Integrar para conquistar o Cerrado
Integrar para conquistar o Cerrado
A abertura do bioma para a agricultura na década de 1970 motivou a criação dos primeiros sistemas de produção
Na década de 1970, a agricultura brasileira ainda tinha muito que crescer. Importador de carne, arroz e feijão, o Brasil da época procurava levar a atividade agrícola ao Cerrado, bioma conhecido por solos pobres e difíceis de lavrar. Uma das espécies pioneiras a serem plantadas na então fronteira agrícola foi o arroz de sequeiro. Planta rústica, esse arroz demanda pouca adubação e dispensa a aplicação de calcário. Ao ser plantado em consórcio com forrageiras, o arroz deixa o campo apto para o plantio, pois corrige a acidez do solo, reduz a incidência de cupinzeiros de monte e promove o desenvolvimento vegetativo do capim por mais tempo, mantendo-o verde no período seco.
Por todas essas vantagens, nascia no interior do Estado de Goiás o Sistema Barreirão, o qual consorcia grãos e forrageiras (veja infográfico na página 20), e é utilizado até hoje para a recuperação de pastagens. Quem lembra essa história é o pesquisador João Kluthcouski, da Embrapa Arroz e Feijão (GO): "O Barreirão representou os primórdios dos sistemas de integração. Até então, não se pensava em sistemas para recuperar pastagens," conta ele afirmando que o próprio conceito de recuperar pastagens era estranho para o setor, "havia, então, cerca de 20 milhões de hectares degradados. Hoje essa área é cinco vezes maior", compara. O Barreirão é considerado um ILP, um sistema que integra lavoura e pecuária.
Outro desafio enfrentado por Kluthcouski foi a prática dos criadores de gado daquela época, acostumados a encarar a pecuária como uma atividade extrativista. "A cultura há quatro décadas era abrir uma área para pasto, usá-la até exaurir e, quando estivesse degradada, era só abrir outra área e continuar o mesmo processo. Hoje, isso não tem mais cabimento", conta o pesquisador que acredita que a mentalidade no campo mudou nos últimos anos.
Após o Barreirão, o trabalho de pesquisa desenvolveu o Santa Fé, um sistema que também consorcia grãos e capim, dessa vez com o objetivo de garantir alimentação para o gado durante o período de seca. Além disso, o Santa Fé produz palhada, restos vegetais da cultura já colhida e que ficam no campo formando matéria orgânica para a lavoura seguinte. A tecnologia de plantar sem retirar a palha, chamada plantio direto, proporcionou outras vantagens importantes como a conservação do solo, manutenção de carbono no campo e redução da temperatura da superfície do solo. A prática mais comum era limpar a terra retirando a palhada e deixando a terra exposta. O plantio direto mostrou-se tão importante na mitigação dos efeitos dos gases de efeito estufa que foi adotado como uma das práticas preconizadas pelo Plano ABC do governo federal.
"Com o Santa Fé, foi possível manter a terra produzindo 12 meses ao ano. O produtor pode ter uma safra de soja, uma safrinha de milho e mais uma safra de boi na mesma área. Se alguma delas não for bem, as outras pagarão os custos e o risco de perda de dinheiro será consideravelmente reduzido", comemora Kluthcouski.
Após o Santa Fé, nasceu uma nova versão de sistema que incorporou leguminosas, como o feijão-guandu-anão, com a intenção de melhorar a alimentação do gado. Nascia o Sistema Santa Brígida, que proporcionou ao gado um pasto de melhor qualidade nutricional. Depois, outros sistemas foram desenvolvidos focados em diferentes demandas de produção. "Não há mais motivo para o produtor brasileiro ter pastagem degradada, há tecnologias, incentivos e vantagens econômicas e ambientais para adotar esses sistemas," assegura o pesquisador da Embrapa.
Ele conta que a sinergia entre as culturas integradas promove resultados impressionantes na produção. Ao consorciar sua produção de grão com o capim-braquiária, por exemplo, o produtor melhora a matéria orgânica de seu solo, e a palha gerada reduz os efeitos provocados pelos chamados veranicos, curtas temporadas de calor fora de época. Além disso, esse capim reduz a incidência de doenças causadas por fungos no solo. Foi comprovado que lavouras de milho ou soja plantadas após a braquiária produzem melhor, de acordo com Kluthcouski. Do mesmo modo, as pastagens que sucedem plantações de grãos têm qualidade superior. "Uma plantação de soja costuma preparar o solo para dar lugar a um pasto de qualidade fenomenal", ressalta.
Um salto na produção de alimentos
O pesquisador observou que um dos maiores obstáculos para a implantação dos sistemas continua sendo a postura de alguns pecuaristas. Considerada por muitos investidores como atividade secundária, a pecuária não recebe a devida atenção na opinião de Kluthcouski, por isso, muitos não estariam cuidando das pastagens. Curiosamente, o que tem mudado essa postura é a expansão de lavouras como a da soja. "Ao arrendar áreas de pastagem para sojicultores, os pecuaristas recebem de volta um campo recuperado, a melhoria na produção de gado é percebida e eles despertam para os cuidados com o pasto", esclarece.
O potencial da agricultura brasileira ao usar as pastagens degradas é gigantesco. Kluthcouski avalia que se os 100 milhões de hectares degradados que o País possui hoje fossem recuperados com o plantio de grãos, o Brasil triplicaria a atual produção de culturas como milho e soja. "Seria uma produção tão grande que nem haveria mercado atualmente no mundo para absorvê-la," calcula. Porém, pensando no ano de 2050 com um planeta que pode chegar a abrigar 9 bilhões de habitantes, essa possibilidade poderá ser fundamental para alimentar a população.
"A integração será o maior salto na produção de alimentos que o planeta já viu, justamente porque está acontecendo em região tropical que possui as melhores condições do globo para produzir alimentos, em especial o Brasil e alguns países da América do Sul," completa o pesquisador da Embrapa.
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Fabio Reynol
Secretaria de Comunicação da Embrapa - Secom
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