Uma semente de mais de duas décadas
Uma semente de mais de duas décadas
Tirar de um só campo produtos tão distintos como leite, madeira, soja e milho, por exemplo, não era trivial para a pesquisa agronômica tradicional, dedicada a resolver questões focadas em espécies e temas específicos. Por isso, o surgimento de sistemas integrados de produção foi também fruto de uma visão sistêmica da ciência construída ao longo dos anos e que contou com um marco histórico prestes a completar 21 anos.
Em julho de 1994, a Embrapa coordenou o 1º Congresso Brasileiro sobre Sistemas Agroflorestais e o 1º Encontro sobre Sistemas Agroflorestais nos Países do Mercosul, em Porto Velho (RO).
O evento foi promovido pela Embrapa Rondônia (RO) e pela Embrapa Florestas (PR). Curiosamente, ambos trabalhavam sistemas de integração, mas com diferentes elementos. A Unidade do Norte investigava meios de viabilizar a produção agrícola em meio à floresta nativa, conceito chamado de agroflorestal. Já o centro de pesquisa paranaense procurava meios de inserir o plantio de árvores em meio a lavouras.
O encontro de Porto Velho deu origem aos Congressos da Sociedade Brasileira de Sistemas Agroflorestais (SBSAF), cuja nona edição foi realizada em outubro de 2013 na cidade baiana de Ilhéus.
A pesquisa agroflorestal havia sido estabelecida em seis centros de pesquisa da Embrapa, todos sediados na região Norte nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. "O conceito envolve a promoção da produção agrícola sem retirar a floresta, mas em harmonia com ela," lembra o engenheiro-agrônomo Vanderley Porfírio da Silva, pesquisador da Embrapa Florestas. Na época, sistemas de produção eram novidade. "O comum era ter numa área somente a lavoura, ou só árvores, no caso da silvicultura, e quando colocavam árvores no pasto, o objetivo era dar sombra aos animais, não imaginavam que elas poderiam ser fonte de renda", comenta.
Alguns centros da Embrapa haviam desenvolvido sistemas para recuperação de pastagens (veja infográfico página 20) e melhoria da alimentação para o gado. O advento do plantio direto na palha, de acordo com Porfírio, deu condições para que os sistemas se estabelecessem e, em 2006, surgem os primeiros experimentos com silvicultura no Cerrado. "Nesse momento a ILPF sai do contexto amazônico e se insere no agronegócio," analisa o pesquisador.
Para ele, o mais notável marco nessa história foi o Congresso de 1994. "É muito significativo que, duas décadas depois, a Embrapa esteja à frente novamente de um evento similar, agora de alcance mundial. Essa história precisa ser resgatada e lembrada para que tenhamos consciência dos desafios que nos trouxeram até o atual patamar da pesquisa," conclui.
Integração de projetos
Para orientar e organizar as pesquisas sobre integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e melhor acompanhar os resultados obtidos, a Embrapa criou em 2013 um portfólio para gerenciar os trabalhos sobre esse tema. Essa estrutura busca alinhar os projetos de pesquisa e de transferência de tecnologia de acordo com os objetivos estratégicos da Empresa e dar maior eficiência ao uso da infraestrutura e das competências dos profissionais. Atualmente o Presidente do Comitê Gestor do Portfólio ILPF é o pesquisador Lourival Vilela, da Embrapa Cerrados, um dos principais pesquisadores da área no Brasil.
Por meio desse Portfólio, espera-se reunir todos os esforços voltados para a ILPF de uma forma que os trabalhos sejam convergentes e complementares. Isso faz com que os resultados obtidos possam ser mais efetivos e tragam maiores benefícios para os usuários da tecnologia.
De acordo com a secretária-executiva do Comitê Gestor do portfólio ILPF e pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, Gladys Martínez, ao se reunir os projetos em uma única estrutura é possível fazer um mapa das pesquisas realizadas na Empresa.
"Você começa a ter um horizonte amplo de como estão as pesquisas com sistemas integrados no País todo e assim consegue conectar as informações. Pelo portfólio vemos que muita coisa já está sendo estudada, mas ao avaliar o alinhamento dos projetos, também identificamos vácuos muito grandes que precisam ser preenchidos", explica a pesquisadora.
O portfólio conta atualmente com 20 projetos em execução e 17 já concluídos. Entre aqueles em andamento, 19 são de pesquisa e desenvolvimento e um é de transferência de tecnologia.
Ao todo, cerca de R$ 15,6 milhões estão sendo investidos em ações para desenvolvimento de tecnologias, maior conhecimento das interações entre os componentes, avaliação do processo produtivo e desenvolvimento de métricas de sustentabilidade.
A maior parte desses projetos é de natureza transdisciplinar e multi-institucional, reunindo diferentes Unidades da Embrapa e também instituições de pesquisa parceiras.
Linhas temáticas
O portfólio de ILPF é composto por três linhas prioritárias organizadas por temas: tecnologia, socioeconomia e transferência de tecnologia. Essas linhas reúnem os principais desafios em relação ao conhecimento, domínio, fomento e uso desses sistemas complexos, bem como o desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade ambientais, sociais e econômicos para demonstrar os impactos decorrentes da adoção de sistemas ILPF.
Na linha temática de tecnologia estão as pesquisas com foco na competitividade e sustentabilidade dos sistemas integrados de produção.
Fazem parte dessa linha trabalhos sobre a interação biótica e abiótica dos componentes, o desenho no espaço e tempo dos sistemas integrados, o manejo dos componentes em integração, o uso eficiente de insumos, com ênfase na água, a dinâmica de gases de efeito estufa, o desenvolvimento de cultivares mais adequadas à ILPF, a ciclagem de nutrientes, desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade e conversão e balanço de energia nos sistemas.
A linha destinada à socioeconomia busca gerar informações econômicas para maior entendimento dos sistemas e para subsidiar políticas de incentivo e fomento à tecnologia. Nessa linha estão as pesquisas voltadas para o desenvolvimento de métodos e ferramentas padronizados para análise econômica, social e ambiental, análise de custos de oportunidade e valoração dos serviços ambientais.
Já a linha voltada para a transferência de tecnologia reúne ações para disseminar a tecnologia, fazendo com que ela possa chegar até os produtores. Fazem parte dessa linha do portfólio os projetos de capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural, validação de tecnologias, implantação de Unidades de Referência Tecnológica, comunicação e marketing.
Além da divisão em linhas temáticas, o portfólio de ILPF busca a organização de projetos de pesquisa regionais, promovendo a interação entre instituições de pesquisa e gerando informações mais precisas para cada bioma.
"Ao regionalizar uma pesquisa você está abrangendo áreas com os mesmos problemas e com as mesmas condições produtivas. Com a regionalização vamos tratar com nossas igualdades e vamos tentar chegar à tecnologia ou à forma de trabalho que melhor se adéque à região", explica a secretária do portfólio, Gladys Martínez.
Pesquisa multidisciplinar
Pesquisas com sistemas complexos, como a integração lavoura-pecuária-floresta, exigem multidisciplinaridade e integração de esforços. É preciso a atuação de uma equipe com diferentes especialidades para que se estude a interação entre os componentes e os efeitos de cada um sobre os demais.
Para que isso seja possível, uma equipe heterogênea de pesquisadores está atuando no tema. Atualmente, mais de 30 Unidades da Embrapa desenvolvem atividades em sistemas integrados. Trabalhos que também contam com a participação de cientistas de instituições parcerias. Ao todo, 609 pessoas fazem parte desses projetos, e 518 delas pertencem ao quadro da Embrapa.
Um exemplo do esforço nas pesquisas em ILPF foi a criação da Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop (MT), em 2009. A Unidade tem como principal objetivo os estudos dos sistemas integrados. Para isso, conta com uma equipe de pesquisadores trabalhando juntos em dois grandes experimentos de larga escala e de longa duração. Na mesma época, foi criada outra Unidade de pesquisa em Palmas (TO), a Embrapa Pesca e Aquicultura, que conta com um núcleo temático com 16 pesquisadores e analistas voltados especificamente a sistemas integrados de produção para a região do Matopiba, considerada a última fronteira agrícola do País que reúne áreas dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Além deles, pesquisadores de outras Unidades da Embrapa coletam dados e desenvolvem pesquisas nesses ensaios que chegam a ter mais de 80 hectares cada um.
"O olhar sobre a ILPF tem de ser multidisciplinar, porque estamos tratando dos elementos associados. A integração dos resultados é outro desafio. Os pesquisadores precisam cruzar os dados individuais para você ter uma complexidade maior da informação. A plataforma é integrada, as áreas são multidisciplinares e a análise dos resultados tem de ser feita de maneira integrada. Isso é um desafio científico enorme", afirma o chefe-geral da Embrapa Agrossilvipastoril, João Flávio Veloso Silva.
Outra característica das pesquisas em ILPF é o longo período necessário para obtenção de resultados. Em ensaios com os componentes agrícola e pecuário, são necessários ao menos cinco anos para que os efeitos do sistema possam ser verificados. Quando o sistema conta ainda com o componente arbóreo, o tempo necessário é ainda maior, chegando a 20, 25 anos, dependendo da espécie florestal utilizada.
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Fabio Reynol
Secretaria de Comunicação da Embrapa - Secom
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/