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Artigo - Por que devemos consumir mais hortaliças?
No dia 16 de outubro comemora-se o “Dia Mundial da Alimentação”, data que coincide com a fundação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ocorrida em 1945. Neste ano de 2020, marcando assim o seu 75º aniversário, a FAO lança um apelo à solidariedade global, dentro do cenário de pandemia de Covid-19, com o tema: Cultivar, Nutrir, Preservar. Juntos. A grande questão neste momento é: devemos “comemorar” essa data? Afinal, segundo essa mesma Instituição, a quantidade de pessoas subnutridas no mundo aumentou nos últimos três anos, passando de 800 milhões, e a insegurança alimentar é cada vez mais preocupante, devido aos conflitos armados, a desigualdade social, às mudanças climáticas etc., e mais recentemente a pandemia causada pelo novo Coronavírus. A desnutrição cresce ano a ano e, cada vez mais, uma alimentação saudável está longe de se tornar um bem acessível para todos. Por outro lado, a obesidade - e suas consequências - aumenta de forma ainda mais rápida nas diferentes populações.
Sabe-se que o consumo diário de hortaliças é extremamente benéfico para a saúde. Elas são importantes fontes de vitaminas, sais minerais, fibras e antioxidantes. Em relação às vitaminas, a única não fornecida pelas hortaliças é a B12, por estar presente somente em alimentos de origem animal. Algumas vitaminas e minerais, que são hidrossolúveis (solúveis em água), depois de aproveitados pelo nosso organismo são facilmente eliminados, como por exemplo a vitamina C; daí a necessidade de ingerir diariamente essas vitaminas e minerais, presentes nas hortaliças, visando suprir essa deficiência. As hortaliças, além de fornecer nutrientes fundamentais para o bom funcionamento do organismo, ainda auxiliam na hidratação. Por sua vez, o baixo consumo pode ocasionar carências nutricionais, fragilizando-o e tornando-o mais suscetível a doenças. Ainda, o consumo diário de hortaliças pode protelar ou evitar as doenças degenerativas, além de apresentar um aumento da disposição e a diminuição de riscos de doenças como a hipertensão e a diabetes. Poderíamos aqui listar uma série de outros benefícios deste grupo de alimentos, mas a verdade é que consumir hortaliças todos os dias é fundamental para quem busca um estilo de vida saudável.
Apesar de todos os benefícios para a saúde, o consumo de hortaliças no Brasil permanece muito abaixo dos valores diários preconizados por instituições nacionais e internacionais, como o Ministério da Saúde (MS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), respectivamente. A OMS recomenda o consumo diário de 400 gramas de frutas e hortaliças, em cinco ou mais dias da semana. No nosso país, segundo a FAO, o consumo de hortaliças por pessoa/dia é de apenas 141 gramas, ficando atrás, inclusive, de alguns países mais pobres da Ásia e da América Latina. Em países mais desenvolvidos, o consumo de hortaliças é maior; por exemplo, o Japão consome o dobro do que é consumido no Brasil, isto é, 280 gramas/pessoa/dia. Países como Portugal e Itália consomem, respectivamente, 416 e 353 gramas/pessoa/dia. Felizmente, esse quadro está mudando. Dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) do MS, em 2018, revelam que houve uma mudança significativa entre os hábitos alimentares dos brasileiros, com uma melhora de 15,5% no consumo em relação a 2008. A pesquisa Vigitel apontou ainda que o consumo de alimentos saudáveis é mais frequente entre mulheres, 27,2% do que entre homens, 18,4%.
O baixo consumo de hortaliças pelos brasileiros pode estar associado a vários aspectos, dentre eles os econômicos (poder de compra), sociais (facilidade de acesso, escolaridade etc.) e culturais (costume, região etc.). Em relação aos aspectos econômicos, observa-se geralmente que, com a redução na renda da população no país - como está ocorrendo neste momento de pandemia - a tendência é que o consumo de hortaliças diminua, neste caso, para a classe econômica mais baixa, devido ao menor poder de compra. Já para a classe econômica mais favorecida da população, a tendência é de aumento, ocasionado pelo aspecto da saudabilidade e ou a busca do fortalecimento da imunidade, características propiciadas pela ingestão desses alimentos.
Pesquisa recente da Embrapa Hortaliças e do Instituto Brasileiro de Horticultura (Ibrahort) aponta um menor acesso às hortaliças em regiões mais carentes, como é o caso da região Norte. O Bioma Amazônia (abrange toda a região Norte e partes de outros estados), de acordo com as informações do Sistema de Inteligência Territorial Estratégica do Bioma Amazônia (Embrapa Territorial, 2019), possui 500 municípios com cerca de 1 milhão de produtores rurais; são 25 milhões de habitantes e 48% da população abaixo da linha da pobreza. Urge assim a necessidade de um programa de desenvolvimento para a produção de hortaliças nessa e em outras regiões mais carentes com reflexos na redução do preço deste produto (geralmente importado de outros estados), no acesso e consequentemente no aumento do consumo e na melhoria da saúde desta população.
Os dados aqui apresentados são, de certa forma, preocupantes e entender melhor o que influencia o baixo consumo de hortaliças no país pode ser um caminho para melhorar a saúde da população brasileira. Por outro lado, políticas públicas são fundamentais para aumentar o consumo desses alimentos e prevenir e controlar doenças, como obesidade, hipertensão e diabetes. Ações de incentivo ao consumo de frutas e hortaliças do governo brasileiro têm sido elencadas com base no documento “Proposta de diretrizes para o desenvolvimento de um programa intersetorial para a promoção da alimentação adequada e saudável no Brasil” do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e também com apoio do Instituto Nacional do Câncer e dos diversos Ministérios envolvidos com a temática das frutas e hortaliças. Um outro exemplo de documento norteador para políticas públicas é o Guia Alimentar para a População Brasileira, disponibilizado pelo próprio MS, que traz informações e orientações para facilitar a adoção de escolhas alimentares mais adequadas e saudáveis pela população. Estratégias estruturantes relacionadas à produção e distribuição de hortaliças, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são extremamente relevantes, uma vez que existem importantes disparidades no acesso a hortaliças por parte da população.
Entendendo que eventos educacionais e campanhas de incentivo ao consumo de hortaliças podem contribuir para modificar hábitos alimentares, a Embrapa Hortaliças e parceiros tem realizado, frequentemente, diversas ações nesse sentido. Uma delas é o “Programa Embrapa & Escola” que, dentre outras ações, disponibiliza para o público infanto-juvenil publicações que de forma lúdica e divertida tratam do incentivo ao consumo de hortaliças, o estímulo à adoção de hábitos alimentares saudáveis e sua importância para a saúde, bem como a forma de evitar o desperdício de alimentos. Este último tema tem ganhado cada vez mais importância nas ações na Embrapa, uma vez que no Brasil são desperdiçados cerca de 30% do que é produzido no país. Nesse sentido, vale a pena destacar o belíssimo trabalho do “Mesa Brasil” do Sesc, a maior rede de banco de alimentos da América Latina, que por meio de suas ações em todo o Brasil, leva às pessoas em situação de vulnerabilidade, alimentos, incluindo as hortaliças, fora do padrão de comercialização, mas ainda próprios para o consumo.
As hortaliças são alimentos com um perfil nutricional muito interessante. Além do fornecimento dos nutrientes já mencionados, a maioria delas possui poucas calorias, ideal para aquelas pessoas que querem manter ou reduzir o peso. Além disso, esses alimentos são muito versáteis e podem ser consumidos crus, cozidos, em forma de sucos, no preparo de doces e salgados etc., como traz o programa da Embrapa Hortaliças “Hortaliça não é só salada”, com informações e dicas que vão facilitar a vida da população na hora de comprar, de conservar e de preparar esses alimentos.
Além de levar informação à população buscando estimular o consumo de hortaliças, outras ações da Embrapa Hortaliças têm sido implementadas visando proporcionar uma alimentação mais saudável para os brasileiros. Uma vez que a população não consome o mínimo diário recomendado de hortaliças, o fortalecimento de ações de pesquisa voltadas para o melhoramento genético pode contribuir para a melhoria da alimentação no país, como tem sido as entregas realizadas pela Embrapa em relação ao desenvolvimento de variedades com maior valor nutritivo. Exemplos são os tomates com alto teor de licopeno (antioxidantes que combatem os radicais livres) ou as cenouras e batatas-doces com alto teor de carotenoides (precursores da Vitamina A). Outros exemplos com hortaliças mais nutritivas que estão sendo pesquisadas são a alface com maior teor de folato (ácido fólico ou Vitamina B9) e a abobrinha com maior teor de luteína (outro antioxidante, conhecido especialmente por beneficiar a saúde dos olhos). Ainda, a inserção no cardápio de outras hortaliças não tão conhecidas, mas que se destacam pela riqueza de nutrientes, como é o caso das hortaliças PANC’s (Plantas Alimentícias não Convencionais), são temas de outros projetos desenvolvidos pela Embrapa Hortaliças e parceiros. Neste sentido, a diversificação de cultivos pela adaptação e adoção de espécies como as PANCs pode estimular o fortalecimento da agricultura familiar, criando oportunidades de incremento de renda e ampliação da classe rural, importante objetivo de políticas públicas do Estado brasileiro e um dos focos de ação da Embrapa.
Além do exposto até agora, que outras vantagens apresentam as hortaliças? A produção destas verduras e legumes, como são popularmente chamadas, apresenta uma importância social muito grande na geração de empregos no país. Estima-se que três a seis empregos diretos por hectare e igual número de empregos indiretos são gerados na cadeia produtiva de hortaliças; isto é, cerca de 8 a 10 milhões de pessoas dependem da olericultura. Assim, quando há um aumento no consumo de hortaliças pela população, não somente a agricultura familiar (principal fornecedora das hortaliças) se beneficia, mas toda a cadeia produtiva (fornecedores de insumos, comercialização etc.).
Dentro do contexto atual, podemos comemorar este Dia Mundial da Alimentação? A resposta para esta pergunta é sim, graças aos nossos agricultores que tem sido resilientes e verdadeiros heróis, não deixando faltar comida (e hortaliças de qualidade) à mesa dos brasileiros. Mas os desafios continuam, sejam eles da pesquisa agrícola, da produção sustentável de alimentos, das ações de comunicação e políticas públicas e ainda do engajamento de toda a sociedade para que juntos possam reverter este quadro do menor acesso e baixo consumo de hortaliças no país.
Warley Marcos Nascimento (Pesquisador e Chefe Geral)
Embrapa Hortaliças
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