melhor desempenho", assinala a agrônoma ao enumerar as áreas que que serão contempladas na execução do projeto: adubação, irrigação, sistema de plantio, controle de plantas espontâneas, tecnologias para colheita mecanizada e produção de mudas.
Apesar de rústica, pouco exigente em adubação e com boa tolerância ao déficit hídrico - o que a torna uma excelente candidata em tempos de alterações climáticas, a batata-doce pode apresentar um rendimento melhor se conduzida com recomendações técnicas específicas. Por isso, espera-se que, com a adoção de práticas adequadas de manejo, somada às novas cultivares mais produtivas e resistentes, haja incremento na produção brasileira de batata-doce que, atualmente, alcança cerca de 500 mil toneladas por ano, valor mediano na cena mundial, mas muito distante da cifra chinesa de 70 milhões de toneladas. Em termos percentuais, por continente, Ásia responde por quase 87% da produção mundial, seguida da África com 10%, da América com pouco mais de 2% e da Oceania com 0,5% - os países europeus não apresentam produção significativa.
Vincular o desenvolvimento e validação de novas cultivares com estudos dos melhores parâmetros para o sistema de produção também favorece o estabelecimento de novas áreas de cultivo e a melhoria do nível tecnológico dos produtores rurais. "Hoje, apesar do Rio Grande do Sul atingir a maior produção, o estado de Mato Grosso possui melhor produtividade, com índice três vezes superior à média nacional, devido ao maior nível tecnológico empregado nas lavouras", contextualiza a pesquisadora.
Além da busca por maior produtividade, a aprovação de um programa de melhoramento genético também favorece a geração e a manutenção da variabilidade genética e novas combinações, a partir do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de batata-doce, que tem o objetivo de coletar, conservar e caracterizar diferentes materiais. "Essa atividade é importante para assegurar a diversidade da cultura e reduzir os riscos de epidemias de pragas e doenças, principalmente porque a propagação ocorre de forma vegetativa por meio de ramas de lavouras anteriores", explica o pesquisador Alexandre Mello, da área de Virologia da Embrapa Hortaliças, ao sinalizar a preocupação com a origem e sanidade das ramas utilizadas em novos plantios.
Qual é o doce mais doce que o doce de batata-doce?
A principal forma de consumo de batata-doce entre os brasileiros são raízes compradas frescas e preparadas de diferentes maneiras: cozida, assada, frita, entre outras. Estima-se que anualmente, no Brasil, o consumo supere pouco mais de 600 gramas por habitante, valor muito baixo quando comparado ao vizinho Uruguai que, inclusive, importa o produto para vencer o consumo médio de 5 quilos por habitante a cada ano.
Para favorecer o aumento do consumo, a pesquisa na área de melhoramento genético de batata-doce também visa à melhoria do formato e à qualidade das raízes, fatores que estão diretamente relacionados ao mercado consumidor. "Durante visitas técnicas realizadas em países com programas consolidados, como Estados Unidos e Uruguai, foi possível observar a demanda por cultivares com uma dupla camada de pele para proteger as raízes contra danos nos processos de colheita e lavagem", conta Larissa que relaciona esse atributo à garantia de um melhor padrão comercial.
Em outra vertente, o programa planeja fomentar o consumo com base na versatilidade da batata-doce e, assim, agregar valor ao selecionar materiais com aptidão para o processamento industrial na forma de chips ou marrom glacê. A pesquisadora explica que, para isso, também há previsão de análises sensoriais para avaliar a aceitação das cultivares pela indústria e pelos consumidores. "Os nichos de mercados também devem ser considerados, a exemplo da tradição do doce de batata-doce roxa nos estados de Minas Gerais e São Paulo, e dos suplementos alimentares à base desse produto no mercado fitness", pondera Larissa. Nesse sentido, cada vez mais o aspecto nutricional da batata-doce conquista segmentos de público, principalmente por conter carboidratos de baixo índice glicêmico com liberação lenta no organismo que mantém, por mais tempo, a sensação de saciedade.
No geral, a expectativa é que o primeiro programa nacional de melhoramento genético de batata-doce pavimente o caminho até novas cultivares que levam, em média, oito anos para ser desenvolvidas, mas que, desde já, estão sendo selecionadas para atender as demandas dos agricultores e os anseios dos consumidores para, assim, resultar em significativas contribuições para o desenvolvimento sustentável da produção da batata-doce no Brasil, com aumento da produtividade, da rentabilidade do agricultor e da segurança alimentar nas diversas regiões brasileiras.
"Com a disponibilização de novas cultivares, haverá melhoria na produtividade e na qualidade do produto, adequação de características para fins de processamento, presença de genes de resistência a doenças e pragas, entre inúmeros outros fatores benéficos à consolidação da importância socioeconômica da batata-doce no país", assinala a pesquisadora.
Cooperação internacional
A equipe de pesquisa conta com a realização de parcerias para intercâmbio de tecnologias, conhecimentos e, especialmente, materiais genéticos para ampliar a base do programa de melhoramento. Em abril deste ano, por exemplo, uma visita técnica ao Instituto Nacional de Investigação Agropecuária do Uruguai (INIA) contemplou a cultura da batata-doce e teve foco no programa de melhoramento genético do instituto e na percepção do mercado sob o ponto de vista dos produtores uruguaios.
"Foi possível compreender como a pesquisa está atrelada a uma visão do mercado", sublinha Larissa ao comentar a importância que eles dão para a seleção de materiais adequados ao armazenamento, com dupla camada de pele. Ela ainda observa a relevância de fortalecer as pesquisas com a cultura na América, já que são poucos os projetos que se dedicam exclusivamente à batata-doce.
O INIA e a Embrapa possuem um memorando de entendimento que formaliza a parceria e, desde a visita, os pesquisadores estão estudando a formulação de um Projeto de Cooperação Técnica (PCT) para estabelecer uma rede de melhoramento genético de batata-doce entre os países. Também nessa linha, uma visita à Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, realizada em setembro, contribuiu para o levantamento de informação e metodologias: "houve um ganho enorme no que diz respeito às estratégias de seleção de novas cultivares e à possibilidade de intercâmbio pata aumentar nossa base genética", registra.
Laranja e vitaminada
A batata-doce Beauregard foi desenvolvida pela Louisiana Agricultural Experiment Station, nos Estados Unidos, e validada e recomendada para plantio no Brasil pela Embrapa. O diferencial dessa cultivar é a polpa alaranjada das raízes tuberosas, coloração que indica o alto teor de betacaroteno - valor médio de 115 mg/Kg de raiz da Beauregard contra uma concentração inferior a 10 mg/Kg de raiz nas variedades de polpa branca.
O consumo da batata-doce Beauregard pode contribuir para o suprimento de provitamina A, uma substância muito importante para a saúde da população, especialmente crianças, já que previne distúrbios oculares e doenças da pele, auxilia no desenvolvimento e fortalece o sistema imunológico. Esse material faz parte das ações do programa "BioFORT: Biofortificação no Brasil", que tem o objetivo de desenvolver alimentos mais nutritivos.
No âmbito das pesquisas com biofortificação, de 2014 para cá, o pesquisador Alexandre Mello vem realizando experimentos para caracterizar e selecionar novas variedades de batata-doce com altos teores de betacaroteno. "A partir de 80 clones importados do Centro Internacional de la Papa (CIP), no Peru, fizemos avaliações no campo e análises laboratoriais para filtrar oito materiais com parâmetros agronômicos equivalentes ou superiores às cultivares locais das regiões produtoras, especialmente do Nordeste", explica.
Após novas etapas de seleção, a pesquisa chegou a um material promissor que tem previsão de lançamento para o próximo ano. De acordo com o pesquisador, além da validação dos aspectos agronômicos, como produtividade e tolerância a pragas, e do teor de betacaroteno, também está sendo analisado o percentual de matéria seca, fator associado à textura do alimento e, consequentemente, à aceitação do consumidor.
"Na próxima fase, com base em trabalhos de bolsistas e parceiros, também pretendemos compreender a relação do teor de betacaroteno com a biodisponibilidade do nutriente para o organismo humano", comenta o pesquisador ao acrescentar que os materiais biofortificados de batata-doce devem, em um primeiro momento, atender pequenos produtores convencionais ou orgânicos.
Paula Rodrigues (MTB 61.403/SP)
Embrapa Hortaliças
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