Amazônia precisa de pesquisa científica para sua proteção e manejo sustentável
Amazônia precisa de pesquisa científica para sua proteção e manejo sustentável
Um menino de cabelos vermelhos, orelhas grandes e pés virados para trás auxilia pescadores que tiram seu sustento da mata, mas atormenta predadores que se dedicam à destruição das florestas. A mais antiga das lendas brasileiras, o Curupira é o arquétipo do guardião da natureza. Criatura sensível, ele admira plantas e cachoeiras. Ao mesmo tempo, é inexorável contra quem não sabe usufruir com parcimônia e sabedoria as riquezas naturais. A entidade folclórica é uma metáfora sobre as consequências negativas da exploração desenfreada dos recursos naturais e de como a floresta pode ser generosa para quem sabe trabalhar em harmonia com ela.
Em boa parte, o Brasil tem aprendido a lição do Curupira. Em 2005, as alterações nos biomas brasileiros eram a principal fonte (57%) das emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEEs). O desmatamento encolheu e em 2010, última medição oficial, as queimadas na Amazônia e demais biomas representaram menos de 30% das emissões. A preservação é uma decisão inteligente, a umidade da floresta produz nuvens que impactam no regime de chuvas do continente, abastecendo diversas bacias brasileiras. Além disso, o oceano verde é uma mina gigantesca de riquezas naturais, a maioria ainda desconhecida e que precisará do estudo científico para que seja revelada e trabalhada com sustentabilidade. Parte desse potencial está relacionado à imensa variedade de tipos de seres vivos que habitam o bioma, o que pode ser resumido na palavra "biodiversidade".
Não há outro lugar no mundo em que existam mais espécies de animais ou de plantas que a Floresta Amazônica. Para cada dez espécies de pássaros conhecidas no mundo, uma habita a Amazônia. Plantas, idem. Só de árvores estima-se que o bioma encerre mais de cinco mil espécies, a cada hectare é possível encontrar de 40 a 300 diferentes. Em toda a América do Norte, estão catalogadas apenas 650 espécies arbóreas.
Ninguém sabe o número de espécies de peixes da Amazônia. Estima-se um número maior que 1.300, não há outra bacia no planeta com tal abundância. Supõe-se que esse número possa aumentar em torno de 40% com os peixes que ainda serão catalogados, o que elevaria a ictiofauna amazônica para impressionantes 1.800 espécies. Apenas no Rio Negro já foram registradas 450 espécies. Em toda a Europa, as espécies de água doce não passam de 200.
Se pensarmos nos artrópodes, filo que reúne a maior parte de animais do planeta agrupando insetos, aranhas, escorpiões, centopeias, entre outros, a diversidade estimada é ainda maior, assim como a nossa ignorância a seu respeito. Biólogos avaliam que mais de 70% das espécies desse filo ainda não possuem nomes científicos. Só esse trabalho demandaria esforço hercúleo em atividades de levantamento e taxonomia, área da biologia responsável pela catalogação das espécies e que conta com poucos especialistas no Brasil.
Formigas, por exemplo, representam um terço da biomassa animal da copa das árvores amazônicas. Estima-se que existam mais de três mil espécies no bioma. Há mais de 30 mil espécies descritas de abelhas no mundo, calcula-se que entre 2,5 mil e três mil sejam amazônicas. Entre as cerca de 7.500 espécies de borboletas conhecidas no mundo, quase um quarto delas, por volta de 1.800, batem suas asas na floresta equatorial sul-americana.
Esses são apenas alguns números consolidados pelo Museu Paraense Emilio Goeldi, instituição prestes a completar 150 anos de pesquisa científica sobre o bioma, e demonstram que a Amazônia é um oceano verde repleto de vida em suas mais variadas formas, incluindo a microfauna com suas populações de bactérias e fungos. Toda essa biota espalha-se por 5,5 milhões de quilômetros quadrados, 60% deles estão em território brasileiro. Em outras palavras, o Brasil conta com área do tamanho da Índia em riquezas naturais.
O que o País ganha com isso?, alguém poderia perguntar. Só para citar alguns pontos, a Amazônia é o maior reservatório de moléculas naturais do mundo. Compostos que demorariam anos para ser desenvolvidos em laboratório, ou mesmo que nunca seriam descobertos, estão prontos em árvores, animais e solos. Trata-se de moléculas que podem compor novos medicamentos, cosméticos, alimentos, produtos industriais, impulsionar a química e processos de fabricação. A pesquisa em biocombustíveis investiga fungos e bactérias capazes de produzir enzimas que quebram celulose, característica fundamental para produção do etanol de segunda geração. A Amazônia é uma galáxia de microrganismos a serem testados com esse e outros objetivos.
De modo semelhante, a diversidade genética amazônica é um acervo inestimável para a pesquisa. A Amazônia pode ser vista como um banco genético natural a ser pesquisado. Genes diversos com variadas expressões podem ter aplicações na medicina, agropecuária, alimentação, veterinária e em muitas outras áreas.
As riquezas naturais prontas não podem ser subestimadas. As frutas nativas já são alvo de grandes corporações. O açaí é carro-chefe, após cair no gosto dos estrangeiros, uma empresa norte-americana comprou áreas de produção no Pará e exporta polpa processada para os Estados Unidos. Também há o cupuaçu, famoso por rechear bombons e doces, e uma infinidade de frutos ainda desconhecidos da maior parte dos brasileiros como o bacuri, umbu, tucumã-do-amazonas, uxi, abiu, muruci, pupunha... Sem contar a famosa castanha-do-brasil, ou castanha-do-pará, internacionalmente famosa.
É da Bacia Amazônica uma das maiores promessas da piscicultura nacional, o gigantesco Arapaima gigas, o pirarucu, peixe que chega a impressionantes 200 quilos e três metros de comprimento. Sua carne além de abundante é saborosa e seu couro já é cobiçado por grifes internacionais da moda. A criação em cativeiro descobriu no pirarucu um peixe que cresce rapidamente e bastante lucrativo. Porém, o gigante das águas e as frutas amazônicas partilham um desafio em comum: a necessidade de domesticação. Mais uma vez, entra em campo a pesquisa científica para descobrir como animais e plantas devem ser manejados em cativeiro. Um trabalho que no longo prazo resultará em dólares para a balança comercial brasileira.
Como se não bastasse o tesouro biológico, a Amazônia guarda em abundância um dos recursos naturais mais cobiçados da atualidade, a água. A cada segundo, o Rio Amazonas despeja 250 milhões de litros de água no Atlântico, volume suficiente para fornecer um litro para cada habitante do planeta a cada 36 segundos. Estamos falando de um quinto do volume das águas fluviais do mundo de uma bacia gigantesca abastecida por mais de mil afluentes. Na época das cheias, a largura de alguns trechos do Amazonas ultrapassa 40 quilômetros.
Há ainda outro tipo de riqueza encerrada na selva equatorial que não pode ser esquecida. A Amazônia também é lar de seres humanos. Além de populações urbanas e ribeirinhas tradicionais, a floresta abriga diversas etnias indígenas. Pequena parte dos mais de 400 mil indígenas que habitam a região estão auxiliando pesquisadores ao partilhar seus saberes tradicionais. O intercâmbio promove o avanço do conhecimento científico de forma acelerada e provê as comunidades de técnicas que melhoram os resultados da agricultura tradicional.
A preservação e uso sustentável da Floresta Amazônica disponibiliza todos esses recursos, auxilia no equilíbrio ambiental do planeta e pode ajudar no desenvolvimento econômico, social e científico do Brasil. De modo análogo, a devastação e a exploração irracional da floresta são mau negócio, não só para o ambiente, mas também para a economia nacional. Nas próximas matérias estão apenas alguns exemplos de como os cientistas têm contribuído para conhecer e proteger o bioma. Curupiras modernos que usam microscópios, computadores, satélites e drones para conviver com a floresta e aproveitar sua generosidade com parcimônia e sabedoria.
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Fabio Reynol
Secretaria de Comunicação da Embrapa
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