Abelhas criadas por povos tradicionais geram renda para a população amazônica
Abelhas criadas por povos tradicionais geram renda para a população amazônica
O uso das abelhas nativas, chamadas meliponíneos, não é novidade na Amazônia, pois os povos tradicionais da floresta as cultivam artesanalmente há muito tempo. O emprego de conceitos zootécnicos de manejo e domesticação de espécies animais fez com que a atividade saísse da condição de meramente extrativa para criação racional.
A pesquisa científica possibilitou que a criação em escala de abelhas nativas se tornasse um meio sustentável de geração de renda para ribeirinhos, agricultores e comunidades tradicionais da Amazônia.
"Esse é um processo longo e complexo, que chamo de ‘domesticação', e envolve desde seleção de espécies, melhor caixa, alimento artificial e manejo, até trabalhos mais recentes como o monitoramento da atividade desses animais por meio de microchips", explica Giorgio Venturieri, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, que há 15 anos estuda a biologia e o comportamento desses pequenos animais.
A pesquisa gerou informação sobre o manejo das principais abelhas indígenas da região, tanto para produção de mel e pólen, como para programas de polinização de culturas agrícolas. A atividade é baseada na criação em caixas próprias onde ficam os ninhos para a reprodução das abelhas e produção de mel.
A variedade de espécies de meliponíneos na Amazônia também facilita a criação. Hoje a região possui mais de 100 espécies diferentes de abelhas conhecidas pela ciência, a maior parte pertencente aos gêneros Melipona e Scaptotrigona, de maior produção de mel. "Sabemos que a diversidade é muito maior. Nas viagens de campo descobrimos novas espécies ainda não identificadas", conta o pesquisador.
No Estado do Pará, as mais comuns entre os meliponicultores – como são chamados os criadores das abelhas sem ferrão - são a canudo-amarela, uruçu-cinzenta, uruçu-amarela, taquaruçu, jataí, japurá e jandaíra. O cultivo delas pode ser integrado a plantios florestais, de fruteiras e de culturas de ciclo curto. "A técnica funciona como uma excelente alternativa ao desmatamento, pois na criação de abelhas não é preciso retirar a vegetação, e o serviço de polinização prestado por elas ajuda na produção agrícola e na regeneração da floresta", explica Venturieri.
Polinização e conservação da mata
Castanha-do-brasil, cacau, açaí, cupuaçu, acerola, taperebá, caju, maracujá, bacuri, além de diversas essências florestais têm o que a ciência chama de polinização cruzada, os grãos de pólen de uma flor devem encontrar o estigma (órgão reprodutor feminino) da flor de outra planta da mesma espécie. Na prática, isso significa dizer que o cruzamento acontece entre flores de árvores diferentes e que dependem de um "condutor".
A bióloga Márcia Motta Maués, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, diz que todas essas plantas dependem de polinizadores para que ocorra a formação dos frutos e sementes. E grande parte deles são abelhas nativas da região, daí a necessidade de conhecer a biologia e seu comportamento. "É fundamental ainda a conservação das áreas de vegetação nativa no entorno das áreas cultivadas para garantir a presença dos polinizadores que irão atuar nas áreas agrícolas", completa a pesquisadora.
Os trabalhos com a polinização de fruteiras da região levaram o pesquisador Giorgio Venturieri e sua equipe a identificar uma espécie de abelha que, se introduzida em áreas naturais ou plantios de açaí (Euterpe oleracea), pode gerar um aumento de até 40% na produtividade dos frutos da palmeira."É uma abelha do gênero Scaptotrigona ainda em fase de descrição taxonômica e por isso não tem nome científico de espécie, apesar de bem conhecida pelos criadores de abelhas nativas do Pará, que a chamam de ‘abelha-canudo", conta.
Eletrônica e biologia
As mais recentes pesquisas da Embrapa Amazônia Oriental com as abelhas sem ferrão envolvem a parceria entre pesquisadores de microeletrônica e de entomologia. Duas mil e 500 abelhas do meliponário científico da instituição carregam nas costas microchips de cinco miligramas, e são monitoradas por meio de antenas instaladas nas colmeias.
Realizado pelo Instituto Tecnológico Vale, Embrapa, Universidade Federal do Pará e a Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Austrália (CSIRO), o trabalho observa se as mudanças na temperatura, na ocorrência das chuvas e na umidade do ar influenciam o comportamento das abelhas e como isso ocorre. As informações obtidas nos sensores são relacionadas aos dados da estação meteorológica do meliponário. "Os dados são analisados no computador, que gera relatórios precisos e consistentes", explica Giorgio Venturieri.
A pesquisa trabalha com três espécies da região: uruçu-cinzenta (Melipona fasciculata), uruçu-amarela (Melipona flavolineata) e uruçu-da-bunda-preta (Melipona melanoventer). Daí decorre o ineditismo do estudo, pois iniciativas como essa já existem para abelhas com ferrão de raças europeias em outros países, mas para abelhas nativas da Amazônia é a primeira vez.
Vigor físico
Por Kelem Cabral
Pesquisa finalizada em 2015 no Pará trouxe como alerta a necessidade de preservação da biodiversidade regional como essencial à conservação das castanheiras. As árvores dessa espécie necessitam da polinização cruzada e suas flores possuem uma câmara interna protegida por uma estrutura robusta na forma de capuz. É necessário que os polinizadores tenham vigor físico e tamanho corporal compatível com a estrutura floral. Ou seja, somente abelhas de grande porte são capazes de coletar o néctar e pólen ofertado pela planta e realizar a polinização.
Para sobreviver, essas abelhas (dos gêneros Bombus, Centris, Xylocopa, Epicharis, Eulaema e Eufriesea) utilizam a vegetação nativa próxima aos castanhais como fonte de alimentação alternativa (néctar e pólen), quando a castanheira não está em floração. A mata também serve como abrigo para fazerem seus ninhos.
De acordo com a pesquisadora Márcia Maués, da Embrapa Amazônia Oriental, essa é uma relação de sobrevivência para as espécies, uma vez que sem a preservação da vegetação nativa as abelhas não sobrevivem e, sem elas, as castanheiras não frutificam nem geram frutos.
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Ana Laura Lima
Secretaria de Comunicação da Embrapa
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/